Financeirização: crise, estagnação e desigualdade
Livro organizado por Lena Lavinas, Norberto M. Martins, Guilherme L. Gonçalves e Elisa Van Waeyenberge debate a centralidade dos mercados financeiros na esfera da produção e circulação de mercadorias
Financeirização: crise, estagnação e desigualdade, obra coletiva editada pela Contracorrente, vê-se em face da tarefa de avançar nos debates sobre a centralidade dos mercados financeiros e finanças relativamente à esfera da produção e circulação efetiva de mercadorias. O tema é relevante, pois a trajetória de desenvolvimento de uma nação é, em grande medida, determinada pela relação que se estabelece entre o capital, o Estado e a sociedade.
Organizada em oito partes e 35 capítulos, a obra explora diversos aspectos do capitalismo em sua forma financeirizada. O livro apresenta-se como expressão téorica/acadêmica, mas, sobretudo, de conteúdo político dessa temática. A trajetória percorrida tem início em uma sistematização teórica sobre a reprodução do capital e o capitalismo financeirizado, passa por diversas maneiras pelas quais essa financeirização é manifesta em economias periféricas e finaliza com os desafios atuais sobre como os pactos sociais precisam ser pensados.
A construção teórica apresentada mostra que, nas formas contemporâneas do capitalismo, há inegável subordinação da produção e circulação efetiva de mercadorias aos ganhos e rendas financeiras, com impactos diretos sobre a repartição funcional e pessoal da renda. Outro ponto é que a forma singular pela qual o capitalismo se estabelece no Sul Global tem forte conexão à financeirização e política pública. O rentismo financeiro é conectado às políticas macroeconômicas – dívida pública, taxa de juros e taxas de câmbio –, que são verdadeiros mecanismos de transmissão do capitalismo financeirizado.
É justamente por meio dos mecanismos de políticas macroeconômicas que a financeirização se manifesta de diversas formas em economias periféricas. O resultado é uma desconexão entre a política pública e sua função primaz. Dessa forma, educação, previdência e sistemas de pensão, saúde, saneamento básico, entre outros direitos fundamentais, tornam-se apenas colaterais das políticas públicas/sociais, pois o interesse maior são os ganhos financeiros que esses setores podem render. Os exemplos apresentados ao longo do livro mostram, por exemplo, o caso das parcerias público-privadas na saúde, da financeirização da educação superior e dos sistemas de pensões e previdência. O resultado é a erosão das bases de um Estado de bem-estar social.
A financeirização apresenta-se, portanto, como elemento chave para o neoliberalismo. Ao capturar a política econômica e revertê-la para a finalidade de gerar ganhos financeiros, a relação entre o capital e o Estado é alterada; com isso, as sociedades se transformam. A política pública não é mais um fim, porém um meio para a financeirização. As formas de exploração, dominação e opressão, típicas do neoliberalismo, veem-se potencializadas pela ação cada vez mais insuficiente do Estado.
Outras questões não diretamente ligadas à economia também são transformadas pela primazia da esfera financeira. As questões de gênero, meio ambiente, direitos humanos e democratização do acesso às cidades também se veem alteradas no capitalismo financeirizado. Para cada uma delas, não são desenhadas políticas públicas com foco na sociedade, mas mercados secundários de títulos e papéis criados, com a finalidade de promover, por meio de bônus, o atingimento de cada meta relacionada a tais elementos. Com isso, são negociados direitos, natureza, cidadania e outros valores em mercados financeiros.
Ao destacar os mecanismos de política econômica – monetária, fiscal, cambial e de rendas – como elementos de ajuste entre a esfera financeira e a sociedade, há na obra importante apelo político sobre o desenho de pactos sociais em economias financeirizadas do Sul Global e o futuro desses.
Carlos Eduardo Caldarelli é professor associado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected].