George W. Bush, o presidente MBA
Único mandatário americano a ter um diploma de Masters of Business Administration da prestigiosa universidade de Harvard, Bush ficou muito aquém do que prometia seu título. Causou espanto com fracassos frequentes em setores que dizem respeito à gestão econômica e até mesmo à simples logística
George W. Bush foi o primeiro presidente da história dos Estados Unidos a ter um diploma de MBA (Master of Business Administration). O título foi-lhe outorgado pela prestigiosa Harvard Business School, da Universidade Harvard. Bush se valeu dessa qualificação para definir a “administração eficiente” como prioridade de seu governo.
Cerca de 20 anos após Ronald Reagan e Margaret Thatcher, a ascensão ao poder de um “presidente-patrão” caracterizava um novo avanço no processo de desmantelamento do Estado de bem-estar social. Retoma-se assim um discurso formulado pelos presidentes William McKinley (1897-1901) e Calvin Coolidge (1923-1929), que haviam declarado, respectivamente, que o país precisava de “menos Estado nos negócios, e mais negócios no Estado” e que “o negócio mais importante para a América são os negócios”.
Nos anos 1980, Reagan afirmava que “o Estado não é a solução; ele é o problema”. O corolário é que a “magia do mercado” resolveria todas as questões econômicas e sociais. Na mesma linha, Margaret Thatcher proferia à época que “a sociedade não existe”, o que veio a ser uma versão política do princípio da “mão invisível” de Adam Smith, que reduzia o bem-estar coletivo a uma soma de interesses egoístas. Ou a uma sórdida manipulação por dirigentes políticos, uma vez que, segundo o economista reaganiano Milton Friedman, “aquilo que nós chamamos de compaixão não passa de um pretexto dos políticos para gastar nosso dinheiro”1.
Paradoxalmente, foi o democrata Bill Clinton (1993-2001) quem acabou submetendo o Estado a uma dieta de emagrecimento muito rigorosa. Uma das suas principais iniciativas foi “reinventar o governo”, introduzindo na sua gestão os métodos do setor privado. A sua estratégia de “triangulação”, que consistia em manter-se distante tanto da direita radical republicana (que havia triunfado por ocasião das eleições realizadas em meados do seu primeiro mandato, em 1994) quanto dos democratas, levou Bill Clinton a adotar políticas conservadoras em temas como família, polícia e sistema carcerário, acompanhadas por uma disciplina fiscal rigorosa. No fim das contas, a sua administração acabou consagrando e terminando o processo de desregulamentação financeira.2
Quando da eleição presidencial de 2000, vencida por muito pouco por Bush, a ideologia do “fim da história” já estava consagrada. O discurso dominante a respeito da globalização feliz e da “nova economia” assegurava que o presidente da única superpotência poderia limitar-se a ser um bom gestor da prosperidade.
O diploma de MBA constituía então um talismã. Na época, escolas de administração estavam se disseminando mundo afora e não faltaram os estabelecimentos de ensino superior que se inspiraram no modelo de Harvard para atualizar suas estruturas e oferta de cursos.
No momento em que a financiarização da economia estava se consagrando, essas escolas receberam batalhões de engenheiros interessados em complementar sua formação. A “engenharia financeira” prometia um recrutamento a preço de ouro.3 Wall Street passara a representar um novo horizonte, ao lado de um pequeno grupo de empresas que estavam na ponta de lança da inovação financeira. Entre elas destacava-se a Enron, a gigante texana da energia que, esbanjando criatividade, afastava sempre mais as fronteiras da economia virtual.
A empresa investiu pesado na carreira política de Bush. Uma vez eleito, este cumpriu o esperado e cercou-se de alguns dos seus dirigentes, entre os quais Thomas White, nomeado para o cargo de secretário de Estado para as forças armadas. Ele prometeu “aplicar os métodos do setor privado no setor público”.
A Enron iria à falência menos de um ano depois. Porém, em meio a um noticiário dominado pelos atentados de 11 de setembro de 2001, o escândalo político-financeiro logo foi esquecido. Bush, que havia prometido “uma política externa humilde”, conheceu então um período de graça: ele seria um chefe de guerra.
Essa dimensão ofuscou outros aspectos da sua presidência, em particular os processos de consolidação do Executivo e de radicalização da política econômica. As novas ambições imperiais se colocavam na contramão da realidade.
Conforme explicou ao jornalista Ron Suskind um dos “principais conselheiros” do presidente à época – muito provavelmente o seu estrategista Karl Rove, embora a fonte fosse sigilosa –, “as regras do jogo mudaram. Hoje nós constituímos um império; e quando agimos, criamos a nossa própria realidade”4.
Em todas as áreas de seu governo, George W. Bush gostava de lembrar que quem decidia era ele. Acreditava que as reduções de impostos eram uma panaceia enquanto o consumo era o único motor da economia. Após ter declarado a “guerra contra o terrorismo”, em vez de refletir a respeito dos meios para financiá-la ou dos sacrifícios que imporia aos seus concidadãos, ele limitou-se a exortar estes últimos a prosseguir com suas compras.5
Em meados de 2002, quando se mostrou necessário empreender uma cam¬panha de propaganda para convencer o público da necessidade de atacar o Iraque, o chefe de gabinete da Casa Branca, Andrew Card, valendo-se do seu talento de vendedor experiente, explicou que era preferível aguardar até o final do ano: “Do ponto de vista do marketing, nunca se lança um novo produto antes disso”.
As reuniões do presidente com o seu gabinete se pareciam então com as de um conselho de administração, nas quais eram homologadas decisões já tomadas. Diferentemente do que fizera seu predecessor, o presidente Bush se mostrava muito rígido com os seus subordinados em matéria de pontualidade ou de códigos relativos ao vestuário, mas parecia desnorteado nas discussões a respeito de questões concretas. Paul O’Neill, seu primeiro-secretário do Tesouro, relatou que a impressão que predominava naquelas reuniões era a “de um cego lidando com uma plateia lotada de surdos”6.
A incompetência também dava mostras de certo dinamismo. O critério de seleção predominante dos principais responsáveis administrativos era o da compatibilidade ideológica. Por mais que as teses defendidas por estes últimos se revelassem muito distantes da realidade, eles tinham o mérito de uma coerência inegável. Os talking points (diretrizes político-administrativas) elaborados por esses dirigentes eram apresentados das mais diversas maneiras e impostos de forma autoritária.
Na esteira da vitória-relâmpago das tropas americanas, Paul Bremer, ele também diplomado pela Harvard Business School, foi designado como o principal dirigente de uma gig
antesca empreitada de pacificação, reconstrução e democratização do Iraque, apesar de nunca ter estado lá.
Desmantelamento do Iraque
Duas semanas de “explanações” intensivas em Washington foram o bastante para educá-lo. Tal como o estudante de uma escola de administração que crê saber tudo sobre uma situação após ter lido um estudo de 20 páginas sobre ela, Bremer tomou um avião rumo ao complicado Oriente Médio municiado de ideias simples7. Sem demora, o lépido pró-cônsul deu início ao processo de desmantelamento das instituições em vigor, o que envolveu o expurgo dos integrantes do partido Baas, então no poder, e a supressão do exército. Começou então a implantar um novo sistema político, com os resultados que nós conhecemos hoje.
Enquanto a falência da política externa da administração Bush era previsível, causam espanto os frequentes fracassos do primeiro “presidente MBA” em setores que dizem respeito à gestão econômica e até mesmo à simples logística. Ora, foi a sua incapacidade de administrar as consequências do furacão Katrina, em setembro de 2005, que suscitou as primeiras dúvidas da população sobre a sua competência.
Apesar da amplitude dessa tragédia, o presidente teve o desplante de transmitir, na frente das câmeras de televisão, uma infeliz felicitação a Michael Brown, diretor da Federal Emergency Management Agency (Fema, Agência Federal de Gerenciamento de Emergências) nomeado por ele próprio para conduzir as operações de socorro às vítimas: “Brownie, você está fazendo um tremendo trabalho” (“Brownie, you’re doing a heck of a job”), disse em cadeia nacional. Dez dias depois, o diretor renunciou ao cargo em meio às críticas de lentidão na resposta ao desastre.
Crise financeira
O último ano do segundo mandato de Bush foi marcado pela recessão econômica e a implosão do sistema financeiro, que exigiu a intervenção maciça do governo.
Surpreendentemente, a eleição de Barack Obama à presidência provocou, por parte dos defensores incondicionais do absolutismo do mercado, um frenesi de atividades, que incluiu decisões de última hora, tomadas pelo Executivo na calada da noite. O objetivo? Deixar uma marca da ideologia “bushista” em setores como o meio ambiente ou a regulamentação do trabalho.8
Como foi possível chegar a esse ponto? Dois livros recentes oferecem uma explicação. No primeiro, o economista James Galbraith descreve o crescimento avassalador do poder do “Estado predador”.9 Para ele, estaríamos muito longe do “novo Estado industrial” dos anos 1960, quando os negócios, embora já fossem poderosos, precisavam trabalhar junto com outros setores também influentes, como os sindicatos e o poder público, até então relativamente autônomos. O enfraquecimento subsequente dessas outras forças produziria efeitos perversos.10
Durante o governo Bush, o número de funcionários diminuiu. Enquanto isso, a terceirização dos serviços em proveito de companhias privadas como a Blackwater, que gozava de laços estreitos com a Casa Branca, conheceu expansão considerável, sobretudo nos setores de segurança interna e defesa nacional.11 A proximidade com as empresas faz sentido: filho de um presidente e neto de um senador, Bush é o rebento inexpressivo de uma família na qual a política e os negócios sempre estiveram misturados.12 Na verdade, será que ele não deve tudo – sua admissão em grandes universidades, seu enriquecimento apesar dos reveses sucessivos no mundo dos negócios, e obviamente sua carreira política – às “conexões” familiares?13
Agora, porém, o discurso do Partido Republicano em relação à disciplina fiscal, ao mercado e à redução da atuação do Estado perdeu toda sua substância. Antes mesmo das operações de salvamento do conjunto do sistema financeiro pela potência pública, já estava claro o novo papel de “vaca leiteira” do Estado, fazendo com que as empresas mais bem inseridas nos meios políticos pudessem prosperar.
Outro livro, de autoria do historiador Thomas Frank, intitulado A equipe de demolição, descreve detalhadamente a sabotagem da potência pública e de sua administração promovida pelos conservadores radicais, os quais acreditam que o Estado liberal, no sentido progressista, produto do “New Deal” de Franklin Roosevelt e da “Great Society” de Lyndon Johnson, constitui uma perversão do ideal democrático.14
A parte mais substancial desse livro é constituída por biografias cruzadas de alguns dos “revolucionários” dos anos 1980, movidos por uma ideologia antigovernamental e que se incrustaram em Washington. Um deles, Grover Norquist, presidente da associação Americans for Tax Reform (Americanos a favor da reforma fiscal) e titular de um MBA de Harvard, diz querer reduzir o tamanho do Estado social até que seja possível “afogá-lo dentro de uma banheira”.
Em consequência dos “expurgos” efetuados sob pretextos diversos, surgiu uma nova geração de funcionários públicos, em perfeita sintonia com empresas que eles supostamente deveriam regulamentar e vigiar – e ansiosos por serem contratados por elas posteriormente. Tão logo a noção de interesse público deixa de existir, por que construir uma carreira em Washington se não for para ordenhar o “Estado vaca leiteira”?
Thomas Frank também desenterra citações de uma época em que as lideranças dos meios de negócios não costumavam medir suas palavras para celebrar as virtudes da mediocridade em política. Ele cita o antigo presidente da Câmara de Comércio americana, Homer Ferguson, que declarou em 1928: “O melhor servidor do Estado é também o pior. Um homem de primeiríssima classe no serviço público é corrosivo. Ele destrói nossas liberdades. Quanto mais competente ele for e quanto mais tempo ele permanecer no poder, mais perigoso ele será”15. Ao menos no que diz respeito a promover esta concepção patronal do século passado, George W. Bush entrará para a história como um presidente excepcional.
*Ibrahim Warde é professor associado na Universidade Tufts (Medford, Massachusetts, EUA). Autor de Propagande impériale & guerre financière contre le terrorisme, Marselha-Paris, Agone – Le Monde Diplomatique, 2007.