História, memória e metáfora: Perpetuando a Ilha de Jeju com Tangerinas, de Enzo Fuji
A obra passa o interessante lembrete de que a memória permanece, ainda que ela passe a deteriorar
Com publicação pela editora Mondru, Perpetuando a Ilha de Jeju com Tangerinas é o primeiro romance do escritor paulista Enzo Fuji, finalista do Prêmio Guarulhos de Literatura, em 2018 com o livro de poemas depois que seja tarde antes que seja nunca (2018). Lançada em 2025, a obra investiga o tema histórico da tensão política entre a Coreia e o Japão a partir da história de um menino que se vê abandonado pela mãe logo na infância e enlutado pelo avô na adolescência.

Hae-In, o protagonista, é introduzido para o leitor ainda muito jovem e descrito como um rapaz lento e introvertido, cujo rosto se assemelha a uma tangerina, fruta que simboliza a ilha coreana de Jeju, onde vive com seu pai. A história de Hae-In inicia-se com a morte do avô, evento traumático que abala sua frágil estrutura familiar, já ausente de uma figura materna – que o abandona ainda na tenra infância.
O fato de a História (com H maiúsculo) de Hae-In iniciar-se com a perda do avô insere esta memória como um trauma relevante à vida do garoto, que acaba por impactar no seu desenvolvimento emocional. Ao longo de todo o livro, há trechos em referência ao avô, que insurge quase que como um ruído.
O que mais se destaca na escrita de Fuji é a sua habilidade de ambientar o leitor com descrições longas, mas belíssimas, que não se tornam cansativas. É dessa forma, inclusive, que o autor vai apresentando um contexto que vai além do Brasil, mostrando desde as paisagens até as formas como as pessoas vivem, comem e se comunicam.
Todos estes aspectos revelam um interessante lembrete de que a memória permanece, ainda que ela passe a deteriorar – caso do pai do protagonista, que, ao envelhecer, desenvolve um quadro demencial.
A maior memória que Perpetuando a Ilha de Jeju com Tangerinas deixa, entretanto, é a da ferida histórica do Japão para com a Coreia. Como Fuji alega ao final do livro, “Este livro tenta, sem sucesso, ser um pedido de desculpas do Japão à Coreia do Sul”, sendo Hae-In uma lembrança viva do trauma vivido pelo país.
Desta forma, podemos dizer que esta é uma obra em que o privado e o subjetivo se entrelaçam ao histórico, mas não de maneira óbvia – afinal, não se trata da produção de um relato ou de uma ficção que faz paralelo, mas, sim, de uma metáfora. E uma metáfora que, ainda dolorida, é de uma beleza rara.
Laura Redfern Navarro é poeta, jornalista e pesquisadora.
Bacará parece sofisticado, e esse artigo explica direitinho como é. Não sabia muito sobre ele antes, mas agora ficou mais claro https://booi-cassino.com.br/bacara/