Green New Deal ou Economia Verde 2.0?
O Green New Deal à brasileira parece cada vez mais distante da agenda sugerida na campanha de Bernie Sanders, e cada vez mais próxima de uma Economia Verde 2.0
Em 2012, no bojo da conferência Rio+20, foram publicados diversos relatórios, artigos e propostas que apresentavam a noção de “Economia Verde” como solução para a crise econômica e ambiental planetária. Mais do que “salvar o planeta”, tratava-se, pois, de oferecer alternativas a crise financeira internacional sob a ótica de um esverdeamento da atividade produtiva, crença em novas tecnologias e aprofundamento do discurso moral – em escala planetária – sobre os usos dos recursos naturais comuns.
O tema foi problematizado e rechaçado por diversos segmentos sociais, na própria Rio+20 e no Fórum Social Temático daquele ano, que expuseram a estratégia de apropriação das noções de sustentabilidade por parte das grandes corporações (incluindo as mais poluentes), como forma da produção e reprodução de seu capital em escalas jamais vistas e sob nova bandeira ético-moral.
O tema foi denunciado à época por diversos especialistas, como no artigo Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? (2012), liderado por Henri Acselrad, Celio Bermann, Andrea Zhouri, entre outros, que assinaram o texto como Coletivo Brasileiro de Pesquisadores da Desigualdade Ambiental.
Apesar de em 2009 o termo Green New Deal já figurar em relatório da Organização das Nações Unidas, o termo difundido foi “Economia Verde”, tanto na academia, quanto pelas grandes Ongs internacionais e por instituições multilaterais como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. A partir de 2018, sob a liderança da deputada federal pelo estado de Nova Iorque, Alexandria Ocasio-Cortez – articulada com movimentos como o Sunrise-, e do professor da Universidade da Pensilvânia, Daniel Aldana Cohen, o tema volta com força, buscando inverter a ótica do favorecimento ao grande capital, tendo como eixo prioritário a Habitação Social, por exemplo.
Não por caso, o tema foi incorporado na campanha das primárias presidenciais de Bernie Sanders, senador do estado de Vermont e representante da ala Democrática Socialista do partido Democrata – mesma corrente do professor Daniel Cohen e da deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Com a derrota de Sanders para Biden, o candidato vitorioso se comprometeu em levar a diante na campanha o plano ambicioso e necessário diante dos desafios que se apresentam.
À brasileira
No Brasil o tema começa a ganhar terreno em artigos de opinião e recentemente com a publicação de dois estudos que valem a leitura e o debate. O primeiro desenvolvido pelo movimento “Nossa América Verde” em torno de um “Plano de Recuperação Econômica com Justiça Social e Ambiental 2020-2030” – aberto a consultas no site da organização. O segundo “Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a Construção de uma Economia Mais Eficiente e Resiliente para o Brasil“, liderado pelo WRI Brasil e pela iniciativa New Climate Economy e diversos especialistas da PUC-Rio, COPPE/UFRJ, Federação Brasileira de Bancos (Febraban), entre outros.
Enquanto o primeiro estudo apresenta um plano ambicioso com a construção de 25 milhões de moradias, buscando a imperativa ponte e ainda pouco presente no cenário nacional entre Mudanças Climáticas e Habitação social, no segundo estudo a palavra habitação é mencionada apenas duas vezes com foco em eficiência energética da construção civil a partir de desincentivos econômicos e financiamento como precificação de carbono associada a linha de credito. Fica claro também as distinções dos relatórios em relação as agendas por justiça e diminuição de desigualdades – presente no primeiro, e a crença na tecnologia e financiamento, foco essencial do segundo.
Apesar de importante os esforços para colocar o tema na agenda brasileira, em um momento de pandemia, retração econômica e de “debandada” de secretários do Ministério da Fazenda, comandado por Paulo Guedes, as iniciativas parecem descoladas da conjuntura nacional pois não dialogam com o que está proposto no esboço do programa do governo federal Pró-Brasil ou com o Novo Marco do Saneamento. Nem com as demandas de movimentos sociais, principalmente no que tange a questão habitacional e também de acesso aos direitos na cidade. Menos ainda com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 131 de 2019, apresentada pelo Senador Jaques Wagner (PT/BA), junto com senadores de outros partidos, e que estabelece no investimento público federal um mínimo de 1,5% do Produto Interno Bruto para determina as áreas prioritárias de investimento e exclui o montante do teto de gastos da União Federal.
Nesse sentido o Green New Deal à brasileira parece cada vez mais distante da agenda sugerida na campanha de Bernie Sanders, e cada vez mais próxima de uma Economia Verde 2.0. A crença da resolução de problemas e desafios globais deslocadas das demandas da base em sua formulação e conceito, acentua o processo despolitizante das pautas ambientais no país. Por outro lado, é preciso reconhecer que as disputas políticas e de narrativas acontecem na esfera pública. E, sob esta ótica, a pauta da justiça ambiental ou da justiça climática, ainda é terreno de desconfiança na política partidária brasileira em partidos de esquerda. O fantasma de Belo Monte ainda ronda o imaginário de parte da esquerda que ainda deve – não podemos esquecer – uma visita à Altamira, no Pará.
A verdade é que o Green New Deal à brasileira está em disputa. O professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFR) nos recordou durante as enchentes do início do ano – e que tendem a ficar cada vez mais frequentes e severas – que o clima de catástrofe deveria criar um ambiente para uma nova reforma urbana ancorada no que cunhou de New Deal Urbano, concentrando investimentos na reforma estrutural das cidades. Nortes como esse, as propostas do Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), assim como pautas e demandas que florescente de movimentos como o BR Cidades, ou do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), Rede Brasileira de Justiça Ambiental, articulados com os movimentos por moradia, terra, atingidos por barragens, movimento negro e por direitos LGBTI+, entre outros, precisam guiar esse debate desde sua concepção. Esse, inclusive, deve ser o norte da tão falada, e cada vez mais distante, frente ampla construída a partir de baixo. As eleições de 2020 oferecem essa arena. Inclusive para a criação do caminho a ser construído até 2022.
Pedro Henrique Campello Torres é cientista social e planejador urbano. Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo.