Um milhão de alunos da rede municipal de educação da Capital que estão sem aulas por causa da quarentena de prevenção ao coronavírus deixaram de receber a alimentação diária oferecida nas escolas (merenda escolar). Na rede estadual, 3 milhões de refeições por dia deixaram de ser fornecidas por conta da suspensão das aulas.
A antecipação das férias de julho decretada pelo prefeito Bruno Covas começou a valer no dia 23 de março para a rede pública de ensino da Capital paulista, que tem cerca de 4 mil escolas e 1 milhão de estudantes. No decreto que declara situação de emergência no município de São Paulo, o prefeito não estabeleceu obrigatoriedade para provimento da alimentação aos alunos. Apenas determinou à Secretaria Municipal de Educação que “busque alternativas para o fornecimento de alimentação aos estudantes”, o que até o momento não foi feito.
A rede estadual tem 5.400 escolas no território paulista, com 3,5 milhões de alunos, aos quais o governo fornece em torno de 3 milhões de refeições por dia – uma parte dos alunos não come a merenda ou a leva de casa ou compra na cantina.

Principal refeição
Sem aulas, os alunos das redes públicas municipal e estadual ficaram sem a merenda, que, para muitas crianças e adolescentes, representa a principal (e às vezes única) refeição do dia. O governador Dória anunciou um programa emergencial para 700 mil alunos da rede estadual, ou 20% do total, considerados de baixa renda ou vivendo na extrema pobreza, cujas famílias vão receber o valor de R$ 55,00 ao mês por estudante, com efetivação prometida para abril. Ele alega que esse valor corresponderia a uma cesta básica, o que não procede.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica em São Paulo, em fevereiro deste ano, custava R$ 519,76. Portanto, o valor que o governo estadual pretende pagar por aluno é cerca de 10% do custo dos alimentos básicos. Sem falar que, por força de uma lei federal, 30% dos alimentos consumidos nos estabelecimentos de ensino devem ser provenientes de agricultura familiar e orgânica, o que certamente não ocorrerá nessa situação em que as famílias ficarão encarregadas de comprar os produtos. Dessa forma, a refeição dos alunos perderá valor nutritivo no período em que perdurarem as medidas de contenção da pandemia.
O governo informou que, para chegar aos alunos potencialmente beneficiados, haverá um cruzamento de dados entre as bases das Secretarias de Estado da Educação e de Desenvolvimento Social, o que permite a ambas as pastas identificar alunos em extrema pobreza inseridos no Cadastro Único do governo federal, sejam eles beneficiários do Bolsa Família ou não.
Apoio nutricional
A alimentação escolar entrou no rol de preocupações da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) que pediu aos governos para implementarem medidas em favor da população escolar cujas famílias têm mais dificuldades em acessar alimentos, de modo a fornecer o apoio nutricional que os programas de refeição escolar garantiam antes da crise mundial provocada pelo vírus corona.
No âmbito do governo federal, o que prevalece é a displicência de sempre. Em redes sociais, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que iria tentar uma solução com os secretários de Educação, e que a saída mais indicada seria as escolas distribuírem kits com a merenda, proposta descartada por dirigentes em virtude da restrição de circulação nas cidades. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) fechou consenso para que os recursos da merenda sejam destinados para alunos beneficiários do Bolsa Família. Os secretários dizem que a ideia do ministro está desalinhada dos esforços dos estados e é impraticável porque as redes públicas de ensino do país já determinaram a interrupção de atividades, o que inviabiliza a entrega de alimentos para as famílias.
O Brasil tem 48,4 milhões de alunos na educação básica (da creche ao ensino médio), somando as redes pública e particular. Até o ano passado, havia 13,8 milhões deles beneficiados pelo Bolsa Família, e estes seriam o foco da ação pleiteada pelos secretários de Educação. Entretanto, para transferir recursos da merenda diretamente para alunos ou responsáveis (via cartão de beneficiário ou alguma outra forma) é necessária mudança na lei – que só prevê repasse para governos.
Por isso, a Câmara dos Deputados aprovou no dia 25 de março uma alteração legislativa que autoriza a utilização dos recursos destinados à merenda escolar para aquisição de cestas básicas às famílias dos estudantes que tiveram suspensas as aulas na rede pública de educação básica após a epidemia do coronavírus. A matéria seguiu para o Senado. Se aprovada, a regulamentação precisará deixar claro se será permitido converter o valor estimado da cesta básica em valor monetário creditável no cartão do Bolsa Família ou qualquer outro programa social de transferência de renda, conforme reivindicado pelo Consed.
Mulheres
Fato é que, enquanto não se viabiliza efetivamente a solução, as famílias dos alunos, em particular as mães, que são as que mais cuidam dos filhos e ao mesmo tempo as que mais sofrem com a pobreza, o desemprego e o trabalho precário e informal, veem seus gastos aumentarem por terem de prover a alimentação das crianças que antes não entrava no orçamento da casa neste período do ano. Ou seja, além de verem sua renda esvaindo-se diante da crise sanitária que reduziu a circulação de pessoas – e consequentemente limitou as opções de renda –, as mulheres lutam para arcar com um gasto adicional que não cabe nos custos domésticos.
Os governos, em particular a prefeitura de São Paulo, precisam ser mais humanos, atentos, ágeis e eficazes nas medidas para reduzir os danos da epidemia às famílias de baixa renda ou sem nenhuma renda, inclusive aquelas famílias que “moram” nas ruas, sem cartão de benefícios sociais e sem que os filhos estejam matriculados nas escolas. Sob pena de, em curto período de tempo, o Brasil aprofundar ainda mais o fosso da desigualdade social que vem piorando em anos recentes.
Carina Vitral é presidenta nacional da União da Juventude Socialista (UJS) e presidiu a União Nacional dos Estudantes. Claudia Rodrigues é presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM) na cidade de São Paulo. Camilla Lima é professora da rede estadual na Zona Sul de São Paulo e atua na área da cultura com audiovisual. Nayara Souza é estudante de Publicidade e Propaganda da PUC-SP e presidenta estadual da UJS.