Fracasso da União Europeia na Palestina
A França mantém sua cooperação com Israel como se a ocupação não existisse mais. Já a União Europeia, mesmo que enfim decida adotar medidas de retaliação contra a colonização, o fará com tal timidez que esta a tornará incapaz de impor uma paz duradoura à região
Vinte anos depois dos acordos de Oslo, a União Europeia acaba de vencer uma primeira etapa para tornar plausível sua posição oficial em favor de um Estado palestino “independente, democrático, unificado e viável”. Uma diretiva publicada em julho de 2013 torna efetivamente inabilitada a receber financiamentos europeus, a partir de 2014, qualquer instituição israelense – empresa, universidade, laboratório de pesquisa, associação – situada além das fronteiras de 1967 e que exerça uma atividade em uma colônia na Cisjordânia ou em Jerusalém Oriental.
Isso deveria pôr fim ao apoio a uma empresa como a Ahava, que explora sedimentos e sais minerais do Mar Morto, ao qual os industriais palestinos continuam privados de acesso; ou ainda à Autoridade das Antiguidades de Israel, por meio da qual as autoridades israelenses exercem praticamente um monopólio sobre a regulamentação, a conservação e a apresentação das obras arqueológicas na Palestina.
Uma decisão como essa era ainda mais esperada porque a União Europeia jamais pôde, ou quis, aplicar as declarações e resoluções acumuladas desde dezembro de 2009 e que exortam o governo israelense a “acabar imediatamente com todas as atividades introduzidas em Jerusalém Oriental e no resto da Cisjordânia, inclusive na extensão natural das colônias, e a desmantelar todas as colônias de povoamento selvagem instaladas desde março de 2001”.1 Atualmente, apesar da constatação das violações das resoluções da ONU e das convenções de Genebra e da advertência consultiva da Corte Internacional de Justiça emitida contra o muro de separação,2 nenhuma sanção foi aplicada.
No entanto, ela é urgente, pois a política do fato consumado continua dia após dia a corroer os territórios palestinos, comprometendo a resolução de dois Estados. A Cisjordânia já não é mais que um arquipélago de pequenas ilhas urbanas, em razão do muro da separação, cujo traçado anexa na realidade cerca de 10% do território palestino, e da manutenção de 60% de sua superfície sob o controle total de Israel – a famosa “área C”.3 Esta já totaliza 350 mil colonos instalados em 135 colônias, para 180 mil palestinos que ali residem. Por outro lado, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, Ocha) está preocupado com o crescimento das violências cometidas pelos colonos, com o bloqueio das permissões palestinas de construir, dadas pela administração civil israelense encarregada dos territórios, e com as demolições sistemáticas de edificações erguidas “sem permissão”.
Pressões israelenses e norte-americanas
Essas demolições não poupam os projetos financiados pela União Europeia, que paga a reconstrução de infraestruturas destruídas pelo Exército israelense. São, por exemplo, o porto e o aeroporto de Gaza, mas também prédios administrativos de segurança da Autoridade Palestina – principalmente em Naplouse e em Jénine, onde a União Europeia destinou 30 milhões de euros para a reconstrução de duas mouqatas, que devem ser terminadas no início de 2014 –, ou ainda instalações básicas na zona rural. Até mesmo equipamentos móveis de uso humanitário (tendas, abrigos, latrinas…) são regularmente saqueados pelo Exército ou pelos colonos, sem que nenhuma demanda de indenização tenha sido formulada. Somente o Escritório de Ajuda Comunitária da Comunidade Europeia (European Community Humanitarian Aid Office, Echo) reivindicou por escrito, em 2013, compensações financeiras. Ele recebeu uma declaração de recusa à sua demanda extremamente seca, sob o pretexto de que as estruturas não tinham sido construídas de maneira coordenada pelas autoridades israelenses.
Os incidentes – envolvendo inclusive diplomatas europeus (ver boxe)– são frequentes, mas na maioria das vezes abafados por chancelarias preocupadas em não fazer barulho. Assim, o apoio ao fortalecimento institucional da Autoridade Palestina – leitmotivdos mandatários que impõem o desenvolvimento econômico na falta de uma solução política – foi mantido sem pestanejar. No entanto, com o passar do tempo, ele se transformou em uma perfusão contínua, permitindo que se mantenha flutuando a Autoridade, da qual a União paga grande parte dos funcionários, o equivalente a 150 milhões de euros por ano.
Os recursos hídricos sempre constituíram uma disputa maior. No entanto, sua divisão permaneceu amplamente desfavorável aos palestinos, dependentes de um conselho conjunto [Israel e Palestina] para tratar dos assuntos concernentes à água e ao sistema sanitário, que supostamente deveria favorecer a codecisão entre as duas partes, mas é utilizado pela parte israelense para bloquear a maior parte dos projetos palestinos relativos aos lençóis de água subterrâneos. Os palestinos têm acesso a apenas 20% dos recursos da Cisjordânia, enquanto os israelenses ficam com 80%;4 os primeiros consomem, em média, quatro vezes menos água por dia e por pessoa. A “comunidade internacional”, inclusive a União Europeia, não parece incomodada de financiar projetos de tratamento das águas cujo investimento, assim como os custos de operação, é mais caro em razão das restrições impostas pelo ocupante.
Em Jerusalém, as autoridades israelenses expropriaram mais de um terço da cidade, logo declarado “território do Estado”. Em 2013, foram inventariados 250 mil colonos estabelecidos nos bairros palestinos, seja no centro velho e nas bacias históricas ou nos vastos conjuntos urbanos dispostos em círculos concêntricos em torno da cidade. Até mesmo a cultura, a história e o patrimônio são domínios estritamente controlados pelas autoridades israelenses: retenção de permissões da prática de guia turístico, de restauração de obras e manuscritos, do controle de escavações arqueológicas… De acordo com o último relatório dos chefes de missão diplomática europeus em serviço em Jerusalém, parece que isso resulta “de um esforço premeditado, que visa se servir da arqueologia para reforçar as pretensões a uma continuidade histórica judaica em Jerusalém e, assim, criar uma justificativa para seu estabelecimento enquanto capital eterna e indivisível de Israel”.5
Apesar das conclusões sem rodeios desse relatório transmitido a todas as capitais europeias, a UE ficou bem atrapalhada para impor uma medida qualquer às autoridades israelenses, a começar pela reabertura das instituições oficiais em Jerusalém Oriental, das quais as primeiras seriam a Casa do Oriente – sede da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Jerusalém até o ano 2000 – e a Câmara de Comércio palestina.
Em 2010, Israel fechou todos os pontos de passagem para a Faixa de Gaza, exceto os de Erez (com acesso restrito) e de Kerem Shalom, única entrada autorizada para as importações de algumas mercadorias, em benefício do Hamas. As exportações continuaram proibidas, com poucas exceções. Ao longo de toda a Faixa de Gaza, que já é um dos lugares mais densamente povoados do mundo, com cerca de 2 milhões de pessoas em 400 quilômetros quadrados (4.500 habitantes por quilômetro quadrado), as autoridades israelenses impuseram uma zona-tampão (buffer zone) de 100 a 500 metros de largura no interior do muro de segurança, impedindo a partir de então o acesso da população a 17% do território, ou seja, cerca de um terço de sua superfície cultivável. Tais restrições existem também para a orla marítima, uma vez que o limite de pesca – inicialmente estabelecido, pelos acordos de Oslo, em 20 milhas náuticas – está compreendido hoje entre 3 e 6 milhas náuticas, de acordo com o período do ano.6 Resposta da União Europeia: 15 milhões de euros suplementares para o aumento das infraestruturas fronteiriças na passagem de Kerem Shalom, ou seja, um investimento na infraestrutura de segurança israelense, na falta de obter a supressão do bloqueio que, afinal, reclama oficialmente.
Por outro lado, o destino dos refugiados palestinos também se deteriorou. Expulsos de seus povoados durante as guerras de 1948 e de 1967, aproximadamente 5 milhões foram registrados pelas Nações Unidas. Um terço deles ainda vive em campos “provisórios” em Gaza, na Cisjordânia, no Líbano e na Síria; são 3,5 milhões que dependem da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (Unrwa) para os serviços básicos de saúde e educação. Essa situação, que custa à União Europeia cerca de 300 milhões de euros por ano sob a forma de apoio financeiro à Unrwa, é agravada também pelo fluxo atual de refugiados sírios e pela instabilidade dos países da região.
O status quo no Oriente Médio ilustra a incapacidade da União Europeia de impor as condições de uma paz duradoura na região. No entanto, ela dispõe de todos os meios para fazê-lo.7
Em primeiro lugar, a União Europeia poderia assumir o passo importante dado com a publicação de sua diretiva, em vez de tentar atenuar seu impacto, e recusar-se a ceder às pressões exercidas a partir de então pelas autoridades israelenses – que proibiriam o acesso de seus representantes a Gaza – e norte-americanas. Além disso, com um volume de trocas de aproximadamente 30 bilhões de euros por ano, a Europa representa o primeiro parceiro comercial de Israel e um quarto de suas exportações. A UE poderia, assim, ameaçar Tel-Aviv de retaliações no quadro do acordo de associação assinado em 2000, congelar os acordos específicos em vigor ou em curso de negociação (Israel permanece o primeiro beneficiário dos Programas Mediterrâneos) e suspender qualquer negociação em vista de um fortalecimento do acordo de associação.
E mais, ela poderia parar de importar produtos fabricados ou embalados nas colônias israelenses da Cisjordânia. Em 2012, um coletivo de 22 ONGs estimou essas importações em 230 milhões de euros, ou seja, quinze vezes mais que as importações europeias dos produtos palestinos.8 Não dependendo de financiamentos europeus diretos, essas exportações não estão, de fato, relacionadas com a diretiva recente. E, na falta de etiquetagem precisa, esses produtos made in Israel, na verdade originários das colônias, beneficiam-se da isenção de imposto… Com a preocupação de transparência diante do consumidor europeu, uma demanda de rotulagem está em desenvolvimento em treze Estados. Porém, alguns deles, como a Irlanda, pedem que essa iniciativa não chegue à proibição pura e simples desses produtos no mercado europeu.
Enfim, a União Europeia poderia intervir no comércio de armas com Israel, que continua a crescer apesar do código de conduta europeu que proíbe qualquer comércio de equipamento militar com autoridades “que fazem uso de repressão interna, de agressão internacional ou contribuam para a instabilidade regional”. Essa importação de equipamentos, o investimento em pesquisa (em parte, graças a subvenções europeias) e as recentes operações militares homicidas em Gaza – verdadeiro laboratório das tecnologias de ponta em matéria de armamento – permitiram o aumento das vendas de armamentos israelenses no mundo: elas alcançaram, em 2012, o nível recorde de 5,3 bilhões de euros, roubando assim o quarto lugar no quadro de honra dos exportadores de armas da França.
Há um ano, a União Europeia ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Talvez fosse hora de ela se lembrar disso.
BOX:
Quando Paris dorme…
Há muito tempo abriram a temporada de caça aos beduínos não somente na Palestina ocupada, mas também em Israel, onde dezenas de milhares deles são expulsos de suas terras.1 Sexta-feira, 20 de setembro, na Cisjordânia: um comboio humanitário se dirige ao vilarejo beduíno de Makul, destruído pelas forças de ocupação israelenses. A comissão de auxílio transporta tendas para oferecer um teto, mesmo que precário, aos cerca de sessenta habitantes. Destinadas a substituir os abrigos da Cruz Vermelha, confiscados pelos israelenses, essas tendas foram financiadas pela União Europeia e pela França. Para evitar uma nova apreensão, diplomatas europeus e humanitários escoltam o caminhão – que rapidamente é bloqueado pelo Exército israelense.
Para proteger a carga, os diplomatas sobem na cabine do veículo, entre eles Marion Fesneau-Castaing, assistente de cooperação no consulado da França em Jerusalém, que dispõe de imunidade diplomática. Alguns soldados agarram seus braços e pernas e a jogam para fora do caminhão. Ela se levanta e é interpelada por um militar que ordena que ela pegue sua bolsa. Ela se recusa a fazê-lo com um gesto registrado por um vídeo e que, editado pelos israelenses, se transformará em um “soco”, versão que o correspondente de Le Mondereproduziria com complacência.2
O incidente ofereceu a Paris a oportunidade de mostrar sua pusilanimidade e deu aos meios de comunicação uma história divertida que permitiu desviar a atenção da repressão contra o comboio, que contou com granadas ensurdecedoras e gás lacrimogêneo, além de golpes e detenções. Sem mencionar o escândalo que representa essa violação das convenções de Genebra. Enquanto a União Europeia protesta, o Quai d’Orsay se cala e depois decide… repatriar a diplomata.
Israel desenvolveu o hábito de atacar diplomatas franceses – de preferência, mulheres3 –, sem suscitar qualquer medida de retaliação. Trata-se de não abalar as excelentes relações entre a França e esse país que viola alegremente o direito internacional. Houve um tempo em que as potências coloniais pensavam que esse direito não podia ser aplicado aos povos “selvagens”. Na Palestina, ainda é assim.
1 Émilie Baujard, “‘Et le phénomène des bédouins disparaîtra’. Moshe Dayan, 1963” [“E o fenômeno dos beduínos desaparecerá.” Moshe Dayan, 1963], 20 out. 2013. Disponível em: .
2 Laurent Zecchini, “Et du gauche, la diplomate frappe le soldat au menton” [E com um esquerdo, a diplomata golpeia o soldado no queixo], Le Monde, 23 set. 2013; “La diplomate boxeuse en poste en Israël sera mutée” [Diplomata boxeadora será transferida de seu posto em Israel], Le Monde, 28 set. 2013.
3 “Tel-Aviv piétine ses alliés” [Tel-Aviv espezinha seus aliados], Le Monde Diplomatique, abr. 2010.
Laurence Bernard é jornalista.