O interesse público como norteador das políticas de regulação e governança
A política energética e o abastecimento nacional de combustíveis dizem respeito à segurança nacional e ao interesse coletivo e a sua coordenação política é essencial para a articulação com o desenvolvimento nacional
Ao longo de 2023 foi notável um conjunto de mudanças nas políticas de regulação e governança na área da energia. No período anterior, no caso da Petrobras, particularmente entre 2016 e 2022, o contexto da crise política e da operação Lava Jato formou uma “tempestade perfeita” em que as ideias neoliberais e o rentismo capturaram o debate público com o objetivo de reduzir os investimentos, vender ativos estratégicos e direcionaram a governança corporativa da empresa para a maximização do lucro de curto prazo e à distribuição recorde de dividendos aos acionistas.
No primeiro ano do terceiro mandato de Lula foram tomadas medidas que recolocam o interesse público e a articulação com o desenvolvimento nacional como norteadores da política regulatória e de governança na área da energia.
A política energética e o abastecimento nacional de combustíveis dizem respeito à segurança nacional e ao interesse coletivo e a sua coordenação política é essencial para a articulação com o desenvolvimento nacional.
Neste breve balanço do ano de 2023, destacamos três pautas que sinalizam uma mudança de orientação das políticas regulatórias e de governança em benefício do interesse público: i) a suspensão temporária da venda de ativos e a revisão do acordo entre Cade e Petrobras; ii) a reforma do Estatuto Social da Petrobras; iii) e a agenda regulatória do mercado de carbono no Brasil.
Em março de 2023, o Ministério de Minas e Energia determinou à Petrobras a suspensão, por no mínimo noventa dias, da venda de ativos, tendo em vista a reavaliação da Política Energética Nacional. Em paralelo, a empresa informou ao Cade o interesse em rediscutir o Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC), que a obriga a vender oito refinarias.
O principal objetivo do TCC seria “propiciar condições concorrenciais, incentivando a entrada de novos agentes econômicos no mercado de refino”. Entretanto, além do prejuízo patrimonial causado à Petrobras, a venda de parte das refinarias não resultou em aumento de competitividade no setor, tampouco impactou na redução de custo dos combustíveis aos consumidores finais.
O Cade não possui competência para tratar da política energética nacional, mesmo em relação à regulação da concorrência. A definição de diretrizes estratégicas para a política energética nacional e para as atividades relativas ao monopólio do petróleo, inclusive o refino, é atribuição do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de acordo com a Lei nº 9.478/1997.
A suspensão da venda das refinarias é uma sinalização positiva para a retomada de uma Política Energética Nacional pautada pelo interesse público. O passo seguinte deveria ser a revisão do acordo com o Cade e a reintegração dos ativos alienados ao patrimônio da Petrobras.
No âmbito da política de governança, a reforma do Estatuto Social da Petrobras aprovou mudanças na direção oposta aos interesses curto-prazistas de acionistas minoritários: a revisão de restrições para nomeação de dirigentes, inicialmente previstas na Lei das Estatais (Lei nº. 13.303/2016), consideradas inconstitucionais na decisão cautelar do então ministro do STF, Ricardo Lewandowski; e a ampliação do teto de investimentos em programas de pesquisa e desenvolvimento de 0,5% para 5% do capital social da empresa.
A própria Lei das Estatais (art. 27, incisos I e II), ao tratar da função social da empresa pública, destaca que tais empresas devem buscar a ampliação do acesso de consumidores aos bens e serviços produzidos pela estatal e o desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira nos processos produtivos das empresas, sempre de maneira “economicamente justificada”. Em outras palavras, a função social da Petrobras é atuar para garantir o abastecimento de combustível ao mercado interno com o menor preço e a melhor qualidade possível.
De outro lado, as proibições previstas na Lei das Estatais são notoriamente abusivas e antidemocráticas, uma espécie de controle prévio que visa restringir, indevidamente, as atribuições do acionista controlador em seu poder de dirigir as atividades sociais da empresa. Violam frontalmente o princípio da isonomia e penalizam, a título discriminatório, os que atuam legitimamente na esfera governamental ou partidária.
Em relação à regulação do mercado de carbono, entendemos que o relatório Substitutivo do PL nº 412/2022 tem o mérito de propor um modelo de mercado regulado de carbono reconhecido internacionalmente, com capacidade de promover as reduções das emissões de forma eficiente, com custos reduzidos e com estímulo a inovações tecnológicas.
Uma das lacunas do PL nº 412/2022 é a possibilidade de deixar para o setor privado a escolha das alternativas tecnológicas para a redução de emissão. Tal fato desconsidera que as multinacionais instaladas no país não desenvolvem pacotes tecnológicos que contrariem os interesses econômicos de suas matrizes e que a busca pelo domínio tecnológico de produção de energias renováveis se dá no acirrado contexto geopolítico e de concorrência entre Estados nacionais pelas posições de liderança econômica.
A mera reprodução do modelo europeu de mercado regulado de carbono pode viabilizar o cumprimento das metas brasileiras de redução de emissão, mas não é suficiente para promover as inovações tecnológicas necessárias para uma nova “indústria verde”.
Destacamos ainda outras duas questões críticas sobre o PL nº 412/2022. A primeira se refere às incertezas quanto ao enquadramento das atividades agropecuárias no SBCE, dada a dispersão e a dificuldade de medição das emissões nesse segmento. E a outra quanto à conveniência do Brasil dispor de seus eventuais excedentes de carbono como estratégia de captação de recursos externos, permitindo que outros países continuem a emitir GEE à custa de créditos de carbono brasileiros.
André Tokarski é professor do curso de mestrado em Direito Constitucional Econômico (MADIR) da UNIALFA, coordenador do curso de Direito da UNIALFA e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).