Ligações perigosas com o mundo dos negócios
Como as questões estratégicas de desenvolvimento e progresso social dos povos reduziram-se a apelos de responsabilidade social para as empresasChristian G. Caubet
“O mundo dos negócios tem interesse em ajudar os países que querem chegar a um desenvolvimento sustentável. Reduzir a pobreza ajuda criar mercados estáveis e socialmente integrados, e também um poder de compra que permita o crescimento. Isto também ajuda a aumentar a produtividade e a diminuir as tensões sociais. E contribui para tornar as forças de trabalho saudáveis e dinâmicas”.1
É assim que Kofi Annan, secretário-geral da ONU, estimula uma maior colaboração da ONU com o mundo dos negócios. Embora não lhe tenha sido atribuída expressamente nenhuma competência neste sentido, Annan tem, desde o início de seu primeiro mandato, em 1997, trabalhado para que essa aproximação aconteça.
Em 9 de fevereiro de 1998, participa de um encontro com 25 principais membros da Câmara de Comércio Internacional (CCI), entre eles representantes da Coca-Cola, Goldman Sachs, McDonald’s, Rio Tinto Zinc, Unilever etc. Em setembro de 1998, o Geneva Business Dialogue organiza, sob o patrocínio da CCI, um “diálogo” entre o mundo dos negócios e as administrações públicas nacionais e internacionais. Annan, na ocasião, assinala a necessidade de reforçar os laços entre a ONU e a CCI.2
Princípios esquecidos
Estamos longe das ambições iniciais da ONU, que eram “favorecer o progresso econômico e social de todos os povos”
O presidente da CCI, Helmut Maucher, membro do Conselho de Administração da Nestlé e da Mesa Redonda dos Industriais Europeus (ERT), declara que o objetivo é “reunir as cabeças das empresas internacionais e os líderes das organizações internacionais, de maneira a canalizar a experiência dos empresários e a habilidade para o processo da tomada de decisão para a economia global”. Entre os participantes estão Yves-Thibault de Silguy (comissário das finanças da Comunidade Européia), Renato Ruggiero (diretor geral da OMC), funcionários de alto nível do Banco Mundial, Vladimir Petrovski (sub-secretário geral da ONU) e Rubens Ricupero (secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
Trata-se de definir referências comuns para permitir aos Países menos avançados (PMA) atrair investimentos. Seis Estados (Bangladesh, Etiópia, Madagascar, Mali, Moçambique e Uganda) são designados para colaborar com a British American Tobacco, British Petroleum, Cargill, Coca-Cola, Daimler Chrysler, Nestlé, Novartis, Rio Tinto, Shell, Siemens e Unilever. As empresas ajudariam a “identificar as experiências passadas e as melhores condições para criar um clima favorável aos investimentos exteriores diretos”.
Estamos longe das ambições iniciais da ONU, que eram “favorecer o progresso econômico e social de todos os povos”, segundo a introdução da Carta das Nações Unidas. Este objetivo deveria ser o fio condutor da política da organização, mas desde a sua criação ela concentrou-se nos problemas diplomáticos e os conflitos assistiram o desmonte dos meios e das instituições encarregadas do desenvolvimento e das questões econômicas.
Triunfo liberal
A tomada de decisões em matéria de economia deslocou-se para um grupo reduzido de organismos independentes da ONU: FMI, Banco Mundial, OMC
Por exemplo, o Conselho econômico e social da ONU – cujas decisões não têm força determinante, mas refletem, sobretudo, as posições de consenso dos membros mais influentes da organização. A instalação da CNUCED em 1964, da Organização das Nações Unidas pelo desenvolvimento industrial (ONUDI) em 1966 e do Programa das Nações Unidas pelo desenvolvimento (PNUD) em 1970, embora signifiquem o princípio de uma reflexão sobre uma nova ordem econômica internacional, não conseguiu definir objetivos coletivos para alcançar o desenvolvimento.
E, no decorrer dos anos 80 e 90, uma visão liberal se impôs: o ponto central da tomada de decisões coletivas em matéria de economia, pouco a pouco, deslocou-se para um conjunto reduzido de organismos independentes da ONU 3 : Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e OMC. A hierarquia da Assembléia Geral é rompida. Sinal dos tempos, em 1993, a Cnuced acaba renunciando à tentativa de definir um código de conduta para as multinacionais.
Longe das metas
Na lógica de hoje, as metas do milênio, adotadas pelos chefes de Estado em 2000, já estão fora de alcance
Em janeiro de 1999, no Fórum Econômico Mundial de Davos, o secretário-geral da ONU propôs às empresas a idéia de um “pacto global”: trata-se de desenvolver a responsabilidade social das empresas para favorecer uma “economia global mais sustentável e inclusiva”. As empresas participantes devem se comprometer a respeitar dez princípios: proteger os direitos humanos, apoiar a liberdade de associação dos trabalhadores, abolir o trabalho forçado e infantil, eliminar a discriminação nos locais de trabalho, proteger o meio ambiente, combater a corrupção sob todas as formas etc. Em contrapartida, eles se beneficiariam da cooperação de agências especializadas da ONU: Alto Comissariado dos Direitos Humanos, PNUD, ONUDI, PNUE e também a OIT (Organização Mundial do Trabalho).
O pacto foi lançado oficialmente em Nova York, em 26 de julho de 2000. Ele não trata somente da proteção aos investimentos, mas também das discussões dentro da OMC, esclarecendo que a questão será em breve novamente discutida em nível internacional.
No mês de março de 1999, um vazamento revela o projeto do Fundo Global para o desenvolvimento sustentável, a cargo do PNUD. O PNUD deverá garantir acesso das empresas participantes em 135 países. Entre os objetivos estão: a telefonia rural e eletrificação, pequenas financeiras… Por hora, o projeto está em estudo. Nesta lógica, apesar das suas ambições, as metas do milênio para o desenvolvimento (luta contra a pobreza, a fome e as discriminações) 4, adotados pelos chefes de Estado e pela ONU, em julho de 2000, já estão fora de alcance.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 – Mensagem para a reunião regional do Pacto Global, Jamshedpur, India, 8 de maio de 2005. www.un.org/apps/sg/sgstats.asp
2 – Ler Stéphane Hessel, Mireille Delmas-Marty e Amara Essy, “Ordem jurídica mundial e paz positiva”, Le Monde diplomatique, julho de 2003.
3 – Ler Isabelle Grunberg, “Um remédio que mata o paciente”, Le Monde Diplomatique, setembro de 2000