O custo ambiental da folia
Em Fortaleza, o legado insustentável de um carnaval fora de época
Fortal, um dos maiores carnavais fora de época do Nordeste, atrai centenas de foliões desde o seu surgimento nos anos 1990. Ao longo de sua história, a maré de abadás tomou as ruas da Avenida Beira Mar e da Praia de Iracema da capital cearense e agora, em sua 31ª edição, a produção anunciou a mudança na localização do evento: uma área remanescente de 20 hectares de Mata Atlântica.

A densa vegetação está localizada em um imóvel de propriedade da Fraport AG – empresa alemã detentora de uma série de aeroportos no Brasil e no mundo –, nas proximidades do Aeroporto Internacional Pinto Martins, e poderá deixar de existir para que ao longo de quatro dias, entre 18 e 21 de julho de 2024, um novo circuito carnavalesco tome forma.

Em resposta à dimensão do desmatamento esperado, ambientalistas têm expressado seu repúdio nas redes sociais. Em nota, o movimento Fortaleza pelas Dunas divulgou que o Instagram oficial do Fortal está bloqueando pessoas que comentam e protestam contra a escolha do novo local, como o vereador Gabriel Aguiar. O que o silenciamento diz sobre um evento que nasce e cresce graças ao povo?

A cidade abrange muito mais do que seus verdes mares. É o caso da Floresta de Tabuleiro, um tipo de formação da Mata Atlântica, assim chamada por se desenvolver sobre tabuleiros costeiros. A Mata de Tabuleiro abriga sua própria biodiversidade, comumente reunindo espécies ameaçadas, por se localizar em regiões litorâneas pressionadas pela urbanização.

Atualmente, a capital conta com algumas unidades de conservação compostas por esse ecossistema. É o caso da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Sítio do Curió. Entretanto, a cidade, que possui as maiores economia e população do Nordeste, tem apresentado declínio em suas áreas verdes. Segundo a pesquisa desenvolvida em 2019 pela mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Andressa Cruz, o percentual de cobertura vegetal da cidade diminuiu quase 50% entre 2007 e 2017.
E assim como grande parte das capitais brasileiras, Fortaleza não está imune às consequências de um planejamento urbano sem adaptação e resiliência a eventos climáticos extremos. A própria redução das áreas verdes e permeáveis dificulta a absorção da chuva pelo solo, interrompendo o seu processo natural de infiltração e resultando no acúmulo de água na superfície, o que, por sua vez, vem causando alagamentos na cidade.
Ironicamente, a capital do Ceará, conhecida por suas altas temperaturas, foi surpreendida por uma nova ação do Poder Público, que promete combater o calor: a instalação de “xiringadores” (totens de nebulização) em alguns pontos da cidade. No entanto, será que essa é a alternativa mais inteligente para enfrentar os carnavais cada vez mais quentes no futuro?
Diante da decisão de abdicar de 200 mil metros quadrados de vegetação, em prol de um festival de duração meteórica, é imprescindível reconhecer o papel desempenhado pelas áreas verdes no meio urbano. A natureza fornece serviços e bens que são utilizados para o bem-estar da população, conhecidos como serviços ecossistêmicos. São serviços como o refúgio da biodiversidade local; sequestro de carbono e, em alguns casos, de poluentes presentes na atmosfera; suporte na infiltração de águas pluviais, com abastecimento de aquíferos e rios; e amenização da sensação térmica. Ou seja, são serviços que não obedecem fronteiras artificiais entre o público e privado e que tornam a vida humana possível. Eles não surgem, portanto, da noite para o dia. Uma árvore adulta leva décadas para exercer toda a sua potência e não há reflorestamento que altere o curso natural do tempo. Antes da reparação, a emergência da prevenção.
Em um tempo no qual o mercado internacional atribui reconhecimento e confiança para empresas que aplicam boas práticas de ESG (sustentabilidade ambiental, responsabilidade social e governança corporativa), vale o lembrete de que esta se constitui como um tripé, e práticas sociais isoladas não compensam danos ambientais causados a uma área considerada constitucionalmente como patrimônio nacional. Apesar de ser o único bioma a usufruir de uma norma específica – a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428, de 2006) –, a legislação carece de um dispositivo de obrigatoriedade do desmatamento zero, o que se apresenta como um desafio para a recuperação e proteção de um ecossistema que já apresentou recordes de desmatamento.
Estão postas as fortalezas, a que é e a que pode ser. Uma fortaleza que atende ao bem-estar do morador é uma fortaleza que atenderá ao bem-estar do folião. Até o carnaval precisa de desenvolvimento sustentável, até a folia precisa ser pensada para as gerações futuras. Sem preservar a Mata Atlântica, qual Fortaleza será o legado do Fortal?
Assine o abaixo-assinado Salvem a Mata Atlântica; diga não ao desmatamento para o Fortal 2024.
Gabrielle Alves é cientista política, advogada e ativista de direitos humanos.
Débora Maria Carvalho é cientista ambiental, mestre em Políticas Públicas e ativista socioambiental.