Mato Grosso do Sul concentra os casos nacionais de suicídios de indígenas
Dos 80 municípios com o maior número de casos médios de suicídios por habitantes, de 1996 a 2016 no Brasil, sete desses apresentam altas parcelas de suicídios indígenas
Falar sobre suicídios e suas causas é um tabu no Brasil e em várias partes do mundo. Todos sabemos que eles acontecem em nossas cidades, já ouvimos sobre alguns casos e podemos até ter vivenciado tal fato nos círculos sociais mais próximos. Porém, é incomum encontrarmos um espaço para conversar de maneira aberta sobre o tema. Mesmo na academia, por exemplo, o termo mais apropriado para o ato dos suicídios seria o de “mortes por lesões autoprovocadas”. A definição, apesar de tecnicamente precisa, seguindo as normativas do cadastro internacional de doenças (CID 10), é reveladora do contexto de suavização da temática.
É preciso ampliar o debate sobre essa mazela social porque esse pode ser o primeiro passo para a apresentação de políticas públicas que visem a reduzir as taxas de suíciod no Brasil. De acordo com dados do DataSus, entre os anos de 1996 e 2018, o Brasil teve uma média de 8.737 mortes oriundas de suicídios todos os anos – o que significa aproximadamente uma morte por hora.
Questões sociais
A análise sociológica de David Émile Durkein faz a associação entre questões sociais como motivadores para o suicídio. O suicídio, além de um enorme impacto social e emocional, implica também em um impacto econômico, entre outros, por conta da perda de capital humano. As causas do suicídio podem ser das mais variadas. Entretanto, possui alguma relação de caráter social e muitas vezes o gatilho pode ser um fator econômico.
A literatura sobre suicídios indica que, muitas vezes, ocorrem subnotificações. Isto se dá, segundo Phillips (1974), porque os números de suicídios aumentam imediatamente após uma notícia sobre suicídio ser publicada. Segundo o autor, no Reino Unido e nos Estados Unidos, entre 1947 e 1968, quanto maior a publicidade envolvida em um caso de suicídio, maior o aumento no número de casos no período subsequente, com o aumento restrito, principalmente, para a área onde a história foi publicada. Uma das formas de diminuir esse aumento, segundo o autor, é que a mídia desencoraja reportagens sobre suicídios, em certos países.
Brasil
Um estudo sobre os 27 estados brasileiros no período de 1980-2009 concluiu que, a respeito dos motivadores do suicídio, o “índice mídia” é o terceiro maior responsável por aumentos nos casos de suicídios entre jovens, perdendo apenas para “violência” e “desemprego”. A análise mostrou que um aumento de 1% no índice de Mídia elevou a taxa de suicídios entre os jovens de 15 a 29 anos de idade em 5,34%, demonstrando o efeito contágio que ocorre nas regiões vizinhas de lugares com casos registrados de suicídios.
Entre os anos de 1996 e 2016 ocorreram, segundo o DataSus, 183.484 suicídios no Brasil. Uma média de 8.737,30 suicídios a cada ano. Este número é o equivalente a 4,7 casos a cada 100 mil habitantes, em média populacional de todo o período. Isto é, durante os 21 anos do período analisado, ocorreram em média 0,9974 casos de suicídio por hora. A análise exploratória dos dados espaciais (AEDE) de casos de suicídios no Brasil é destacada na Figura 1.
Figura 1 – Mapa de clusters da média dos Suicídios por habitantes dos municípios do Brasil de 1996 a 2016
Fonte: Elaboração própria com dados do Datasus (2018).
A partir da AEDE é possível notar a existência de seis aglomerações ou clusters de municípios com suicídios por habitantes que chamam a atenção. Quatro são aglomerações do tipo alto-alto, em vermelho na Figura 1: Região Sul, com predominância do Rio Grande do Sul, a parte oeste de Santa Catarina e parte do Sudoeste do Paraná; a região sul do estado de Mato Grosso do Sul; a região do triângulo mineiro, próxima a Uberlândia; e a região central da Região Nordeste (destacada no mapa), juntamente com regiões próximas às capitais como João Pessoa.
Dois clusters do tipo baixo-baixo também são notados: Região Norte e parte do estado de Maranhão; região sul da Região Nordeste e parte da do norte da Região Sudeste. O nível de significância da autocorrelação espacial local é apresentado na Figura 2, destacando-se que os clusters do tipo baixo-baixo aparentemente apresentam níveis de significância maior (maior quantidade de municípios apresentando = 0,001) do que o verificado nos clusters do tipo alto-alto.
Figura 2 – Mapa de Significância LISA para o número de suicídios no Brasil de 1996 a 2016
Fonte: Elaboração própria com dados do Datasus (2018).
População indígena
No caso do cluster ao sul do estado de Mato Grosso do Sul, os municípios dessa região apresentam uma elevada quantidade de suicídios de pessoas indígenas em relação à quantidade geral dos suicídios de seus habitantes. Isso motiva uma análise específica ao caso dos suicídios unicamente de indígenas.
Para tanto, a Figura 3 mostra o mapa de ocorrências dos suicídios cometidos por pessoas indígenas no Brasil, evidenciando que, na zona sul do estado do Mato Grosso do Sul (cluster 3), há uma possível concentração dos casos nacionais. Autores, como Bueno (2010) já alertaram no final da primeira década do século XXI para a crescente incidência de casos de suicídios de indígenas Guarani Kayowá ao Sul do Mato Grosso do Sul: “(…) agrupados em reservas improdutivas, submetidos a um regime de trabalho semiescravo e despojados de suas tradições (…) [muitos indígenas] cometeram o deduí, o suicídio ritual – ou rito de ‘apagar o Sol.’” (BUENO, 2010, p. 27). Somado a isso, o avanço de religiões neopentecostais em épocas recentes na área (vide Alves, 2017) e a ênfase sobre conceitos como o “pecado”, contrastantes à cultura indígena, podem atuar como fator acelerador dos casos de suicídios entre indígenas na região do cluster apresentado.
Figura 3 – Suicídios de indígenas no Brasil, média de 1996 a 2016.
Fonte: Elaboração própria com dados do Datasus (2018).
Dos 80 municípios com o maior número de casos médios de suicídios por habitantes, de 1996 a 2016 no Brasil, sete desses apresentam altas parcelas de suicídios indígenas. Os percentuais de suicídios de indígenas nesses municípios estão acima de 40% do total, com alguns atingindo a casa de 80%. Esses fatores demonstram que os clusters indígenas têm pouca ou nenhuma relação com suicídios de etnias específicas, já que muitas vezes se concentram em regiões especificas de habitação apenas indígenas e de proteção ambiental, muito isolados. Fatores mais amplos aparentam estar atuando como fator gerador dos suicídios indígenas.
O contexto dos suicídios indígenas demanda particular atenção porque se evidenciam como uma aparente contradição no perfil mais afetado pelo problema no Brasil. O perfil de pessoas que cometeram suicídio, observador nos dados, é de homens brancos, de idade entre 20 e 29 anos, solteiros e com escolaridade entre 4 a 7 anos de estudos, acontecendo em sua maior parte no próprio domicílio da vítima. O perfil dos indígenas foge deste padrão nacional e, mesmo assim, foram encontrados clusters importantes de casos de suicídios entre indígenas nos municípios caracterizados por terem populações tradicionais. Voltamos a apontar que talvez isto seja um indício de que questões de exclusão socioculturais podem estar no plano de fundo desta questão.
É urgente políticas públicas que, em primeiro lugar, consigam dar respostas sobre os fatores que vêm motivando os suicídios indígenas para que possam ser planejadas e implementadas ações efetivas e alicerçada em estudos científicos para contornar essa triste realidade. Após séculos à margem do processo civilizatório brasileiro, é fundamental uma maior atenção do setor público e da sociedade com as condições socioeconômicas das culturas indígenas, sobretudo para mitigar o triste destaque alcançado pelos casos de suicídios desses brasileiros[1].
Referências
Alves, J. E. D., Cavenaghi, S. M., Barros, L. F. W., & Carvalho, A. A. de. (2017). Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil. Tempo Social, 29(2), 215-242. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.112180
BUENO, E. Brasil: Uma história. Cinco séculos de um país em construção. São Paulo: Leya, 2010.
DATASUS. Repositório de Dados. Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/datasus>. Acesso em: 05/11/2018.
DURKHEIM, É. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2011.
FELTRIN, R. Determinantes socioeconômicos do suicídio em Santa Catarina: uma análise com dados em painel. Monografia do Curso de Ciências Econômicas. Universidade Federal de Santa Catarina. 2018.
GONÇALVES, L. R. C.; GONÇALVES, E.; OLIVEIRA JÚNIOR, L. B. Determinantes espaciais e socioeconômicos do suicídio no Brasil: uma abordagem regional. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 281- 316, ago. 2011.
LOUREIRO, P. R. A., MOREIRA; T. B., SACHSIDA, A. Os efeitos da mídia sobre o suicídio: uma análise empírica para os estados brasileiros. IPEA, Texto de Discussão n. 1851, 2013.
PHILLIPS, D. P. The Influence of Suggestion on Suicide: Substantive and Theoretical Implications of the Werther Effect. American Sociological Association. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2094294>. Acesso em: 10 out 2018.
YAMAMURA, E. The different impacts of socio-economic factors on suicide between males and females. Applied Economics Letters, v. 17 n. 10, 2010.
[1] A pesquisa completa pode ser encontrada com livre acesso em: HENRIQUE BARROSO OLIVEIRA, R.; RONDINA NETO, A.; ABRITA, M. B. SUICÍDIOS NO BRASIL. A Economia em Revista – AERE, v. 27, n. 3, p. 63-82, 11 nov. 2020. http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EconRev/article/view/54776.