Meningite: epidemias polêmicas - Le Monde Diplomatique

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Meningite: epidemias polêmicas

por Jean-Philippe Chippaux
1 de maio de 2001
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Para enfrentar a meningite, que mata 30 mil pessoas por ano na África, a Organização Mundial da Saúde mantém uma estratégia baseada na urgência, e não na prevençãoJean-Philippe Chippaux

A meningite se desenvolve principalmente na primavera, na África, devido às condições climáticas: o harmattan, um vento seco e carregado de poeira, debilita as mucosas do aparelho respiratório. Trinta mil casos, com a ocorrência de três mil e quinhentas mortes, foram assinalados em abril de 2001 e nove países declararam oficialmente uma situação de epidemia: o Benin, Burkina Faso, Camarões, a República Centro-Africana, a Etiópia, o Níger, a Nigéria, o Senegal e o Chade. Apesar do flagelo, os poderes públicos e as autoridades sanitárias ainda não conseguiram definir conjuntamente uma estratégia de erradicação eficiente.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) luta contra a meningite realizando campanhas de vacinação em massa organizadas unicamente após a “declaração” da epidemia. Isto requer que os casos sejam precocemente detectados com a ajuda de um sistema de informação sanitária eficaz e rápido. Em particular, o limiar a partir do qual a epidemia é oficializada deve ser, ao mesmo tempo, suficientemente baixo para desencadear, a tempo, a resposta, e claramente estabelecido para evitar alertas intempestivos, ruinosos para os países pobres. A estratégia adotada pela OMS acaba sendo a de esperar que o incêndio comece para tomar as medidas apropriadas! Além disso, ela esquece que a vacina é, por definição, uma medida preventiva, e não curativa, e que são necessárias de duas a três semanas para que os anticorpos exerçam sua função de defesa.

A “declaração” da epidemia
Especialistas criticam as medidas e lembram que o prazo necessário à concretização das medidas de controle de uma epidemia é de duas a oito semanas

Especialistas do setor vêm denunciando a timidez e o fracasso de tal política desde 1997.1 Lembram que o prazo necessário à concretização das medidas de controle da epidemia é de duas a oito semanas. Um lapso de tempo suficiente para que surjam inúmeros casos antes que a vacinação produza seus efeitos. Em Niamey (Nigéria), por exemplo, o número de casos surgidos entre a declaração da epidemia e a chegada das vacinas foi superior a 200 por semana, no ano passado.
O sistema de informação sanitária dos países envolvidos não tem responsabilidade alguma por esse intervalo de tempo: ele parece ser suficiente e eficiente na maioria dos países. Em compensação, se o alerta é tarefa dos técnicos, a declaração da epidemia depende dos políticos. Ora, estes últimos às vezes preferem segurar esse tipo de informação por ela poder ter efeitos desastrosos sobre suas relações turísticas, comerciais e diplomáticas. Os países onde é grande o peso da religião islâmica, por exemplo, não declaram a epidemia na época da peregrinação a Meca.

Pedidos e estoques
Em Niamey (Nigéria), por exemplo, o número de casos surgidos entre a “declaração” da epidemia e a chegada das vacinas foi superior a 200 por semana

Mais freqüentemente, são simples problemas logísticos, fáceis de resolver, que atrasam a tomada de medidas sanitárias: obtenção de financiamentos, pedido e transporte do material, organização das campanhas de vacinação… Por outro lado, as intervenções geralmente ocorrem num clima de confusão devido à urgência: entrega de vacinas sem material de injeção, e às vezes a um custo muito alto, imputável à pressa ou à remuneração de intermediários pouco escrupulosos.

Para remediar estas dificuldades, a OMS tinha criado, em janeiro de 1997, o Grupo Coordenador Internacional (GCI), encarregado de avaliar as necessidades em número de vacinas, instrumentos de vacinação e organizar sua entrega, se necessário. Com representantes da OMS, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da Cruz Vermelha, do Crescente Vermelho, dos Médicos sem Fronteiras, dos Centros de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, e de diversos centros colaboradores da OMS bem como de fabricantes, o GCI deveria administrar um estoque de vacinas conservadas pelos laboratórios farmacêuticos e mobilizáveis em função das necessidades dos países. Deveria, principalmente, centralizar os pedidos, para evitar o esgotamento das reservas mundiais de vacinas — o que ocorreu em 1997, após os surtos epidêmicos de 1996.2

A “iniciativa de Bamako”

Entretanto, o estoque rapidamente revelou-se virtual. E, não conseguindo reunir verdadeiros doadores, o GCI apareceu, aos olhos das autoridades sanitárias africanas, como um intermediário supérfluo. Os operadores habituais da luta contra as epidemias logo compreenderam que era mais rentável contornar este sistema complexo e solicitar diretamente ajudas financeiras em contrapartida de seus serviços. Por seu lado, os fabricantes de vacinas, para responder a uma demanda sempre tão mal administrada e muitas vezes urgente, continuaram a retirar de seu próprio estoque em função das necessidades, sem, entretanto, informar o GCI.

A União Européia, que contribui, direta ou indiretamente, com a metade do financiamento da luta contra as epidemias de meningite na África, nunca se envolveu na definição das opções estratégicas. Em compensação, os especialistas das CDC de Atlanta, por exemplo, exercem um papel preponderante nas tomadas de decisões, ainda que não sejam nem doadores, nem operadores, nem sequer observadores.

O Grupo Coordenador Internacional deveria centralizar os pedidos, para evitar o esgotamento das reservas de vacinas — o que já ocorreu em 1997

Entretanto, existe uma outra estratégia, mais eficaz, e que justifica a razão de ser da vacina: a vacinação “de rotina”, protetora e preventiva, que consiste em imunizar fora das epidemias. Ela permitiria, além do mais, solicitar uma contribuição financeira às populações desejosas de serem vacinadas. Esta participação comunitária situa-se exatamente na seqüência lógica da “iniciativa de Bamako”, adotada há vinte anos após uma conferência da OMS realizada no Mali. Esta estratégia considera o reembolso dos custos como uma garantia de perenidade das ações de prevenção das endemias nos países menos avançados (PMA).

Controvérsias fúteis

Seus críticos qualificam essa abordagem de “belo, mas ineficaz discurso”. Entretanto, constatamos que mesmo as famílias modestas aceitam pagar a vacina contra a meningite destinada a seus filhos, e que — nas regiões onde a experiência foi realizada — as epidemias rarearam, e em seguida foram reduzidas. Por exemplo, no norte do Benin, a vacinação preventiva, posta em prática desde a última epidemia em 1989,3 permitiu evitar até hoje uma reincidência semelhante às observadas nos países vizinhos: Burkina Faso, Níger, Nigéria e Togo. Em Niamey, capital do Níger, após uma política ativa de vacinação realizada entre 1980 e 1988, nenhuma epidemia séria foi registrada até 1995 (a de1986 ficou circunscrita a uma região).4 Mas a suspensão dessa decisão, principalmente após as restrições orçamentárias geradas pelas políticas de ajuste estrutural, se traduziu na terrível epidemia de 1995, com seus 43.200 casos declarados.

Existe uma outra estratégia, mais eficiente, e que justifica a razão de ser da vacina: a vacinação “de rotina”, protetora e preventiva

Os especialistas divergem sobre a diferença de custos entre as duas estratégias sem que pesquisas operacionais apropriadas traduzam seu significado na prática. Entretanto, é provável que o número médio de vacinas aplicadas seja similar, com uma distribuição de custos mais equilibrada no contexto da vacinação de rotina. As controvérsias sobre a pertinência do limiar de alerta ou as condições de organização das campanhas de vacinação em massa, além disso, parecem fúteis comparadas ao “sacrifício” de centenas de doentes que uma prevenção feita metodicamente poderia evitar.5 A partir de março de 2001, numerosos casos de meningite apareceram,6 prenunciando uma nova epidemia e confirmando os temores dos críticos da vacinação de urgência.

Opções estratégicas diferentes

Uma nova vacina, ainda em fase experimental no Centro de Pesquisas sobre as Meningites e Esquistossomoses de Niamey (Níger), poderia modificar o quadro. Mais eficiente, ela permitiria tratar os bebês, mal protegidos pelo produto atual, e poderia ser associada ao “pacote” de vacinas administradas à criança. Apresentam-se duas opções: destinada ao mercado africano, pouco rentável fora das circunstâncias de urgência humanitária que acompanham as epidemias, a vacina se limitaria exclusivamente às espécies meningocócicas que ali prevalecessem; ou preparada para os países industrializados, portanto mais rentável, ela deveria abranger outras famílias de espécies meningocócicas além das que interessam à África. O custo seria maior, o que não constitui um problema para os Estados Unidos ou a Europa, mas ameaça desqualificar o novo medicamento para o continente negro.7

A partir de março de 2001, numerosos casos surgiram, prenunciando uma nova epidemia e confirmando os temores dos críticos da vacinação de urgência

A atual vacina é acessível a um preço razoável (um pouco menos de 1 real). A próxima, na melhor das hipóteses só será comercializada daqui a três anos, e a um preço provavelmente dez vezes superior. A idéia de explorar simultaneamente as duas vacinas, permitindo opções estratégicas diferentes para custos diferentes, não parece ter unanimidade. E a concorrência entre os dois produtos talvez tenha favorecido o ressurgimento de controvérsias sobre o controle das meningites.

Opção da vacinação gratuita

Contudo, se a polêmica se desenvolve, a reticência em mudar de política permanece forte. Alguns fabricantes de vacinas se mostram muito favoráveis a uma vacinação preventiva, desde que ela seja corretamente organizada e que as modalidades de financiamento sejam claramente definidas. Até propõem que a vacina atual sirva para testar a possibilidade de uma vacinação de rotina contra as meningites meningocócicas, como é o caso, nos países industrializados, da vacinação contra o Haemophilus influenzae B, recomendada para bebês.8 A vacinação coletiva poderia ser estendida a inúmeras estruturas — escolas, centros de saúde, vacinação itinerante —, o que permitiria atingir amplamente a população-alvo, essencialmente as crianças de menos de 15 anos.

A atual vacina é barata. A próxima, na melhor das hipóteses só será comercializada daqui a três anos, e a um preço provavelmente dez vezes superior

Entretanto, o financiamento dessas opções permanece um tema delicado. A Unicef exige, por uma questão de princípio, que a vacinação infantil continue gratuita: a cobertura de custos, conforme o esquema fixado pela “Iniciativa de Bamako”, torna-se, portanto, impossível. Por outro lado, a ajuda internacional encontra uma justificativa mais fácil no controle de uma epidemia que em sua prevenção. O mesmo ocorre, sem dúvida, com certos operadores, presentes na linha de frente por ocasião de campanhas de vacinação de circunstância, que não poderiam participar de operações de rotina, pois sua operacionalização é da competência principal das autoridades sanitárias nacionais.
O desenvolvimento da vacinação preventiva é prejudicado pela irregularidade dos financiamentos e pela falta de interesse dos meios de comunicação. Mas o sistema de vacinação de urgência tem como efeito pernicioso o de manter os países endêmicos em estado de dependência diante de seus parceiros habituais — cada um parecendo resolver sua parte do problema. Com exceção, talvez, das populações…
(Trad. Celeste Marcondes)

1 – Ler, de John B. Robbins et al. , “Love’s labours lost: failure to implement mass vaccination against group A meningococcal meningitis in sub-Saharan Africa”, The Lancet, Londres, 1997, nº 350.

2 – OMS, “Resposta à meningite epidêmica na África”, Relevé Epidémiologique Hebdomadaire, Genebra, 1997, nº 72.

3 – Ler, de Jacques Hassan et al. , “Meningococcal immunisation and protection from epidemics”, The Lancet, Londres, 1998, nº 352.

4 – Ler, de Jean-Philippe Chippaux et al., “Preventive immunisation could reduce the risk of meningococcal epidemics in the African meningitis belt”, Annals of Tropical Medicine and Parasitology, Liverpool, 1999, nº 93.



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