Maio, uma esperança no oceano
Macron tinha previsto comemorar Maio de 68. Tal festa teria um sentido, mas contra o “velho mundo” que ele representa. Este velho mundo que, cinquenta anos depois, ainda se lembra do seu medo e pretende completar sua vingança.
Na vida de um povo, é um momento precioso. Levanta-se a tampa das leis sociais. De repente, a resignação e os costumes se tornam assunto de reflexão, depois são questionados. O “rio das cidades cinza e sem esperança de oceano”1 encontra outros, se ilumina; e todos desembocam no mar. O “por que não?” substitui o “é assim mesmo”, o impossível acontece. Um contágio de levantes – há cinquenta anos, não se falava ainda em “convergência das lutas” – nos lembra que a história não terminou, que as reformas e as revoluções que a moldaram queriam frequentemente abolir a obrigação de obedecer e se submeter.
Em maio de 1968, o ensaio geral não levou a uma estreia. Um levante geral marcado por uma das maiores greves operárias da história da humanidade teve até mesmo sua posteridade maculada porque suas encarnações mais midiatizadas foram também as que tinham dado mais errado. Falecido em outubro passado, o dirigente estudantil Jacques Sauvageot encarnava, ao contrário, uma das faces luminosas e, por conseguinte, irrecuperáveis do movimento de Maio. Ele tinha visto nesse movimento o “produto de coletivos operando em uma ótica que ultrapassava as individualidades”.2 Ele lembrava que os insurgidos de então refletiam sobre a abolição do capitalismo, questão que, lamentava ele, “não é mais feita por muita gente”. Seus camaradas e ele combatiam uma “modernidade” fundada sobre a racionalização do trabalho em vez de sua divisão ou das riquezas. A globalização com a qual eles sonhavam visava ao “desenvolvimento necessário da solidariedade internacional”, não à circulação cada vez mais rápida das mercadorias. Enfim, em maio de 1968, tratava-se de combater um poder que já pretendia “fazer da universidade uma empresa rentável”3 e garantir a reprodução social.
Tais lembranças relativizam o novo discurso dominante que gostaria de constituir a oposição entre um progressismo cultural matinê de Maio de 68 – que encarnariam Emmanuel Macron, Angela Merkel ou Justin Trudeau – e uma “democracia iliberal” no estilo húngaro, como marcador de todos os combates políticos. Em resumo, o pluralismo das sociedades abertas contra o autoritarismo nacionalista, mas sem colocar em questão o sistema econômico e as relações de poder que decorrem dele.4 Transformar o presidente francês em símbolo internacional da moderação democrática diante dos “extremos” de todo tipo constitui, no entanto, um singular paradoxo no momento em que ele enfrenta os sindicatos, coloca em perigo o direito de asilo e parece ter como principal ambição que “os jovens franceses tenham vontade de se tornar bilionários”.
Macron tinha previsto comemorar Maio de 68. Tal festa teria um sentido, mas contra o “velho mundo” que ele representa. Este velho mundo que, cinquenta anos depois, ainda se lembra do seu medo e pretende completar sua vingança.
*Serge Halimi é diretor do Le Monde Diplomatique.