Guerras sem soldados
Os ensaios armígeros desenvolvidos pelos norte-americanos e as ações belicosas ucranianas evidenciam a possível dispensa de soldados e apenas a presença de dispositivos movidos pela inteligência artificial, atuando por conta própria em situações de combate
De acordo com registros históricos, a Primeira Guerra Mundial agregou várias dezenas de milhões de militares, sendo os europeus a grande maioria. Morreram, aproximadamente, nove milhões de soldados, principalmente devido aos avanços tecnológicos das armas provocadoras de letalidade elevada. Pode ser dito que foi uma das maiores mobilizações bélicas e um dos conflitos mais mortais do percurso da humanidade. Em seu desenrolar, adentraram nas fileiras das organizações bélicas francesas oito milhões de soldados, nas da Alemanha, treze milhões, nas da Rússia, dezoito milhões e nas da Itália, seis milhões.
A Segunda Guerra Mundial superou a primeira. Nela, foram envolvidos a maioria dos países do planeta, incluso as grandes potências de então. O contingente de soldados alcançou a casa dos cem milhões e as principais nações partícipes colocaram toda sua capacidade científica, industrial e econômica a serviço dela. Foram contabilizados entre cinquenta e setenta milhões de falecimentos e houve a estreia do uso da bomba atômica. No decorrer do conflito, as Forças Armadas italianas recrutaram mais de três milhões de fardados, as da Rússia, um milhão e, a dos Estados Unidos, dezesseis milhões.
Embora a primeira conflagração possa ser vista como uma guerra de segunda geração e a segunda como uma guerra de terceira geração, ambas exibiram organizações castrenses tipicamente modernas, ou seja, expressões da modernidade. Constituídas quase que totalmente por centenas de milhares de homens fardados, possuíam uma estrutura de comando baseada em uma hierarquia rígida, com ênfase na disciplina imposta e na conservação de uma flórea cadeia de comando. O treinamento visava predominantemente os conflitos convencionais, com uma abordagem centrada no Estado-Nação e emprego de estratégias tradicionais de combate. Os soldados, alistados pela conscrição, eram dotados de uma mentalidade padronizada decorrente do preparo relativo ao ato de pensar e agir segundo os parâmetros da guerra clássica que é assentada em objetivos claros, busca da derrota do inimigo, luta em confrontos diretos, presença de armas portáteis, veículos blindados e equipamentos de proteção pessoal.
Após o término do segundo conflito as Forças Armadas dos respectivos países começaram a diminuir seus tamanhos. Os Estados Unidos foram pressionados pela população para realizar uma rápida desmobilização ao mesmo tempo em que os soldados protestaram contra a lentidão do processo. Em fins de junho de 1947 suas fileiras se encontravam reduzidas a 1.566.000 fardados. O Canadá, que possuía meio milhão de soldados em 1945, fez uma drástica diminuição, haja vista que o governo de então estabeleceu uma força de 25.000 homens no Exército, 10.000 na Marinha e 6.000 na Força Aérea. Na Grã-Bretanha, os militares foram dispensados com base nos critérios de idade, tempo de serviço e estado civil. Também lento, provocou vários incidentes disciplinares. Dos cinco milhões de aquartelados sobraram apenas setecentos mil. Na Austrália a dispensa atingiu 600.000 homens e mulheres. Nas demais nações beligerantes também ocorreram amplas desmobilizações.
Os contingentes das instituições bélicas permaneceram pouco oscilantes durante as décadas seguintes. Essa baixa oscilação mostrou-se compatível com o denominado período da Guerra Fria cujo pensamento estratégico dominante adotado pela OTAN previa um ataque amplo e surpreendente oriundo da União Soviética e de seus aliados do Pacto de Varsóvia. Para enfrentá-lo, se fazia necessário compor uma sólida e rápida defesa baseada em elevada concentração de soldados alocados perto das fronteiras inimigas junto a um contra-ataque nuclear.
O término da Guerra Fria, resultante do soçobro da União Soviética na última década do século passado, criou a oportunidade para a continuação do encolhimento das Forças Armadas no transcorrer do século atual. O Exército germânico que, em tal década, possuía 370.000 fardados, caiu para aproximadamente 190.000 em 2023. Na Índia, que há um certo tempo vinha alistando cerca de 60.000 servidores de uniforme por ano, não contratou nenhum em 2023 e 2024 e o governo Modi, um convencido defensor da incrementação das organizações bélicas, está defendendo a contratação de soldados por prazo determinado. A China, que se encontra realizando alterações em sua estrutura de comando e mesclando tecnologias existentes com as novas para se manter como protagonista no campo de batalha, cortou cerca de 250.000 fardados entre os anos de 2010 e 2020. Segundo o Global Peace Index de 2022, cerca de 112 países do mundo reduziram significativamente o número de militares a partir de 2008.
Cabe destacar que o pensamento estratégico internacional dominante a partir do fim da Guerra Fria passou a ser outro totalmente diferente. Ele propõe uma drástica redução do contingente militar, adoção de equipamentos de última geração, constituição de pequenas unidades altamente profissionalizadas, dotadas de grande mobilidade e com capacidade de efetuar deslocamentos rápidos em pontos do território nacional. Entretanto, uma nova e mais relevante tarefa foi outorgada às Forças Armadas, qual seja, garantir a estabilidade de um mundo carregado de incertezas. Em decorrência, a ONU criou as Forças de Manutenção da Paz, um grupo multinacional apelidado de capacetes azuis, para atuar em zonas de conflito sem o uso de armas e exercer dois novos papéis, ou seja, de juiz e de comunicador. Essa nova configuração das Forças Armadas se revela consoante ao suposto novo estágio da história humana alcunhado de pós-modernidade, o qual segundo seus defensores teve início no decorrer da Guerra Fria. Entretanto, observe-se que tal pensamento foi encorpado com a Guerra da Ucrânia. Com efeito, a OTAN inseriu nele a diretiva de que a Rússia deve ser contida por meio da dissuasão e a China vigiada como um inimigo potencial, haja vista que sua recente aproximação a Moscou ameaça os valores e a segurança ocidentais. Por sua vez, a Rússia passou a encarar os Estados Unidos como seu principal inimigo e a rejeitar a presença da Otan próxima às suas fronteiras, bem como encaixou o Ártico e o Mar Negro no rol de seus interesses.
Nessa postulada época da civilização as guerras convencionais assentadas na circunscrita tríade integrada por soldados, armas e campo de batalha entram em um movimento de decadência, e no lugar delas emergem outras formas de conflagração classificadas como de quarta e de quinta geração. As de quarta se caracterizam pela significativa atenuação das fronteiras entre conflito e paz e privação do monopólio da ação militar por parte do Estado por causa do envolvimento de atores não subordinados a ele tais com grupos de guerrilha, facções insurgentes e bando de terroristas. Elas se mostram como um evento de baixa intensidade e de longa duração e visam acarretar o enfraquecimento psicológico dos combatentes. Pelo uso de recursos políticos, econômicos e sociais miram também persuadir os tomadores de decisões inimigos de que seus escopos estratégicos são inviáveis. Em favor dessa pretensão buscam destruir o apoio da população aos governantes bem como corromper a vontade coletiva de continuar lutando pelo uso de pugnas psicológicas, informacionais, jurídicas e de propaganda.
Exemplo elucidativo dessa geração é o longevo conflito entre israelenses e palestinos. Por contar com vantagem nos mais diversos aspectos, os israelenses impõem aos palestinos um severo conjunto de medidas. Na Cisjordânia, estabeleceram numerosos assentamentos, fizeram invasões em fazendas, confiscaram terras para reservas naturais, obstruíram poços de água. Na Faixa de Gaza, realizaram bloqueios terrestre, marítimo e aéreo, embargaram a realização de operações de importação e exportação, reduziram a venda de eletricidade, mantiveram a inspeção de mercadorias recebidas pelo mar, concretizaram boicotes econômicos e fechamento de fronteiras ao mercado agrícola. Além dessas ações, construíram uma barreira de separação acarretadora do fechamento de fronteiras, da instalação de postos de controle e da fixação de toques de recolher.
Outro exemplo diz respeito às várias insurgências que se iniciaram em meados do século passado na Birmânia a partir de sua independência do Reino Unido, quando ganhou o nome de Mianmar, e avançaram por sete décadas. Diversos grupos étnicos armados lutaram contra suas organizações bélicas pela busca da autodeterminação. Apesar de terem emergido múltiplos cessar fogos e criadas zonas autônomas autoadministradas, tais grupos continuaram pugnando por mais autonomia e avanço da federalização.
Um terceiro exemplo se refere à guerra contra o Estado Islâmico a partir dos primórdios da segunda década do século atual, quando alguns países, dentre os quais aparecem o Irã e os Estados Unidos, protagonizaram uma intervenção relativamente longa. Fizeram ingerências na Guerra Civil Síria e na Guerra do Iraque e se intrometeram na Nigéria e na Líbia contra agrupamentos a ele associados. Não pode ser esquecida a guerra de Kosovo, ocorrida em fins da década de noventa do século passado e apontada como a primeira conflagração pós-moderna. Causada pelo pedido de independência dos kosovares e não aceita pelo presidente Milosevic, emergiu uma guerrilha separatista, a disseminação de conflitos, o apoio da Albânia aos insurgentes e a intervenção da OTAN.
Essas conflagrações manifestantes na suposta pós-modernidade revelaram dois novos eventos. Um deles é pertinente ao emprego de exércitos privados. Vale dizer que eles começaram a surgir no final da Guerra Fria, que disponibilizou um elevado agrupamento de indivíduos exibidores de preparo marcial. Também contribuiu para seu surgimento a retirada de tropas estrangeiras de vários recantos do mundo. Esse vazio militar não pode ser preenchido por causa da fragilidade dos Estados que as abrigavam. Talvez a colaboração mais relevante tenha sido a instauração e o avanço do neoliberalismo que insistiu no enxugamento do Estado, no rígido controle das contas públicas e na valorização do mercado como o principal agente das ofertas de mercadorias e serviços. Consequentemente, elas se tornaram um grande negócio, e de escopo global. Estima-se que muitos bilhões de dólares circulam nesse setor e, pelo que se sabe, esse tipo de negócio se encontra em elevado ritmo de crescimento.
Note-se que as tarefas específicas do aparato militar e de segurança pertinentes a muitos Estados são transferidas para essas forças particulares constituídas por pequenos conjuntos agregadores de algumas centenas de indivíduos. Dentre outras atividades, tais empresas atuam no apoio logístico ao deslocamento de soldados e ações militares, na manutenção de armamentos, na proteção de instalações de diversos tipos, no fornecimento de treinamento a fardados autóctones, na busca e exame de informações relacionadas ao setor de inteligência e no interrogatório de prisioneiros. Caso seja requisitado, seus integrantes também participam de combates como guerreiros porquanto são traquejados ex-militares de importantes exércitos nacionais.
Os Estados Unidos já fizeram uso delas no Iraque e no Kuwait, dado que a maioria delas se encontrava aí estabelecida. Os Emirados Árabes Unidos, de modo secreto, enviaram mercenários para lutar contra os houthis apoiados pelo Irã no Iêmen. A Arábia Saudita enviou mercenários africanos para combater no Iêmen, na Síria e na Líbia. A Síria os contratou para reaver territórios abocanhados por terroristas. A Rússia os utiliza na Síria e na Ucrânia, que também emprega mercenários. A Nigéria sigilosamente os contratou para barrar as ações do grupo terrorista Boko Haram. Tais eventos e muitos outros semelhantes contribuem para a desvalorização e o desprestígio dos Exércitos Nacionais que custam muito mais ao erário público do que as forças privadas. Veja-se como exemplo o caso dos Estados Unidos, que, em 2019, investiu mais de 300 bilhões de dólares em forças privadas e cujo orçamento da defesa, em 2023, atingiu cerca de novecentos bilhões de dólares. Ademais, seus soldados não possuem as competências necessárias para enfrentar, de maneira eficaz, os novos tipos de conflagrações. Agregue-se, ainda, o fato de que suas grandes dimensões e exigência do significativo emprego de recursos logísticos dificultam muito a imprescindível mobilização acelerada.
Outrossim, nos dias que correm, essas forças regulares estão encontrando dificuldades para se manterem ativas porquanto apareceram dificuldades no setor de recrutamento. Com o emprego do voluntariado no lugar da conscrição, das múltiplas ofertas no mercado de trabalho e nas mudanças comportamentais dos jovens que passaram a valorizar mais a liberdade pessoal e a concretização de seus interesses particulares, diminuiu significativamente a motivação para integrar as fileiras castrenses. Veja-se que a Rússia tem recorrido à busca de detentos nos presídios, o ministro da Defesa de Israel quer que os isentos membros da comunidade religiosa passem a servir nas Forças Armadas, a Ucrânia está chamando seus cidadãos residentes em países da Europa para prestarem o serviço militar, e os Estados Unidos realizam extensivamente o Future Soldier Preparatory Course, que fornece treinamento acadêmico e condicionamento físico para recrutas em potencial.
O segundo novo evento diz respeito à participação de civis, homens e mulheres, como combatentes. Um relatório do Soufan Group de 2015 apresentou estimativas numéricas de estrangeiros combatentes na Síria e no Iraque. Os países de onde partiram mais pessoas foram Tunísia (6000), Arábia Saudita (2500), Rússia (2400), Turquia (2100) e Jordania (2000). Por região, tem-se Oriente Médio (8240), Magrebe (8000), Europa Ocidental (5000), ex-repúblicas soviéticas (4700), Sudeste Asiático (900), Balcãs (875) e América do Norte (289). Por sua vez, o Departamento de Estado norte americano comunicou, em 2016, que mais de 40.000 combatentes estiveram em ação num total de mais de 100 países. Observe-se que uma parte desses combatentes estrangeiros aí compareceram como integrantes de exércitos privados. Na atual Guerra da Ucrânia, milhares de cidadãos ucranianos lutam ao lado de muitas centenas de pessoas vindas da Bielorrússia, Azerbaijão, Armenia, Chechênia, e Coreia do Sul. A favor dos russos, também se encontram muitas centenas de alemães, sérvios, húngaros, nepaleses e indianos.
Vale expor que os Estados Unidos possuem o Army Civilian Corps integrante do Exército, composto por mais de trezentos mil estadunidenses, aptos ao combate e comprometidos com o serviço abnegado de apoio à proteção e à preservação do país. Eles prestam juramento de posse para apoiar e defender a Constituição e são guiados pelo Credo do Corpo de Civis do Exército. Mencione-se também o movimento em evolução no Reino Unido, voltado para a criação de um exército civil voluntário composto por 250 mil combatentes aptos a participarem de campanhas bélicas.
Acrescente-se a existência de países possuidores de milícias, isto é, organizações compostas por cidadãos paisanos armados, tais como Armenia, Bahrein e Etiópia. A presença de países que destituíram suas Forças Armadas, dentre os quais podem ser mencionados Liechtenstein, em 1868, Costa Rica, em 1949 e Panamá, em 1990. E a apresentação de países que emergiram sem a criação de instituições bélicas, como Micronésia, Palau, Samoa e Ilhas Marshall.
Quanto à guerra de quinta geração, cabe asseverar que diz respeito ao emprego de ações não cinéticas tais como a divulgação de informações não verídicas, a realização de ataques cibernéticos, o uso da inteligência artificial e o emprego de sistemas totalmente autônomos. Ela tem por objetivo preferencial a obtenção de vitória sem participar dos tipos de contendas anteriormente mencionados. Assim, os esforços são no sentido de usar o sistema de inteligência para assinalar os pontos fracos das nações inimigas, visando impedir, atrasar ou encarecer o desenvolvimento econômico, social, político e de defesa do alvo. Ou seja, provocar a derrocada da soberania de um país. Isso significa que ela pode ser travada e vencida sem que um projétil seja disparado ou mesmo que a maioria de população saiba que ela está acontecendo, haja vista que nela inexistem soldados lutando em delimitados campos de batalha.
Embora haja a afirmação de que este tipo de guerra ainda não emergiu de forma plena, é possível asseverar que a Primavera Árabe, surgida na Tunísia, em 2008, e, posteriormente, irrompida no norte de África, em 2010, se mostra como o início de um processo de ultrapassagem, porém não de aniquilamento, dos conflitos antecedentes. De fato, foi a primeira escaramuça impulsionada pelas redes sociais, principalmente Facebook e Twitter, e seu andamento se manifestou antes que qualquer ação cinética acontecesse. Assim sendo, é viável dizer que ela pode ser considerada como a primeira contenda inopinada de quinta geração.
Diga-se que ecos sociais da Primavera Árabe se fizeram sentir nos múltiplos recantos do planeta. Primeiro em Hong Kong, em 2014, onde ocorreu uma manifestação popular decorrente da decisão do Congresso Nacional do Povo sobre proposta de reforma eleitoral. Posteriormente, em Taiwan, aconteceu um protesto contra a presença de Zhang Zhijun, cuja visita era vista com desconfiança face às intenções autocráticas da China. Em ambos os eventos, foram utilizados de modo intensivo aplicativos de mensagens criptografadas e de rede descentralizados devido sobrecarga incidente na infraestrutura de celulares. No ano de 2016, deu-se a suposta interferência russa nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em favorecimento a Trump por meio da criação de milhares de contas falsas nas redes sociais e espargimento de fake News contra Hillary, com vistas a minar a fé da população estadunidense no processo democrático.
Nesse mesmo ano, apareceu a denominada Síndrome de Havana na embaixada cubana. Diplomatas relataram ter ouvido ruídos estranhos seguidos de dores de cabeça, confusão mental e danos neurológicos. Sabe-se que ela já foi notada em Guangzhou, Hanói, Berlim e Viena. Mais à frente, em 2021, durante o conflito entre israelenses e palestinos, materializou-se um anúncio falso no Twitter e no jornal Wall Street que as tropas israelitas se encontravam atacando a Faixa de Gaza. No dia seguinte, outro jornal, o New York Times noticiou que o anúncio tinha sido um engano e que a intenção era expor as forças opositoras do Hamas e destruir redes de túneis com munições guiadas de precisão. Tal destruição realizou-se pelo emprego da análise de rede celular e uso de sistema que fundia inteligência de sinais, inteligência visual e inteligência geográfica.
Por vários motivos, a guerra de quinta geração tende a conquistar a posição de vanguarda. Além de ser bastante efetiva e menos dispendiosa, ela elimina dois graves e rejeitáveis efeitos psicológicos causados pelas anteriores. Um deles é o transtorno de estresse pós-traumático, que afeta cerca de vinte por cento do conjunto de pessoas que testemunharam ou vivenciaram um evento chocante provocador de ferimentos e ameaça de morte – neste caso, são os veteranos de guerra, que sofrem com sonhos angustiantes, sentimento de culpa, dificuldades de concentração e surtos de irritabilidade. O outro diz respeito ao impacto na saúde mental da população, dado que uma grande proporção de indivíduos desenvolve vários tipos de comportamentos que atrapalham seus atos diários tais como depressão, ansiedade e insônia.
Embora ela se incline a prevalecer, o surgimento de contendas cinéticas assentadas na integração entre o homem e a máquina também é viável principalmente por causa da grande diminuição do número de combatentes feridos e mortos, mesmo porque a quantidade de guerreiros em ação é bastante reduzida. A esse respeito vale citar que soldados do Maneuver Center of Excellence e do National Training Center dos Estados Unidos já testaram novas formações de pelotão que juntam robôs e outras tecnologias com militares em cenários de batalha perigosos. Os testes envolveram circunstâncias em que os robôs assumiram a frente das operações. Primeiramente, geraram uma cortina de fumaça. Em seguida, drones fizeram o bloqueio de sinais inimigos, lançaram veículos com câmaras no topo dos edifícios para explorar o interior, penetraram pelas janelas, fizeram um escaneamento e enviaram os dados para o agrupamento de vinte soldados que os aguardavam com vistas a fazer a invasão. Ao mesmo tempo, cães robôs com câmaras próprias vasculharam o local a procura de perigos e inimigos. Também fizeram experiências em posições defensivas com plataformas robóticas acompanhando o movimento da tropa pelo terreno.
Essa forma de combate tem sido aplicada pelos ucranianos na guerra contra a Rússia. Veja-se que, em 2023, soldados enviaram um drone de ataque em direção a um grande navio de desembarque russo usado para transportar militares e equipamentos, o qual provocou a paralisia de seu funcionamento. Passados alguns meses, um grupo de barcos drones afundaram uma embarcação de mísseis moscovitas no Mar Negro. Pelo ar, eles estão usando o drone Cobra, de longo alcance, que consegue atingir alvos até trezentos quilômetros de distância, bem como o U-26 Bober, não detectado por radares que consegue chegar a alvos situados a mais de setecentos quilômetros. Ambos estão conseguindo avançar em território russo.
Vislumbra-se então que os ensaios armígeros desenvolvidos pelos norte-americanos e as ações belicosas ucranianas evidenciam a possível dispensa de soldados e apenas a presença de dispositivos movidos pela inteligência artificial, atuando por conta própria em situações de combate. Essa possibilidade é reforçada pelos argumentos de que as máquinas podem executar tarefas maçantes, sujas, perigosas, impedem a ocorrência de baixas civis porque identificam inimigos com precisão, são rentáveis e muito eficientes, garantem posição de vantagem frente a outras nações poderosas. Entretanto, reina uma grande preocupação sobre a independência dos aparatos autônomos, pois há dúvidas sobre o depósito de confiança nas suas condutas bem como incerteza sobre quem responderá pela concretização de seus atos.
Outrossim, muitos eventos manifestados no decorrer do tempo, dentre os quais alguns foram abordados anteriormente, comprovam o avanço da civilização, de maneira acelerada e irrefreável, nas sociedades democráticas, a qual é resultante do pujante e perene desenvolvimento tecnológico. Ela é provocadora do apagamento das diferenças entre civis e militares e de suas organizações, da aproximação cada vez maior entre eles, indutora da presença ativa de paisanos nas instituições bélicas e do emprego nelas de concepções civis. Por sua vez, a guerra de quinta geração se mostra como uma pugna exonerante da troca de tiros entre fardados inimigos. Os combates realizados por robôs inclinam-se imperiosamente para o lado da liberação de soldados no campo de batalha. Essas três destacadas ocorrências indicam a aproximação do fim das Forças Armadas dotadas de perfil moderno porquanto originadas e delineadas na época moderna da história humana.
Antônio Carlos Will Ludwig é Professor Aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes)