Informação controlada na França
Antes que a indignação provocada o obrigasse a recuar, o governo de Manuel Valls tentou proibir uma manifestação sindical na França. Esse desvio autoritário deve muito ao clima de guerra social gerado pelos principais meios de comunicaçãoPierre Rimbert
AFrança está hoje submetida a duas ameaças que, por serem diferentes, nem por isso deixam de colocar em perigo sua integridade: o Estado Islâmico e a CGT [Confederação Geral do Trabalho].” É preciso agradecer a Franz-Olivier Giesbert ter expressado tão bem a realidade do jornalismo francês sob dominação política e financeira. “É apenas o começo, vamos continuar o combate contra a CGT”, anunciou o editorialista-vedete da Le Point na capa de uma edição sobre “A verdadeira história do ‘mal francês’. Bloqueio, violência, CGT, modelo social” (2 jun. 2016).
Do referendo sobre o Tratado de Maastricht em 1992 àquele sobre a Constituição europeia em 2005, das greves de novembro-dezembro de 1995 àquelas contra a “lei do trabalho” (reforma trabalhista) de 2016, usuários e analistas da informação puderam medir a distorção entre o desenrolar dos conflitos sociais e sua encenação midiática. Nas bibliotecas universitárias, prateleiras inteiras expõem a longa série dos “vieses”, “derrapagens”, “desequilíbrios”, “dois pesos e duas medidas”, “recortes” operados quase sempre em detrimento de quem protesta.
Essa ideia de uma lacuna entre as práticas redacionais e as normas profissionais se baseia num postulado: encurralado desde o nascimento entre o mundo da política e o do dinheiro,1 o setor jornalístico disporia de uma autonomia suficiente para corrigir a si próprio, amenizar a lacuna e retornar à norma. A midiatização do conflito em torno da “lei do trabalho” e a aquisição concomitante de veículos da imprensa escrita em vista da eleição presidencial francesa do ano que vem sugerem que não é nada disso. Nas empresas submetidas a restrições econômicas cada vez mais devoradoras, e simultaneamente cada vez mais dependentes das ajudas públicas, as direções editoriais não pecam pela ausência de um equilíbrio que no fundo jamais procuraram estabelecer. Como admite Giesbert, os meios de comunicação não observam: eles travam um “combate”. E agem como força política.
As duas asas de uma ave de rapina
“A lei da rua” (7 abr. 2016), “Demagogia em pé” (27 abr.), “Restabelecer a ordem” (18 maio), “Terrorismo social” (24 maio), “Ditadura cegetista” (26 maio), “Os vândalos da República” (18 jun.): o fato de os editoriais doFigaro parecerem uma coleção de panfletos conclamando “a expulsar a esquerda e quebrar o poder dos sindicatos” (10 jun.) se inscreve na continuidade histórica de um jornal marcadamente à direita. Mas a artilharia apontada para os adversários da “lei do trabalho”, largamente majoritários no país, e em particular para a CGT, principal sindicato francês, ganhou meios de comunicação vistos como menos abertamente militantes. Responsável pelo setor político da France 2 – canal de TV público –, Nathalie Saint-Cricq vê no ordinário exercício do direito de greve uma “radicalização em todas as direções e uma técnica revolucionária bem orquestrada, ou como paralisar um país apesar de uma base atrofiada e mesmo com o movimento perdendo força. […] A CGT de Philippe Martinez quer passar por cima de tudo” (Journal de 20 heures, 23 maio). Em 15 de junho, o “debate do dia” na i-Télé se intitulava: “Devemos proibir as manifestações?”. Em sua conta no Twitter, o jornalista da Europe 1, Jean-Michel Aphatie, beirava a apoplexia: “A #CGT quer estender o movimento para as centrais nucleares e a eletricidade. Próxima etapa, a guerra civil? O apelo às armas?” (25 maio).
Em sua obra O grau zero da escrita (1953), o semiólogo Roland Barthes observava, a propósito da logomaquia stalinista, que “a escrita tem por função final fazer a economia do processo”; ela visa “fornecer o real sob a forma julgada, impondo uma leitura imediata das condenações”. O estilo editocrático e as meias verdades difundidas repetidamente na BFM-TV e na France Info correspondem bastante a tal definição. “Parte desses arruaceiros, superaquecidos pelo ódio e encorajados pela impunidade judiciária, poderá ser tentada a se inclinar para o terrorismo”, prevê o escritor Pascal Bruckner. “Devemos nos preocupar com sua eventual junção com os loucos de Deus” (Le Figaro, 21-22 maio). Em 15 de junho, no dia seguinte à mais importante manifestação sindical jamais organizada contra um governo (que se proclama) de esquerda sob a Quinta República, o que ocorreu com as fachadas do hospital Necker, danificadas nos enfrentamentos com as forças da ordem, chamou toda a atenção dos jornalistas. A polêmica fora lançada na véspera pelo primeiro-ministro e pelo presidente da República. Imputando à CGT a responsabilidade pela “devastação”, eles ameaçaram proibir qualquer manifestação sindical. Num traço de ironia involuntária, o apresentador do jornal televisivo da France 2, David Pujadas, evocou diante do secretário-geral da CGT, convidado para o debate, “esses incidentes que eclipsaram a mobilização”. Mas quem fabricou o eclipse?
Dos gabinetes ministeriais às salas de redação, passando pelo Movimento das Empresas da França (Medef), os mesmos “elementos de linguagem” circulam, a ponto de uma cobaia submetida a um teste cego ter dificuldade em determinar se o chamado a “tudo fazer para não ceder à chantagem, às violências, à intimidação, ao terror” da CGT, cujos militantes “se comportam um pouco como delinquentes, como terroristas”, provém de um editorialista irascível, de um membro do governo, de um sustentáculo da oposição ou de um líder do patronato.2
A hostilidade do diário Le Monde em relação ao “parlamentarismo racionalizado”, ou seja, subordinado às escolhas do governo, por muito tempo embasou a identidade política do jornal. “Nunca será demais dizer que o uso do artigo 49.3,3 num regime de superpoder – Executivo dotado de maioria absoluta –, só pode ser percebido como uma negação de democracia”, estimava há uma década o diretor do jornal (3 abr. 2006). Numa espetacular reviravolta, o diário aclama hoje o social-liberalismo autoritário encarnado pelo primeiro-ministro Manuel Valls. “Viva o 49.3”, ele afirmou no editorial de 13 de maio de 2016, a fim de justificar o escamoteamento do debate parlamentar para fazer passar a “lei do trabalho: “Daí a falar de negação da democracia há um passo que seria absurdo – e perigoso – transpor. Ao que se sabe, o Poder Executivo emana, em primeira instância, da eleição do presidente da República. Esse poder não é menos democrático (é um eufemismo) que o poder sindical e, mais ainda, que o da rua”. Mas, “ao que se saiba”, a ideia de um questionamento do direito trabalhista não constava entre os sessenta compromissos do candidato François Hollande. E também não figurava no programa dos deputados socialistas que ingressaram na Assembleia Nacional em junho de 2012. Caso contrário, eles provavelmente não teriam sido eleitos. O congresso do Partido Socialista até chegou a votar uma resolução em sentido contrário em 2015 (ler artigo na pág. 22).
A imprensa age como caixa de ressonância de um bloco político, mas qual? Ele não tem nome, não tem rosto. Nunca vai apresentar um candidato. E, no entanto, governa as condutas e consciências. Ou, ao menos, se ocupa disso. Esse partido da ordem recruta num largo espectro político, no cruzamento dos mundos patronais e sindicais reformistas, da alta administração, das finanças, do jornalismo de mercado e dos intelectuais do poder. Sua formação remonta ao achatamento ideológico ocorrido na França a partir dos anos 1980 e à reorientação dos partidos de governo em torno de um tronco comum de temas irrecusáveis: livre-comércio, construção europeia, atlantismo, guerras “humanitárias”.
O movimento foi transposto logicamente para a imprensa. Ali onde as oposições entre Le Monde, Le Figaro, Libération, RTL ou France Inter de antes da virada de 1983 balizavam um espaço ideológico bastante amplo, os meios de comunicação dominantes acampam hoje, a alguns temas de proximidade, no mesmo terreno. O pluralismo agora só prolifera às margens: raros jornais independentes, sites de informação dissidentes, agências de imprensa alternativas. Assim integrado, simplificado, clarificado, o partido da ordem reúne as duas asas, direita e esquerda, de uma mesma ave de rapina. Informal e evanescente, ele delimita em termos ordinários o quadro das dissensões aceitáveis e dos debates autorizados. Mas tão logo venha a eclodir um conflito social duro, que agudize uma batalha política própria para fazer ressurgir as diferenças de classes, a força dos números e a fraqueza dos poderes, esse partido da ordem coagulará feito clara de ovo em óleo fervente.
“Como seria gostoso governar se não houvesse esse amaldiçoado povo francês!”, suspirou Giesbert (Le Point, 10 mar. 2016). “A França não é ajudada, mas também não ajuda a si mesma. Se seu povo não está à altura, ela poderia mudar isso?” Decididamente mal pensantes, essas populações incapazes de se alçar à altura de seus guias não merecem nenhum respeito… Se, segundo Bernard-Henri Lévy, “não se devem nunca animalizar, zoologizar, fisiologizar seus adversários – regra de ouro”,4 essa doutrina não se aplica a um sindicalista, sobretudo quando se trata de Philippe Martinez. “BHL” vê no secretário-geral da CGT “um olho de cachorro vencido”, da espécie canina que encarna “a multidão, a massa informe e não constituída, a multidão pré ou pós-política, caricatura de si mesma, madura para a malta” (Le Point, 9 jun.). Nem é preciso dizer que qualquer réplica ao ensaísta formulada sobre o mesmo tom teria significado um ressurgimento do totalitarismo e das-horas-mais-sombrias-de-nossa-história.
Caprichos dos acionistas
Para além da inferiorização de quem protesta, a cobertura midiática da oposição ao projeto El Khomri, a “lei do trabalho”, eliminaria os principais elementos da contestação. A começar pela redefinição da própria questão da luta. Passada na peneira jornalística, a batalha entre os que se opõem à reforma trabalhista e a aliança patronato-governo se metamorfoseia em uma série de conflitos entre diversas frações da população.5 Entre os próprios trabalhadores: na noite da jornada nacional de 26 de maio de 2016, o jornal das 20 horas da France 2 dedicou três minutos e vinte segundos às manifestações, e 21 minutos e 25 segundos às “violências”, “bloqueios”, problemas das pequenas empresas, falta de gasolina e “chantagem” da CGT contra os donos da imprensa. O episódio de um militante da CGT esmagado por um motorista que forçava uma barreira sindical em Marselha só ocupou oito segundos – a vítima ainda estava em coma no momento em que finalizávamos esta edição. Importa igualmente causar a separação entre grevistas e torcedores de futebol: em 10 de junho, dia do lançamento de uma competição europeia organizada na França, a “capa” do Les Échos evocava a “festa estragada pela chantagem social”, enquanto a do Figaro estimava que “os exageros sindicais mancham o início da Eurocopa”.
Trata-se, por fim, de dissolver a ação reivindicativa nas imagens de escaramuças, como se as manifestações só opusessem uma inundação de caos ao governo da razão. Em 1o de maio de 2016, na BFMTV, a apresentadora Apolline de Malherbe perguntou oito vezes a seu convidado, Olivier Besancenot, ex-porta-voz do Novo Partido Anticapitalista, se ele condenava as violências, antes de lhe fazer onze vezes, uma atrás da outra, a pergunta: “Os arruaceiros são manifestantes?” Porém, sua teimosia, raramente observada quando se tratava de interrogar o ministro do Interior sobre as violências cometidas por integrantes das forças da ordem, enfrentou uma recusa a obedecer. “Também conheço um pouco o jogo midiático, a frasezinha que vocês vão querer arrancar de mim”, diz Besancenot, estragando a jogada. A questão das manifestações ocuparia quatro minutos, contra onze para as tentativas de extrair do convidado uma condenação.6
Desde os levantes de estudantes radicais norte-americanos nos anos 1960,7 a análise de um trabalho jornalístico em período de ebulição social desenha uma continuidade. Os meios de comunicação de massa só se mostram benevolentes com os movimentos que consentem em jamais transpor certo número de linhas vermelhas previamente traçadas por eles: não fazer greve (ou então fazê-las sem atrapalhar ninguém), não interromper o serviço de saúde, não bloquear os transportes, os portos, as refinarias, não perturbar a ordem pública, as apresentações teatrais, o Tour de France… Num país em que o presidente da República e seu Estado-Maior comemoram com grande pompa, todo 14 de julho, o ataque a mão armada em 1789 a uma prisão de Estado por um bando de “arruaceiros”, todo mundo sabe que poucas reivindicações teriam tido sucesso, aí entendido num quadro democrático, se os que faziam o protesto não tivessem contestado a legitimidade da legalidade. E não é diferente em outros lugares: o mesmo não aconteceria com o movimento sindical, o movimento ecológico, o dos negros e dos homossexuais pelos direitos civis nos Estados Unidos, o das mulheres pela legalização do aborto. Mas os que fazem a história imediata gostam de zombar da história. Quem transpõe as linhas demarcatórias deles se expõe à sua ira editorial, a seus chamados para a ordem.
Em fevereiro de 2013, diante de um representante dos assalariados em greve da PSA-Aulnay,8 o jornalista Jean-Pierre Elkabbach misturou os papéis de entrevistador e representante do Ministério Público. Interrompendo o tempo todo o sindicalista, ele lhe explicou o que queria dizer lutar: “A contestação, Jean-Pierre Mercier, é útil. Mas os gritos, as invectivas, as ameaças, os golpes o são bem menos!” (Europe 1, 4 fev. 2013). Três anos depois, Elkabbach repreendeu o ministro dos Transportes, bonzinho demais para seu gosto: “O Estado assume suas responsabilidades? Será que ele decide, já que, aparentemente, precisa dos mandados? […] Para colocar em prática mandados, com multas e sanções penais, é preciso um período de pelo menos 18 a 24 horas. […] Mas do que vocês precisam para que haja esses mandados? Do que mais vocês precisam? Os dejetos se amontoam, a infecção grassa, 7 milhões de ratos estão atravessando Paris. Sim, sim, três ratos por parisiense” (Europe 1, 10 jun.).
No entanto, o que de fato representam Giesbert e Elkabbach? Podemos reduzir o jornalismo a seus caciques, eles próprios instalados e mantidos pelos acionistas, já que a profissão conta oficialmente com cerca de 36 mil membros? Após a Segunda Guerra Mundial, os jornalistas dispunham de poderes estendidos sobre os principais títulos de imprensa. Organizados em associações de redatores, eles se diziam “a partir de agora decididos a questionar as estruturas que não garantem mais ao público informações ao mesmo tempo seguras e completas”.9 Mas sua determinação em não mais ver “prevalecer na imprensa os interesses privados sobre o geral” enfraqueceu a partir da década de 1980, sob o efeito das transformações do setor da comunicação: diminuição do número de leitores, queda das receitas publicitárias, desenvolvimento do digital, concentrações industriais. À imagem icônica, veiculada pelo cinema, do indivíduo livre exercendo um contrapoder, opõe-se a morna realidade do tarefeiro multimídia condenado a cozinhar “conteúdo” em função das palavras-chave que bombam nas redes sociais. Tomando consciência do “descrédito” de sua profissão, “jornalistas em pé” lançaram em maio um apelo: “Vocês sofrem uma pressão constante para melhorar a produtividade (quantidade de artigos a escrever, reportagens para fazer). […] Vocês não têm mais os meios nem o tempo para investigar. Vocês não têm os meios nem o tempo de checar suas informações. Vocês precisam escolher seus temas em função de seu potencial de audiência”.10
Jornais vendidos por uma ninharia; jornalistas aspirados, por sua vez, pelo vórtice da precarização e prontos a fazer cada vez mais concessões aos industriais ainda dispostos a recuperar financeiramente sua empresa: a relação de forças foi a tal ponto deslocada em favor do proprietário que não se contam mais os dirigentes editoriais repudiados por uma maioria esmagadora de suas equipes e, no entanto, mantidos em seu posto pelo acionista. Apenas entre 11 de maio e 10 de junho de 2016, as direções da L’Obs, da France Télévisions e da i-Télé encararam uma moção de desconfiança. Sem nenhum efeito. Em outubro de 2015, a redação da L’Express, título que acabava de ser comprado por Patrick Drahi, retirou em bloco sua confiança no diretor Christophe Barbier. Apesar de um balanço denunciador, ele continua no posto. Em 2011, Nicolas Demorand também foi confirmado pelo proprietário do Libération, apesar de um voto de rejeição dos jornalistas.
Essa cascata de recusas brutais rapidamente varridas fortaleceu os proprietários de jornais, que aumentaram sua vantagem. No Figaro, o senador de direita Serge Dassault já havia se assegurado de que seus problemas com a justiça fossem tratados com discrição (ou que nem fossem abordados), que a assinatura de seus contratos de armamentos fosse saudada com emoção11 e que os países compradores de Rafale fossem preservados – “Não temos mais o direito de falar mal dos países com os quais a Dassault faz negócios”, confessou um jornalista.12 A partir de agora, sem que a associação dos redatores (aparentemente) encontre algo a criticar nisso, Dassault também conseguiu que seu jornal se metamorfoseie com uma regularidade de metrônomo a serviço dos bilionários amigos do fabricante de aviões e de grandes anunciantes do Figaro.
Nu, brutal e muitas vezes calado, esse poder não precisa falar. As pessoas adivinham seus desejos; elas o temem ainda mais pelo fato de nem sempre se compreender suas razões e por ele não se preocupar em fornecer nenhuma delas. O mesmo acontece na L’Obs. Há anos essa revista vem definhando: suas vendas diminuem, sua influência se debilita. Como um semanário semanal que se proclama “de esquerda, cidadão, realista, progressista” poderia esperar conquistar novos leitores quando, há dois anos, seu diretor, Matthieu Croissandeau, desejava, “sem reserva nem equívoco, o pleno sucesso de Manuel Valls e de seu novo ministro da Economia, Emmanuel Macron”?13
É pouco dizer que a escolha de atrelar a L’Obs a reboque de um poder sem chances de escolha não foi coroada de “pleno sucesso”. Em dezembro de 2015, a diminuição das vendas se acelerou. Os acionistas deram então um mês para o diretor do jornal lhes apresentar um projeto de recuperação editorial.14 Prazo muito curto, ordem de missão aleatória, tendo em vista quanto o crédito do semanário estava prejudicado: todo mundo imaginava que os dias de Croissandeau na direção da L’Obs estavam contados. Mas foi exatamente o contrário o que aconteceu. Corajosamente, o diretor tentou arrumar a casa mandando embora seus dois auxiliares – entre eles, Aude Lancelin, mais à esquerda que ele, foi demitida imediatamente, algo inédito na história da publicação. Em 11 de maio de 2016, 80% dos jornalistas da revista repudiaram Croissandeau. Porém, mais uma vez, os acionistas – Xavier Niel (companheiro de Delphine Arnault, filha de Bernard Arnault), Pierre Bergé, Matthieu Pigasse e Claude Perdriel – logo renovaram sua “absoluta confiança” nele.
Enquanto Croissandeau falava em uma “decisão gerencial”, Perdriel a justificava politicamente. Ele deixou escapar que Lancelin, muito próxima do movimento Nuit Debout, teria transgredido a linha “social-democrata” do jornal que ele fundou ao publicar nas páginas das quais estava encarregada “artigos antidemocráticos” que lhe “partiam o coração”. Foram evocados textos de Alain Badiou, Jacques Rancière, Emmanuel Todd, Yanis Varoufakis… No entanto, Pigasse afirmou: “Não tenho nenhum problema com a linha de Aude Lancelin, posto que é a mesma que a minha”.15 Qual foi então, em relação a esse assunto, a posição – ou o veredicto – de Niel, o mais poderoso dos associados? Importante operador num setor que depende das decisões fiscais, regulamentares e industriais do poder, ele cedeu a uma exigência do governo, impaciente para ver a L’Obs combater a esquerda radical e apoiar o presidente da República? A associação dos redatores da L’Obs sugeriu isso, apontando a “suspeita grave e inaceitável de uma intervenção política a um ano da eleição presidencial”. Uma das lições desse episódio é clara: quaisquer que sejam as declarações de independência, o responsável editorial de um título nomeado pelo acionista e dependente de sua generosidade (interessada) vive sob a orientação de seus interesses, de suas amizades – e de seus caprichos.
Abaixo as máscaras.16 Conhecíamos os meios de comunicação adquiridos com prioridades neoliberais; medimos a acolhida calorosa que eles reservam ao desmantelamento do direito trabalhista,17 que essa adesão seria reiterada perinde ac cadaver,18 tão estendidos quanto possam ser os desastres políticos e sociais ocasionados por tais orientações. Sabíamos que os meios de comunicação estavam pouco preocupados com a democracia, tendo em mente que o voto popular contraria seus projetos federalistas europeus. Com seu acompanhamento benevolente do estado de urgência, com seu apoio ao questionamento, inédito desde 1967, do direito das principais confederações de se manifestarem na capital, uma etapa suplementar acaba de ser transposta. O fundo comum ideológico de uma imprensa que defende os direitos democráticos e as liberdades públicas deixou de ser um santuário inviolável. De agora em diante, o jornalismo encoraja a inclinação autoritária do poder e o faz ainda com mais vontade à medida que se aperta em torno de seu pescoço o círculo de ferro dos industriais que o possuem.