Por que os jovens andam lendo fantasia?
Leitores são atraídos pela capacidade do gênero de oferecer não só aventuras épicas em universos construídos, mas também pela possibilidade de explorar temas complexos como justiça, poder, diversidade e transformação pessoal sob novas perspectivas
Uma pesquisa recente, conduzida pelas escritoras Laís Napoli e Marina Rezende, sobre “Tendências da fantasia para 2024“, revelou dados fascinantes sobre os hábitos dos leitores brasileiros de literatura fantástica. Segundo o estudo, cerca de 80% dos fãs do gênero literário são leitores assíduos há mais de cinco anos, demonstrando uma notável fidelidade. Além disso, 46,47% dos entrevistados disseram ter lido pelo menos 11 livros de fantasia no último ano, enquanto 28,91% consumiram entre 5 a 10 livros. Talvez o dado mais revelador seja que 77,90% dos respondentes leram ao menos uma obra de autor nacional de fantasia nesse período, destacando um público jovem, leitor e leal.
Essa descoberta desafia a narrativa frequentemente ouvida de que os jovens não leem, uma crítica que tende a polarizar e menosprezar a literatura de fantasia, relegando-a a um status inferior em comparação à chamada “alta literatura“. Curiosamente, em outras culturas, a fantasia é valorizada a ponto de ser incluída nos currículos escolares, enquanto no Brasil ainda enfrentamos resistência, apesar da popularidade inegável do gênero.
Muitos críticos apontam o escapismo como uma falha da fantasia, mas é essencial reconhecer que os melhores exemplos do gênero usam mundos imaginários para refletir e discutir nossa realidade. Afinal, a grande fantasia não apenas nos transporta para outros universos, mas expande nossa percepção do mundo real. Figuras literárias respeitadas, como Jorge Luis Borges, questionaram a validade do realismo por considerar a realidade em si dotada de uma essência onírica e fantástica. Borges via na escrita um ato intrinsecamente ligado ao imaginativo, desafiando a ideia de que a fantasia serve meramente como fuga.
Os leitores são atraídos pela capacidade do gênero de oferecer não só aventuras épicas em universos construídos, mas também pela possibilidade de explorar temas complexos como justiça, poder, diversidade e transformação pessoal sob novas perspectivas. A fantasia permite que seus adeptos vivenciem, indiretamente, experiências e emoções intensas, servindo como um espelho mágico que reflete desafios e triunfos humanos de uma maneira que apenas a ficção consegue.
A literatura de fantasia ressoa especialmente com o público jovem por abordar questões contemporâneas, oferecendo representatividade para minorias, como a comunidade LGBTQIAP+, e explorando temas de poder, opressão e estruturas hierárquicas. Além de proporcionar inspiração para mudança, a fantasia serve como um espelho de outras cores, refletindo possibilidades alternativas e incentivando a desconstrução e reconstrução da realidade.
Ao invocar mundos onde as hierarquias tradicionais podem ser subvertidas e os destinos reescritos, a literatura de fantasia oferece um palco singular para o exercício e a discussão do poder. Nesses universos ficcionais, minorias frequentemente marginalizadas no mundo real podem assumir papéis de destaque, desafiando as normas sociais vigentes e questionando a distribuição de poder. Esse aspecto da fantasia não é apenas cativante, mas vital: ao proporcionar representatividade, o gênero empodera seus leitores, permitindo-lhes imaginar e aspirar a uma sociedade mais equitativa e inclusiva. Por meio de suas narrativas, a fantasia desdobra o véu da realidade para revelar não só o que é, mas o que poderia ser, inspirando uma reflexão crítica sobre nossas próprias estruturas sociais e pessoais.
Portanto, longe de ser uma simples distração, a fantasia é uma janela para a exploração e compreensão da nossa existência, oferecendo aos leitores uma maneira diversificada de engajar-se com o mundo ao redor. Para aqueles interessados em mergulhar nesse universo, a literatura de fantasia brasileira apresenta um excelente ponto de partida, com uma variedade de autores nacionais que estão contribuindo significativamente para a riqueza e profundidade do gênero, tais como Eric Novello, Giu Domingues, Eduardo Spohr e Carol Chiovatto.
Vilto Reis (@viltoreis) é escritor, roteirista de quadrinhos e professor de escrita criativa, além de jogador de RPG e participante do Podcast 30:MIN. Autor de Nascida para o trono, Fim do império e Um gato chamado Borges, livro finalista do Prêmio SESC 2015, tem contos em antologias e revistas. Esteve à frente do Homo Literatus, da Editora Nocaute e da Revista Pulp Fiction, e foi jurado do Prêmio Jabuti 2022. Atualmente, mantém um canal no Youtube sobre escrita, ministra cursos e oferece mentorias.
Vilto nos oferece uma visão direcionada e acertada sobre o quanto as pessoas, jovens em idade e espírito também (por que não?), gostam da literatura de fantasia, fantástica, maravilhosa. Poder experienciar mundos onde, muitas vezes, podemos nos sentir parte, nos encaixando e encontrando um acolhimento é parte essencial que faz com que o gênero, e estilo, sejam de agrado dessa grande fatia do público. Não apenas por viver a aventura, mas por viver em um mundo como os que mostram, oras, seria maravilhoso viver na Terra-Média e viver grandes e épicas aventuras como membro da Sociedade do Anel, mas também seria maravilhoso viver a calmaria e o conforto de uma refeição carinhosa como um hobbit no Condado.
Conforto, carinho, aconchego, é o que se encontra em mundos diferentes. E isso lá é algo ruim? Viva o fantástico!