HEY…HO…: Muitos anos de vida, HIP-HOP
No Brasil, associa-se o repente ao RAP, uma vez que o improviso de rimas exige sagacidades criativas similares nos dois estilos
O Movimento Hip-Hop é comemorado em duas datas distintas ao redor do mundo. Uma delas é 12 de Novembro. Nesse mesmo dia, em 1973, Afrika Bambaataa fundou a Zulu Nation e, exatamente, um ano depois (dia/mês), foram designados os quatro pilares do Movimento: MC (Mestre Cerimônias), DJ (Disquei-Jóquei), Breaking (B-Boy e B-Girl) e Grafite (Graffiti). Oficialmente, por essas razões, no décimo segundo dia do penúltimo mês do ano, se festeja o Dia Mundial do Hip-Hop.
A outra efeméride do Hip-Hop é no dia 11 de agosto. Nessa ocasião, em 1973, o DJ Kool Herc (pseudônimo de Clive Campbell) e sua irmã Cindy Campbell promoveram uma festa no apartamento onde residiam, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a compra de materiais escolares dela. Aliás, essa festividade tem sido referenciada, anualmente, como o nascimento da Cultura Hip-Hop, tendo Cindy e Kool Herc como mãe e pai, respectivamente, do movimento.

Aqui no Brasil, o Dia Nacional do Hip-Hop, a partir deste ano, é celebrado nesse mesmo dia, 11 de agosto (Decreto Federal – PL 5.660/23 – assinado pelo presidente Lula, juntamente com outros relacionados ao eixo antirracista, em 20 de novembro do ano passado, Dia da Consciência Negra).
A partir de 2024 – um adendo relevante – o HIP-HOP se tornou Patrimônio Imaterial do Estado de São Paulo – a partir de Projeto de Lei de Leci Brandão. Na mesma Unidade da Federação (SP), o Dia do RAP Nacional é festejado em 6 de agosto (desde 2008, mesmo dia em que a Jamaica, país considerado berço do HIP-HOP por muitos, se tornou independente da Inglaterra, em 1962).
Obviamente, como todas as datas cronológicas, ambos os dias (11 de agosto e 12 de novembro) representam marcos. A história do movimento Hip-Hop, porém, não cabe em um ou outro flash. Há quem diga que o gênero musical nasceu na Jamaica, uma vez que Kool Herc de lá trouxe a cultura do som de rua. Essa festa tem como intuito celebrar a vida e, também, refletir sobre o mundo que encontrou nos guetos estadunidenses dos anos 1970, a base ideal para criar um dos movimentos culturais mais contundentes do século XX.
Em território brasileiro, é consensual – para os registros históricos – que o Largo do São Bento, no final dos anos de 1980, na capital paulista, seja uma referência para o início do movimento. Dentro do movimento, no entanto, credita-se a Nelson Triunfo a paternidade do Hip-Hop no país, pois, anos antes de a São Bento se tornar um polo cultural do movimento, ele já dançava nas ruas do Centro de São Paulo (na Rua 24 de Maio com a Praça Dom José Gaspar, à certa distância da São Bento – desde 2014, existe uma ‘Pedra Fundamental’ no local, denominando-o como o Marco Zero do Hip-Hop, oficialmente executada pela Secretaria Municipal de Cultura).
Para provocar mais ainda, o compositor Jair Rodrigues, nos anos de 1960, já cantava como um rapper (“Deixa que digam/Que pensem/ Que falem/Deixa isso pra lá/ Vem pra cá/ o que que tem? Eu não tô fazendo nada/ Você também/ Faz mal bater um papo/ Assim gostoso com alguém?”), tornando-se uma das vozes precursoras do RAP nacional – um dos elementos do Hip-Hop; fato do qual se orgulhava Jair, um dos ícones da música brasileira. Herbert Vianna, d’ Os Paralamas do Sucesso, foi quem, segundo o próprio Jair, cunhou o termo: Jair Rodrigues é o primeiro rapper do Brasil!
A linguagem corporal da capoeira: resguardadas suas especificidades, não dialoga com os movimentos dos estilos de street dance? Isso para não mencionar o sentimento de irmandade na capoeira, em sintonia com as posses do Hip-Hop – como pertencimento e resistência.
Quer dizer, antes de se consolidar como movimento no planeta inteiro, o Hip-Hop já existia; só não tinha esse nome ainda, podemos dizer. Quiçá, teve outras denominações, outras formas de representação, cuja ancestralidade ultrapassa os limites dos calendários e das sistematizações humanas.
Para nos organizarmos, supomos ter o controle quando catalogamos, rotulamos e classificamos. Todavia, para além disso, ignoramos a importância de sentir. Está aí: o Hip-Hop é um sentimento.
Mas é um sentimento de quem almeja a celebração e a luta: festejar, porque nascemos para sermos felizes nesta vida – agora, não apenas em outras após esta – e, ao mesmo tempo, engajados em um mundo melhor para se viver. Por isso, um quinto elemento: o Conhecimento, essencial para a propagação de ideais, de amor, de paz, de mudança, de denúncia, de sentimentos (há outros elementos, como o Beat Box, o vestuário, enfim, mas nenhum tão importante quanto o elemento número 5 – o Conhecimento). Coração e mente.
Um testemunho
Foi esse movimento que me arrebatou (como a tantos outros jovens da minha geração, hoje na casa dos 40/50 anos), me levando a São Bento para ver de perto várias referências do movimento, aos bailes black, como os do Asa Branca, os promovidos pela equipe de som Macabros, na Turma da Touca, na minha área, até shows do Racionais MCs no início dos anos 90, em lugares da minha quebrada, como a Praça do Campo Limpo ou a Praça Luiz Gonzaga – onde fica, nos dias de hoje, o Poupatempo de Taboão da Serra – quando ainda eram Blue, Brown, Edi Rock e KL Jay, uma grande promessa do rap nacional (e, para quem desacreditou, hoje são uma página da história da música brasileira)
O Hip-Hop continua a arrebatar crianças, adolescentes e jovens de hoje, que só querem o direito – ‘de ser feliz’ – à expressão nas batalhas de rimas, espalhadas pela cidade de São Paulo, como na Praça do Campo Limpo ou no Jardim Ângela. O movimento respira em intervenções como as que vem realizando o rapper Jairo Periafricania, em escolas da região como o Patarra e o CEU Cantos, na Zona Sul de São Paulo (sem falar em Cocão a Voz, FINO du RAP, o próprio Mano Brown, o KL Jay ou Edi Rock que fazem acontecer).
Ou, ainda – diga-se de passagem – em oficinas, em ONGs, como as de rima que realizadas em oficinas e ONGs, como as de rima realizadas por Gaspar Z’África Brasil ou de dança, como as do Drama Extreme (isso para citar alguns nomes deste território, onde se situam, por exemplo, a Avenida Sabin, onde rola anualmente o 100% Favela, promovido pela Cúpula Negredo, a Vila Fundão e o Capão Redondo), aqui do lado da minha goma.
Vale citar um projeto embasado no Hip-Hop, desenvolvido atualmente pela EMEF Brada, em outra parte da cidade, cujas ações tomei conhecimento por meio do Boas Práticas Escolares, exibido pela TV Cultura, destinado a divulgar o fazer pedagógico da rede municipal paulistana.
O Hip-Hop também vive ocupando as cabeças das crias da periferia, nas singelas aulas de CCA (Centro para Crianças e Adolescentes), com grafiteiros como o Weld, no Jd. Macedônia, bem como em eventos grandiosos como o Graffiti Contra a Enchente, na Grande São Paulo, entre Taboão da Serra e São Paulo, idealizado pelo artista e produtor cultural Gamão (um dos principais do país), para cobrar as autoridades públicas por meio da arte de um Museu a Céu Aberto, senão o maior, um dos maiores do Brasil e do mundo!
O CEU Cantos do Amanhecer, no bairro em que cresci – e há aproximadamente quinze anos sou educador – até o início da pandemia, era um ponto de encontro de B-Boys e B-Girls, que ensaiavam, trocavam ideias e davam dicas a quem quisesse aprender ou aprimorar seu potencial na dança. Do Jardim Mitsutani, no qual está o CEU, inclusive, surgiu, em 1996, o Sampa Masters, que se tornou uma referência no elemento da dança – alguns de seus membros já foram ao exterior para mostrar seus talentos. Além do DAVILA coletivo do Hip-Hop, com integrantes do Mitsutani e de bairros do entorno, ativo desde 2008.
Apesar de ser quase uma pessoa idosa, com sabedoria anciã, o Movimento Hip-Hop ainda é uma criancinha que vai (continuar a) ajudar a mudar o mundo! Parabéns, Hip-Hop! Hey… Ho… Hey… Ho
Fábio Roberto Ferreira Barreto é professor da rede municipal e mestre em literatura pela USP.