McCain e Obama: as idéias sobre política externa
Embora os dois candidatos se mantenham no terreno do discurso aceitável pelo “mainstream” da política americana, há nuances significativas. A discordância mais profunda diz respeito à atitude perante a Rússia: enquanto Obama defende o diálogo, McCain aposta em um confronto nos moldes da Guerra Fria
Os senadores John McCain e Barack Obama encerram a atual campanha eleitoral compartilhando, em um grau considerável, a mesma avaliação sobre a situação desconfortável dos Estados Unidos no cenário internacional. Ambos insistem que os EUA enfrentam um conjunto de ameaças no exterior, que o atual governo tem cometido erros no combate a essas ameaças, e que é necessário traçar novas estratégias em substituição às políticas fracassadas do passado.
A impressão que se tem ao ouvir os discursos de campanha é que ambos os candidatos estão concorrendo contra George W. Bush. Mas é só ouvir mais de perto o que eles dizem para que diferenças profundas venham à tona. Embora os dois candidatos façam menção à existência de graves riscos exteriores ao país, McCain enfatiza especialmente a ameaça representada pela Rússia, país ao qual ele freqüentemente se refere nos termos reservados no passado à união Soviética. Obama, em contraste, tende a focalizar perigos contemporâneos, como o terrorismo nuclear, a guerra biológica e as mudanças climáticas.
E, enquanto ambos falam em reviver a aliança do Atlântico Norte, McCain ressalta a missão histórica de liderança norte-americana e Obama aponta a necessidade de uma postura mais humilde dos Estados Unidos, a fim de obter apoio e assistência na Europa. Essas diferenças refletem mais que nuances ou retórica – elas revelam percepções contrastantes sobre a natureza das novas ameaças e a melhor maneira de abordá-las.
Em certa medida, as diferenças surgem do contraste entre a biografia e a personalidade dos dois candidatos rivais. McCain, de72 anos, cresceu em uma família militar no
período mais intenso da Guerra Fria, e professa uma forte devoção às forças armadas americanas e aos seus valores essenciais. Como é bem conhecido, ele serviu como piloto na Marinha, de 1958 a 1981, e passou seis anos como prisioneiro de guerra no Vietnã do Norte. Obama, de 47 anos, foi criado sob árduas condições por uma mãe solteira e
morou em vários lugares – entre eles, a Indonésia – antes de se instalar na região de Chicago. Ele freqüentemente descreve o período em que foi líder comunitário nos bairros pobres da zona sul de Chicago como a experiência mais marcante da sua juventude.
Reativaçao da Otan
Tanto as posições de McCain quanto as de Obama se situam dentro dos limites naturais do discurso político aceitável nos Estados Unidos. os dois senadores destacam a prioridade em derrotar o terrorismo no oriente Médio e em impedir o acesso do Irã a armas nucleares – e ambos dizem estar preparados para empregar meios militares sempre que julgarem necessário para atingir esses objetivos. Mas, afora isso, notam-se diferenças agudas de inclinação e perspectiva.
Devido aos fortes laços de McCain com as forças militares americanas na época do apogeu da Guerra Fria, não é surpresa que ele encare a renascente Rússia como a grande ameaça à segurança dos Estados Unidos, ou que veja a reativação da organização do tratado do Atlântico Norte (OTAN) em seu formato original, sob o domínio americano, como a resposta adequada a esse perigo. A visão de mundo e as imagens retóricas de McCain têm origem nas políticas e na linguagem empregadas pelos presidentes Harry Truman, Dwigth Eisenhower e John Kennedy no confronto com a união Soviética. “Os países ocidentais devem deixar claro que os laços de solidariedade da OTAN, do mar Báltico ao mar Negro, são indivisíveis, e que a porta da organização continua aberta para todas as democracias comprometidas com a defesa da liberdade”, escreveu McCain em 2007.
Bem diferente é a perspectiva adotada por Obama. Apesar do ardor que ele às vezes demonstra na sua devoção aos ideais de liberdade e democracia, sua inclinação – sem dúvida influenciada por sua experiência comunitária na desordenada zona sul de Chicago – é de evitar o máximo possível o confronto e de construir um consenso em torno de objetivos comuns. Por ter crescido no pós-Guerra Fria, não é surpreendente que ele tenda a enfatizar o tipo de risco que tem surgido depois do colapso da união Soviética: terrorismo, armas biológicas, a pandemia de AIDS e o aquecimento global.
Essas diferenças de perspectiva permeiam todas as questões de política externa abordadas por McCain e Obama. Até o momento da eclosão do conflito entre a Geórgia e a Rússia, contudo, as divergências filosóficas mais profundas entre os dois candidatos estavam, em grande parte, obscurecidas pelo seu desacordo quanto ao Iraque e o Irã. o predomínio do tema da guerra no Iraque – e do que fazer com ela – no panorama político americano gerou a impressão geral de que a campanha presidencial de 2008 seria moldada em grande medida por essa única questão.
Certamente, as divergências entre McCain e Obama sobre como proceder no Iraque – o primeiro, a favor de prosseguir com a presença militar, e o segundo, a favor de uma rápida retirada dos Estados Unidos – são bem conhecidas e significativas. Mas essas discordâncias iluminam somente alguns aspectos de suas profundas diferenças filosóficas.
Para McCain, o Iraque é a “frente de batalha central” da guerra contra o terror e, portanto, uma derrota americana naquele país pode levar a um aumento global do terrorismo internacional. Para Obama, no entanto, “a frente de batalha central da guerra contra o terror não é e nunca foi o Iraque”. Ao contrário, o sucesso nesse conflito requer “o combate à Al Qaeda no Afeganistão e no Paquistão”. Se eleito, Obama planeja retirar a maior parte das forças de combate do Iraque e aumentar o contingente militar dos Estados Unidos no Afeganistão, a fim de cercar e destruir os santuários da Al Qaeda e do taleban na fronteira do Afeganistão com o Paquistão. Ele também defende ataques norte-americanos às instalações da Al Qaeda dentro do território paquistanês – tática adotada recentemente pelo governo Bush.
Essas diferenças, embora sejam de fato significativas, dizem respeito a discordâncias essencialmente metodológicas sobre a melhor maneira de travar a guerra global ao
terror – e não a políticas diferentes nos seus traços fundamentais. Verifica-se um quadro similar em suas respectivas abordagens da questão do enriquecimento nuclear pelo regime islâmico do Irã. Embora possa parecer que os dois candidatos estejam muito separados nessa questão – Obama a favor de negociações diretas entre os Estados Unidos e o Irã, visando a suspensão do programa de enriquecimento, e McCain contrário a essas negociações – os dois candidatos afirmam ser inaceitável que o Irã detenha armas nucleares, que sanções econômicas são o meio preferencial para garantir a aquiescência iraniana e que a ação militar não pode ser descartada caso as sanções falhem. Aqui, também, as divergências envolvem mais questões táticas do que pontos essenciais.
Geórgia, divisor de águas
Já o conflito na Geórgia expôs diferenças mais profundas entre eles. Em seus primeiros comentários sobre os choques militares, Obama fez restrições aos dois lados e defendeu uma solução negociada. “Todos os lados envolvidos deveriam entrar em negociações diretas em favor da estabilidade da Geórgia”, declarou ele no dia 8 de agosto. Mais tarde, Obama endureceu sua postura, acusando Moscou de invadir a Geórgia sem justificativa e pedindo a retirada das forças Russas – mas, de novo, sua opção favorita, coerente com suas inclinações mais arraigadas, era a mediação e o diálogo.
A reação de McCain foi um pouco mais beligerante: não falou em mediação nem em negociações. Ao contrário, insistiu que a Rússia fosse severamente condenada por sua invasão não-provocada da Geórgia, e totalmente isolada na comunidade internacional – nenhuma menção foi feita ao ataque da Ossétia do Sul pela Geórgia no dia 7 de agosto.
Mas são as implicações mais amplas da reação de McCain perante aquele conflito que destoam claramente da postura do seu adversário. Para Obama, os danos às relações entre Estados unidos e Rússia, causados pela disputa na Geórgia, poderiam ser reparados se os russos abrissem mão do seu comportamento agressivo. “Deixe-me ser
claro”, declarou em 11 de agosto, “nós buscamos um futuro de cooperação com o governo da Rússia, e de amizade com o povo russo”. Para McCain, tal futuro não parece alcançável. o caminho que ele propõe vai na direção oposta: submeter a Rússia através do isolamento e das políticas de contenção. As principais tarefas imediatas são expulsar o país do G-8 [1], ampliar a assistência militar e econômica às nações pró-ocidente na periferia da Rússia e, mais importante, acelerar os esforços para incorporar a Geórgia e a ucrânia à OTAN, assegurando dessa maneira o apoio militar dos Estados Unidos e da Europa, no caso de um futuro ataque da Rússia a esses países.
Ainda que McCain não fale abertamente nas implicações militares de suas propostas, é indisfarçável que tudo isso envolve um significativo componente militar. Deste modo, no dia 11 de agosto, ele propôs que os Estados unidos e seus aliados fizessem “consultas imediatas ao governo ucraniano e a outros países envolvidos, sobre os passos para assegurar a continuidade de sua independência”. E acrescentou: “Isso é particularmente importante devido ao fato de que uma parte dos navios da frota russa do mar Negro, atualmente nas águas territoriais Georgianas, está alocada na base naval russa na Criméia ucraniana”. Embora McCain não tenha dito nada além disso, parece óbvio que ele estava falando de uma possível iniciativa militar dos Estados unidos e da OTAN para se contrapor à presença naval da Rússia no mar Negro, uma realidade estabelecida muito tempo atrás. Na mesma declaração, McCain defendeu medidas dos Estados Unidos para “fortalecer a segurança do oleoduto de Baku-tbilisi-Ceyhan” [2] – o que poderia culminar com a instalação de forças militares americanas na Geórgia, no Azerbaijão e em outros lugares daquela região.
Tudo isso tem implicações óbvias para a relação dos Estados unidos com a Europa. Aqui também se observa uma diferença significativa nas perspectivas dos dois candidatos à Casa branca. Obama menciona freqüentemente o estrago causado às relações entre os Estados unidos e a Europa pela invasão americana do Iraque, e é inflexível em seu compromisso em favor de uma relação mais equilibrada. McCain tampouco se mostra indiferente aos danos causados à relação Estados unidos-Europa pelo unilateralismo dos anos Bush e declara que ele, também, vai adotar uma postura mais colaborativa. Mas seus comentários dão um peso maior para o papel dos Estados unidos nos empreendimentos comuns. No
discurso do dia 26 de agosto, em que criticou a reação de Obama à crise na Geórgia, McCain declarou que o ocidente saiu vitorioso da Guerra Fria “porque as grandes democracias se uniram e atuaram juntas a partir de uma decisiva liderança americana”. As implicações disso são óbvias: as democracias ocidentais precisam se juntar novamente, sob a “decisiva liderança americana”, para levarem a melhor na incipiente disputa com a Rússia.
Como resultado do conflito no Cáucaso, é possível perceber com muito mais clareza do que antes as diferenças entre os dois candidatos presidenciais em política externa. Antes da eclosão daquela disputa, parecia que a maior questão que os separava era se o principal campo de batalha da guerra contra o terror era o Iraque ou o Afeganistão.
Agora, suas principais diferenças podem ser entendidas de uma nova maneira. Quando Obama se propõe a definir as maiores ameaças aos Estados unidos no século 21, ele se esforça em olhar para frente, em direção aos perigos decorrentes de um panorama planetário em rápida transformação, enquanto McCain tende a olhar para trás, para os momentos decisivos da Guerra Fria e do apogeu da competição entre Estados unidos e união Soviética. Como exatamente essas abordagens contrastantes vão influenciar a política do dia-a-dia depois que McCain ou Obama se tornar presidente, só podemos supor, mas não há dúvida que a implementação de qualquer uma dessas perspectivas trará implicações de longo alcance para todos os habitantes do planeta.
*Michael Klare é professor de estudos sobre paz e segurança mundiais no Hampshire College, em Amherst, Masachusetts, e autor do recém lançado Rising powers, shrinking planet; the new geopolitics of energy, publicado nos Estados Unidos pela Metropolitan Books, e no Reino Unido pela One World Publications.