Fossilizar-se com uso de combustíveis fósseis ou fazer parte da revolução energética
Enquanto os impactos climáticos se agravam e atingem duramente o país, terá algum candidato às próximas eleições a coragem de dar ouvidos ao grito por mudança que vem do povo no dia 8 de setembro?
Os últimos três anos foram os mais quentes já registrados na história, e 2018 caminha para se juntar ao ranking dos cinco primeiros. Como consequência, eventos climáticos extremos têm afetado essencialmente todos os cantos do planeta.
Da Suécia ao Canadá, da Espanha à Argélia, todo o hemisfério norte passou os últimos meses lutando contra as altas temperaturas. O calor recorde no Paquistão e na Índia durante o verão (de abril a junho) resultou em aproximadamente 4 mil mortes. Em países como o Japão e a Coréia do Sul, quase duzentas pessoas morreram por causa de chuvas intensas e enchentes.
No hemisfério sul, ondas de calor tomaram conta da África do Sul e da Austrália em janeiro. No Brasil, a crise hídrica e a seca no Nordeste têm se intensificado, impactando atividades econômicas essenciais como agricultura, pecuária e turismo, o que acirra conflitos na região e aumenta os índices de desemprego e pobreza.
Eventos extremos como consequência de escolhas políticas desastrosas mundo afora têm impacto direto no desenvolvimento econômico, segurança alimentar, saúde e migração internacional, roubando vidas, destruindo laços, raízes e formas de subsistência.
Há pelo menos duas décadas e meia, desde a Eco-92, no Rio de Janeiro, esperamos dos governos mundiais atitudes concretas para frear o aquecimento global e proteger a humanidade dos piores efeitos das alterações no clima.
Ao vivenciarem os impactos reais dessas mudanças, pessoas em diversos cantos do mundo decidiram construir por si mesmas um futuro mais saudável, equilibrado e equitativo, que terá nas bases da sociedade seu maior alicerce. Dada a inércia e morosidade das autoridades, a sociedade decidiu agir, a partir de uma insatisfação popular coletiva, para não ser vítima nem cúmplice de ações e omissões de governos e empresas perante os desafios de promover o desenvolvimento sustentável e o equilíbrio climático do planeta.
São cidadãos e organizações civis que desejam um mundo onde direitos humanos fundamentais sejam respeitados, o ambiente seja protegido e os interesses da maioria falem mais alto do que o de pequenos grupos detentores do capital. O objetivo é devolver o poder de decisão – e de ação – às próprias comunidades.
O movimento climático vem se transformando no principal movimento global da atualidade. Nunca antes o clima, uma questão definidora do nosso tempo, foi considerado um assunto central para grupos tão diversos. Começou-se a perceber a transversalidade intrínseca de temas como os direitos humanos, em especial aqueles relacionados a povos indígenas e outras populações vulneráveis, emprego e justiça social, meio ambiente e defesa da democracia.
No dia 8 de setembro, dezenas de milhares de pessoas participarão da mobilização global Una-se pelo Clima, que tem como foco o combate às mudanças climáticas em todo o mundo. Mais de 780 ações coordenadas serão realizadas em 88 países nos seis continentes, mostrando que a verdadeira liderança climática também vem das bases. O objetivo é demonstrar a urgência de ações reais de combate aos impactos crescentes que estão sendo vivenciados pelas populações mais vulneráveis em todo o mundo.
A mobilização mira também os líderes políticos e tomadores de decisão presentes na Cúpula Global de Ação Climática, que acontecerá no dia 12 de setembro na Califórnia, exigindo que eles aumentem a ambição em seus compromissos e políticas públicas. Afinal, é sabido que são insuficientes as atuais iniciativas dos governos nacionais para cumprir as metas previstas no Acordo de Paris, de reduzir até 2030 as emissões antrópicas de gases do efeito estufa.
Antes que as autoridades governamentais se reúnam a portas fechadas para debater possíveis ações, milhares de pessoas assumem a dianteira e tomam as ruas para mostrar que o planeta tem pressa, e que a sociedade não ficará de braços cruzados a esperar.
Num contexto em que as alterações no clima são inegáveis, um dos principais desafios é a mudança profunda no setor energético mundial. E uma transição energética real só poderá ser feita essencialmente através de duas etapas: a descarbonização e a descentralização da geração. Isso implicará a alteração de premissas econômicas e de políticas de desenvolvimento, voltando ações para uma progressiva redução da dependência de energias fósseis como carvão, petróleo e gás, e uma crescente substituição dessas fontes poluidoras por alternativas renováveis, socialmente responsáveis e verdadeiramente acessíveis.
Isso vai exigir também que se avance na eficiência e conservação energética, além da utilização e geração descentralizada de energia, notadamente elétrica, em todos os níveis. A eletrificação das atividades humanas, da mobilidade e do transporte público, das residências e das atividades produtivas, será cada vez mais facilitada por energias como eólica, solar e biomassa. Além disso, sua produção deverá ser distribuída, fazendo com que cidadãos comuns passem de meros consumidores a produtores e gestores de sua própria energia.
O que as populações em todos os cantos do mundo querem ver é uma revolução no modo de produzir e usar energia. Rompendo laços profundos com a indústria fóssil e com os modelos tradicionais de negócio e de desenvolvimento econômico, o setor energético poderá ter um papel crucial no desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equilibrada.
Investimento para a transição energética
Mas uma transição energética real não pode ficar restrita aos países ricos, já que atualmente dois terços das emissões mundiais de gases-estufa vêm das nações em desenvolvimento. Nestas, o grande gargalo ainda é o financiamento. Não só para infraestrutura e introdução de fontes renováveis e justas, como também para o desenvolvimento de tecnologias novas e acessíveis. Nós temos as fontes em abundância, mas a adesão massiva a elas apenas poderá ocorrer quando o pagamento por elas couber no bolso das pessoas.
Enquanto os governos se digladiam para colocar dinheiro nas mesas de negociação para fomentar ações de desenvolvimento tecnológico e inovação na área de renováveis, ou para políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas em países em desenvolvimento, eles também seguem enxugando gelo e pagando bilhões para consertar o inconsertável.
Segundo um relatório da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), os prejuízos causados por eventos climáticos extremos no mundo em 2017 são estimados em US$ 320 bilhões. No Brasil, segundo o Ministério da Integração Nacional, foi transferido no ano passado um total de R$ 200 milhões para ações de socorro, assistência humanitária, restauração de serviços e recuperação de estruturas danificadas em cidades em estado de emergência por causa das fortes chuvas no Sul ou da seca mais intensa já registrada no Nordeste.
Além disso, o governo federal também dá de bandeja bilhões de reais em subsídios fiscais à indústria do petróleo e gás, além de investir em infraestrutura pesada para extrair e processar combustíveis fósseis. Todo esse montante poderia estar sendo direcionado para pesquisa e tecnologia, para iniciativas de energia renovável ou investido em programas sociais de combate à pobreza e redução da desigualdade.
O governo não vê o que está claro na sua frente: que a política centralizada em investimentos nas áreas de petróleo e gás está ultrapassada, e contribui apenas para a permanência do cenário atual de desemprego, desigualdade social e retrocessos em políticas ambientais. A indústria do petróleo no Rio de Janeiro, a maior do país, por exemplo, teve uma redução de 2,6% no índice de empregos no ano passado em relação a 2016, mostrando a persistência da crise no setor. E essa trajetória de queda está em vigor desde 2014.
Por outro lado, o segmento de energia eólica vem crescendo significativamente no país. A atual capacidade instalada de 13 gigawatts (GW) deverá atingir 19 GW de energia até 2023, com mais de duzentos parques eólicos a serem entregues nos próximos anos. Isso significa que estaríamos gerando mais empregos e justiça social se estivéssemos diversificando o investimento em fontes de geração de eletricidade de forma renovável, observando critérios de sustentabilidade socioambiental e equidade.
Com a proximidade das eleições presidenciais, estaduais e legislativas, o Brasil tem em mãos a chance de mudar de vez esse cenário. Candidatos devem apresentar propostas condizentes com a necessidade urgente de combate ao aquecimento global e com a demanda de suas populações, e cidadãos devem votar conscientes e cobrar o cumprimento dos compromissos assumidos por seus representantes.
A ciência e os efeitos reais do clima estão dando seus alertas. O que vivemos hoje é uma pequena amostra do que está por vir caso nada seja feito. Mas não precisa ser assim. E esse é o recado que milhares de pessoas darão ao mundo no dia 8 de setembro.
*Rubens Born é engenheiro e advogado especializado em meio ambiente, mudanças climáticas e políticas públicas; e diretor interino de 350.org Brasil e América Latina.