Garantir o direito à cidade
Durante o Fórum Social Mundial Policêntrico foi discutida e aprovada a mais nova versão da Carta
• Exercício pleno da cidadania e gestão democrática
As cidades devem ser um espaço de realização de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais, assegurando a dignidade e o bem-estar coletivo das pessoas em condições de igualdade, eqüidade e justiça, assim como o pleno respeito à produção social do habitat. Todos têm direito de encontrar nas cidades as condições necessárias para a sua realização política, econômica, cultural, social e ecológica, assumindo o dever da solidariedade. Todas as pessoas têm direito a participar, através de formas diretas e representativas, da elaboração, definição, implementação e fiscalização das políticas públicas e do orçamento das cidades, para fortalecer a transparência, eficácia e autonomia das administrações públicas locais e das organizações populares.
• Função social da cidade e da propriedade urbana
Como seu fim principal, a cidade deve exercer sua função social, garantindo a todos o usufruto pleno dos recursos que oferece. Isso significa que deve assumir a realização de projetos e investimentos em benefício da comunidade urbana no seu conjunto, dentro de critérios de eqüidade distributiva, complementaridade econômica, respeito à cultura e sustentabilidade ecológica, para assegurar o bem-estar dos habitantes em harmonia com a natureza, para hoje e para as futuras gerações.
Os espaços e bens públicos e privados da cidade e dos cidadãos devem ser utilizados priorizando o interesse social, cultural e ambiental.
Todos os cidadãos têm direito a participar da propriedade do território urbano dentro de parâmetros democráticos, de justiça social e de condições ambientais sustentáveis.
Na formulação e implementação de políticas urbanas deve ser promovido o uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaço e do solo, em condições seguras e com eqüidade entre os gêneros.
As cidades devem promulgar legislação adequada e estabelecer mecanismos e sanções destinados a garantir o pleno aproveitamento do solo e de imóveis públicos e privados não edificados, não utilizados, subutilizados ou não ocupados, para o cumprimento da função social da propriedade.
Na formulação e implementação das políticas urbanas deve prevalecer o interesse social e cultural coletivo sobre o direito individual de propriedade e sobre os interesses especulativos.
As cidades devem inibir a especulação imobiliária mediante a adoção de normas urbanas para uma justa distribuição dos ônus e benefícios gerados pelo processo de urbanização e para a adequação de todos os instrumentos de políticas econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos de desenvolvimento eqüitativo e sustentável.
As rendas extraordinárias (mais-valias) geradas pelo investimento público – atualmente capturadas por empresas imobiliárias e por particulares – devem ser geridas em favor de programas sociais que garantam o direito à moradia e a uma vida digna aos setores em condições precárias e em situação de risco.
• Planejamento e gestão da cidade
As cidades se comprometem a constituir espaços institucionalizados para a participação ampla, direta, eqüitativa e democrática dos cidadãos no processo de planejamento, elaboração, aprovação, gestão e avaliação de políticas e orçamentos públicos.
Deve ser garantido o funcionamento de órgãos colegiados, audiências, conferências, consultas e debates públicos, assim como o reconhecimento dos processos de iniciativa popular na proposição de projetos de lei e de planos de desenvolvimento urbano.
As cidades, em conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, devem formular e aplicar políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção, que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do império da lei, da devida gestão dos assuntos e bens públicos, da integridade, transparência e da obrigação de prestar contas.
As cidades, para salvaguardar o princípio da transparência, devem organizar a estrutura administrativa de modo que garanta a efetiva responsabilidade de seus governantes frente aos cidadãos, assim como a responsabilidade da administração municipal perante os demais níveis de governo e os organismos e instâncias regionais e internacionais de direitos humanos.
• Desenvolvimento urbano eqüitativo e sustentável
As cidades devem desenvolver planejamentos, regulação e gestão urbano-ambiental que garantam o equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e a proteção do patrimônio natural, histórico, arquitetônico, cultural e artístico; que impeça a segregação e a exclusão territorial; que priorize a produção social do habitat e a função social da cidade e da propriedade. Para tanto, as cidades devem adotar medidas que conduzam a uma cidade integrada e eqüitativa.
O planejamento e os programas e projetos setoriais deverão integrar o tema da seguridade urbana como um atributo do espaço público.
• Direito à informação pública
Toda pessoa tem direito a solicitar e receber informação completa, veraz, adequada e oportuna sobre a atividade administrativa e financeira de qualquer órgão pertencente à administração da cidade, ao Poder Legislativo ou Judiciário, e das empresas e sociedades privadas ou mistas que prestem serviços públicos.
Os funcionários do governo da cidade ou do setor privado devem gerar ou produzir a informação requerida para sua área de competência em um tempo mínimo, mesmo que não disponham delas no momento do pedido. O único limite ao acesso à informação pública é o respeito ao direito de intimidade das pessoas.
As cidades devem garantir mecanismos para que todas as pessoas acessem uma informação pública eficaz e transparente. Para tanto, devem promover o acesso de todos os setores da população às novas tecnologias de informação, sua aprendizagem e atualização periódica.
Toda a pessoa ou grupo organizado, em especial os que auto-produzem sua moradia e outros componentes do habitat, têm direito a obter informações sobre a disponibilidade e localização de solo adequado, sobre programas habitacionais que se desenvolvem na cidade e sobre instrumentos de apoio disponíveis.
• Participação política
Todos os cidadãos têm direito à participação na vida política local, mediante a eleição livre e democrática dos representantes locais, assim como nas decisões que afetem as políticas locais de planejamento, produção, renovação, melhoramento e gestão da cidade.
As cidades devem implementar políticas afirmativas de cotas para representação e participação política das mulheres e minorias em todas as instâncias locais eletivas e de definição de suas políticas públicas, orçamentos e programas.
• Direito à segurança pública e à convivência pacífica solidária e multicultural
As cidades devem criar condições para a segurança pública, a convivência pacífica, o desenvolvimento coletivo e o exercício da solidariedade. Para tanto deve ser garantido o pleno usufruto da cidade, respeitando a diversidade e preservando a memória e a identidade cultural de todos os cidadãos, sem discriminação alguma.
As forças de segurança têm entre suas principais missões o respeito e a proteção aos direitos dos cidadãos. As cidades devem garantir que as forças de segurança pública sob suas ordens somente exerçam o uso da força estritamente de acordo com as previsões legais e sob controle democrático. As cidades devem garantir a participação de todos os cidadãos no controle e avaliação das forças de segurança.
*Fórum Nacional de Reforma Urbana foi criado em 1987 e atualmente é coordenado por 26 organizações, movimentos e instituições.