Ideologia do espetáculo
Se a política sempre foi performance, que o espetáculo de hoje seja um de bom-gosto e de mais alto nível
A política sempre envolveu performance. Isso é dizer o óbvio. Mas o grau de espetacularização que a política nacional atingiu na atualidade é sem precedentes. Ao caminhar pelos corredores das comissões da Câmara dos Deputados, é preciso estar preparado para desviar de dezenas de parlamentares e de seus fiéis assessores de comunicação que gravam conteúdo para suas redes sociais. Tem-se o vídeo da confirmação de presença, a imagem das conversas com os colegas ou o registro de uma eloquente fala nos microfones espalhados pela sala. No Plenário, é ainda mais impressionante a cena. O que se vê são milhares de celulares em modo selfie, capturando discursos entusiasmados e unilaterais sobre qualquer que seja a matéria em análise. Para manter a semântica da dramaturgia, lembra-se do poema de Bertolt Brecht, que já ordenava: “Mostrai que mostrais”.
Este é um fenômeno coletivo, apesar de individualmente implementado. Não basta estar e fazer, é imprescindível exibir. Seja o banal ou o central, tudo é exposto. Numa espécie de prestação de contas em tempo real, tem-se um accountability eleitoral incessante, com plateia determinada e pregação reiterada. Soa quase como um excesso de transparência sobre frivolidades travestidas de relevâncias. Talvez nem se trate tanto do que se pensa, mas sim do que se aparenta. Está dada uma nova maneira de mercantilizar a atuação política e chega a ser tragicômico. “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, também atingiu em cheio os rincões do poder brasileiro.
Com o advento dos algoritmos e seus direcionamentos impostos, cria-se uma bolha de informação com público cativo e orador permanente. É uma via de mão dupla: o que se alimenta em conteúdo é revertido em engajamento. Likes, comentários, compartilhamentos e aumento de seguidores. A dúvida é se isso rende votos…as pesquisas indicam que sim. Exatamente por esse motivo é que têm sido mais comuns os rompantes em terreno legislativo e nos púlpitos de debates pré-eleitorais. Quando discursos democratas não são suficientes, não é raro que se vejam agressões verbais e até mesmo físicas – todas sob a lente de milhares de câmeras – para posterior publicação. Aparentemente, isso também é um agregador de valor no cenário político atual. (Pobres de nós). É o que dizem: cada um usa os instrumentos que tem.
Não nos enganemos, todos ganham com isso. A mídia fica munida de notícias, as redes devidamente nutridas, os espectadores mobilizados e os dirigentes assegurados em legitimidade. Quiçá não ganhe a cidadania. Mas não se pode ignorar que esta é a realidade presente, amplamente difundida e corriqueira. Talvez a saída seja entender as razões deste novo quadro e aprender a usá-lo com mais inteligência, de modo a criar adaptações e aprimoramentos, ao invés de tentar (em vão) reverter o que veio para ficar – o elo entre a internet e o poder. Afinal, um mundo em evolução naturalmente impõe desafios e resoluções criativas. Melhorar os canais e aperfeiçoar os interlocutores pode ser um bom início. Gestar uma cultura de repúdio ao indecoroso também parece urgente, em busca de um Brasil menos careta e menos canalha. Se a política sempre foi performance, que o espetáculo de hoje seja um de bom-gosto e de mais alto nível.
Nina Nobrega Martins Rodrigues é Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Advogada e Servidora.