Leilão de energia pode colocar mais uma usina a carvão no Brasil
Como a geração de energia tão poluente ainda faz parte de projetos nacionais?
Sexta-feira, dia 14, acontece o segundo leilão de energia elétrica do semestre, o Leilão de Energia Nova A-5. Nesta edição, projetos termelétricos a biogás e a carvão mineral concorrerão entre si. Por se tratar de um leilão de energia nova, as unidades geradoras cadastradas ainda não foram implantadas. As vencedoras deverão ser construídas em um cinco anos para gerar energia elétrica durante vinte anos. A possibilidade desse leilão resultar na construção de uma nova termelétrica a carvão no Brasil causa preocupação, ainda mais no cenário global de descarbonização.
Considerando as usinas brasileiras movidas a combustível fóssil e que estão conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), as que utilizam carvão mineral estão entre aquelas que alcançam os menores índices de eficiência energética. Segundo dados do primeiro Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas, publicado este ano pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), termelétricas a carvão chegam a apresentar eficiências entre 30% e 40%, enquanto tecnologias a gás natural podem passar de 50%. Ou seja, térmicas a carvão precisam queimar maior quantidade de combustível para gerar a mesma quantidade de eletricidade que uma usina mais eficiente produziria.
A necessidade de uso constante de combustível – que precisa ser explorado, armazenado, transportado – somada à sua baixa eficiência é um dos motivos que tornam a operação de uma usina a carvão mais cara se comparada à de energias renováveis. Nesse leilão, o carvão empregado pela usina deve ser necessariamente nacional – é o caso do combustível projetado para ser queimado na termelétrica Ouro Negro, única usina a carvão cadastrada na disputa. O carvão mineral nacional, já utilizado por termelétricas do Sul do país, é ainda mais ineficiente e emissor do que carvões de outras regiões do mundo.
Usinas termelétricas a combustíveis fósseis emitem gases de efeito estufa (GEE), que contribuem para a intensificação das mudanças climáticas. De acordo com o Inventário de Termelétricas do IEMA, apenas 12 térmicas brasileiras foram responsáveis por 55% dos gases de efeito estufa emitidos por todas as termelétricas conectadas ao SIN em 2020. Oito delas empregam o carvão mineral como combustível. Além disso, a queima do carvão é uma relevante fonte poluidora do ar, destacando-se como grande emissora de óxidos de nitrogênio (NOx) e de material particulado (MP), que causam problemas à saúde como complicações respiratórias.
Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, as três usinas a carvão mineral instaladas em Capivari de Baixo (25 mil habitantes), também próximas a áreas urbanizadas de Tubarão (107 mil habitantes), ambos municípios localizados em Santa Catarina, emitiram em 2020 o equivalente a cinco vezes o que emite toda a frota de 14 mil ônibus da cidade de São Paulo. Vale lembrar que esse é um dos maiores sistemas de transporte público do mundo.
Outro impacto socioambiental atrelado às termelétricas está no uso da água, já que a maior parte das usinas termelétricas em operação no Brasil utiliza água para resfriamento do sistema. Essa água pode ser retirada de rios próximos e nem sempre retorna à bacia hidrográfica de origem, já que evapora. Uma usina de mil megawatts a carvão mineral, funcionando durante todo um dia, pode consumir água equivalente a uma população de 450 mil habitantes. O ponto de alerta é que cerca de 70% da água captada evapora.
Por fim, devido à diminuição do crescimento econômico do país, a demanda futura de energia elétrica tende a ser menor do que se projetava. Outros leilões que aconteceriam neste semestre, como o leilão A-6 de Energia Nova, foram cancelados pelo governo federal em decorrência da ausência de demanda por parte das distribuidoras de energia. Muitas vezes, alega-se que a contratação de novas termelétricas movidas a combustíveis fósseis é necessária para suprir a demanda crescente por eletricidade. No entanto, essa suposta necessidade não se justifica tanto porque o crescimento do consumo elétrico está menos acelerado do que se planejava quanto, principalmente, pelo fato de ser possível, sim, prover energia ao sistema por meio de um portfólio de fontes renováveis.
Diante desse cenário socioambiental e econômico, como usinas a carvão mineral ainda podem participar de leilões de fornecimento de energia? O setor elétrico deve utilizar o momento de contratação de novos empreendimentos para crescer da melhor maneira possível, investindo em energia renovável e buscando minimizar ao máximo os impactos negativos da geração de eletricidade. Temos a oportunidade de gerar energia elétrica menos custosa, que induza a criação de novos empregos e que seja vanguarda no contexto da transição energética global. O futuro se faz hoje.
Os autores são Felipe Barcellos e Silva, Helen Sousa, Isis Nóbile Diniz, Raissa Silva, Vinicius Silva do Instituto de Energia e Meio Ambiente.