Línguas e Identidades - Le Monde Diplomatique

EDITORIAL

Línguas e Identidades

por Silvio Caccia Bava
28 de abril de 2011
por Laura Teixeira
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Silvio Caccia Bava

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A língua é o que permite a comunicação entre os homens; utilizando-a vamos criando pontes entre os indivíduos e distintas culturas. É através da língua que construímos representações sobre o nosso mundo, interpretamos o que nos acontece, criamos cultura e identidades. A riqueza das múltiplas e distintas experiências da existência humana é expressa e registrada utilizando a língua, seja pela transmissão da memória oral, seja pela escrita. Até hoje temos a possibilidade de apreciar e aprender com os valores, a vida, os mitos e religiões do passado, porque soubemos traduzir livros, interpretar culturas, apropriar-nos desta diversidade utilizando nossas referências culturais e nossa língua materna.

As línguas e as identidades culturais têm o poder de aproximar ou separar populações. Nossa maior familiaridade com as línguas latinas, assim como o francês e o inglês, nos permite – até por nossas heranças coloniais – estabelecer trocas, valorizar o diferente, apreciar aquilo que não nos é comum. Mas o contrário também é verdade: nossa distância do mundo oriental, da cultura muçulmana, das tradições dos povos do Oriente Médio, por exemplo, permitiu leituras distorcidas dos processos históricos destes países, criando antagonismos que Samuel Huntington, cientista social estadunidense, identificou nos anos 1990 como “choque de civilizações”. Do discurso neocolonial, baseado na tônica da supremacia branca, as potências ocidentais evoluíram para uma ideia de confrontação mundial entre “o bem e o mal”, entre línguas e identidades que estariam se opondo, criando riscos que precisam ser enfrentados, mesmo que para isso seja necessária a guerra.

Em um mundo globalizado, onde as comunicações são instantâneas e conectam os mais longínquos rincões do planeta, há uma tendência de se dissolverem as diferenças e de se buscar uma língua comum, capaz de permitir a comunicação entre as partes. O que aconteceria se adotássemos, por exemplo, o inglês, como língua universal? Muitos acreditam que haveria perdas culturais enormes para os povos que falam outras línguas. Outros afirmam que favoreceria enormemente o incremento dos negócios.

O tema das línguas e das identidades é cada vez mais importante em uma época na qual os fundamentalismos de todo o tipo se multiplicam. Reconhecer o aporte original que toda a cultura oferece para a evolução da humanidade é condição para convivermos de forma solidária em um planeta que se torna a cada dia menor, seja pela facilidade das comunicações, seja pela facilidade das viagens, seja pelos processos de integração regional e econômica.

Silvio Caccia Bava

Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil



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