Messali Hadj, o injustiçado pai do nacionalismo argelino
Na história do nacionalismo argelino, um ponto de interrogação ainda persiste : como e por que seu fundador, Ahmed Mesli, vulgo Messali Hadj, foi desacreditado e depois combatido por seus filhos espirituais, apesar de ter sido o primeiro a estabelecer como objetivo a luta pela independência?Alain Ruscio
Se na memória coletiva os nomes de Habib Bourguiba, na Tunísia, e de Mohammed Ben Youssef – ou Mohammed V –, no Marrocos, estão ligados à luta vitoriosa pela independência, na Argélia o de Messali Hadj continua sendo objeto de um ocultamento que cede muito pouco, há uma ou duas décadas, no máximo.
A Estrela Norte Africana (ENA) nasceu no primeiro semestre de 1926, por iniciativa de membros do comunismo francês, então extremamente atentos aos “trabalhadores coloniais” da metrópole. Na comissão colonial do Partido Comunista Francês (PCF), o principal responsável era Abdelkader Hadj Ali, secundado por militantes mais jovens, dentre os quais Messali Hadj. Em de fevereiro de 1927, em Bruxelas, por ocasião do congresso da liga mundial contra o imperialismo e a opressão colonial, o jovem Messali foi encarregado de apresentar o programa da Estrela. Pela primeira vez, do alto de uma tribuna internacional, um orador exigia a independência da colônia argelina e dos protetorados tunisiano e marroquino : “A independência de cada um desses três países só tem chance de acontecer na medida em que o movimento de libertação de um deles for apoiada pelos outros dois .”
A Estrela fez então um enorme sucesso, principalmente entre os imigrantes que viviam na metrópole. Mas as relações entre comunistas e “estrelistas” se distenderam, no final da década de 1920. Messali e os demais dirigentes tinham receio de enfrentar o PCF, cuja concepção de relações com os movimentos nacionalistas tinha uma ótica única, a de sua própria estratégia. Estratégia esta que a partir da Frente Popular tornou-se mais francesa do que internacionalista. Até aquele momento, cada lado tinha usado o outro para seus próprios fins e interesses.
O advento da Frente Popular trouxe à baila o mal-entendido e as divergências, relativamente aos objetivos pretendidos ficaram claras. Em matéria colonial, a esquerda francesa era de um reformismo prudente: mesmo o tímido plano Blum-Viollette – elaborado em 1936 por Léon Blum, com o ex-governador da Argélia, Maurice Viollette –, visando possibilitar que vinte e cinco ou trinta mil argelinos adquirissem a cidadania sem renunciar ao estatuto de muçulmanos, jamais foi apresentado ao Parlamento. O PCF elaborou em 1939 o esquema, que revelaria ser inadequado, de “nação em formação”, com base em uma mescla de populações europeias e árabo-berberes. O discurso dos “estrelistas” continuava o mesmo: o povo argelino devia contar prioritariamente com suas próprias forças. “Irmãos, nada de encostar a cabeça no travesseiro e dormir, acreditando que a ação está terminada, pois ela acaba de começar”, Messali Hadj.
Teve então início uma campanha surda, e em seguida declarada, contra os “estrelistas”. Em 26 de janeiro de 1937, respaldado em leis contra as ligas de oposição, o governo de Léon Blum dissolveu a Estrela. Robert Deloche, encarregado da questão argelina no PCF, apoiou essa medida, na edição de 12 de fevereiro do L’Humanité ; consumava-se assim o divórcio.
Messali Hadj e seus acólitos fundaram o Partido do Povo Argelino (PPA), que também se implantou na Argélia, ao contrário da Estrela Norte Africana. O que valeu a Messali a acusação de “reconstituição da liga dissolvida” e a detenção, em 27 de agosto de 1937. Começava nesse dia uma nova vida para o fundador do PPA, depois de um processo que seguiu todos os cânones da mais pura tradição colonialista. Em trinta e sete anos – entre 1937 e sua morte, em 1974 –, ele passou vinte e dois na cadeia, ou em prisão domiciliar, dependendo o que o governo determinasse, nos quatro regimes que se sucederam : a III República que descia suas cortinas, o Estado de Vichy e, depois, a IV e a V Repúblicas.
Durante a Segunda Grande Guerra, ele recusou todas as tentativas feitas pelos nazistas aos nacionalistas, de aproximação dos países colonizados, o que fez crescer sua autoridade moral. Depois, com a queda do regime nazista, a terrível coincidência : o drama de 8 de maio de 1945 em Constantina, a região leste da Argélia, quando uma manifestação pela independência, por ocasião da vitória Aliada, foi violentamente reprimida . O massacre – que fez milhares de mortos – teve repercussão no interior do movimento argelino. Para os militantes da geração mais jovem, a guerra da Argélia começava ali, e a preparação para a luta armada tornava-se uma imposição. Quanto a Messali – que já não vivia na Argélia –, ele continuou a pregar o esquema tradicional de conscientização progressiva da população. Para ele, os apelos à insurreição eram uma “fanfarronice” da “esquerda burra”.
Essas divergências levaram à ruptura de 1954. O movimento nacionalista argelino se desfez. A autoridade de Messali Hadj, fundador e presidente do PPA – que se transformaria no Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas, o MTLD, após a dissolução do PPA pelas autoridades francesas, em 1946 – foi posta em causa. Messalistas e centralistas (assim chamados por que faziam majoritariamente parte do comitê central) se dividiram.
Um pequeno núcleo autônomo, oriundo da Organização Especial (OS, estrutura clandestina destinada a preparar a futura luta armada) passou por cima tanto de um lado quanto do outro e impôs a preparação concreta de uma revolta armada. A ideia foi anunciada em 23 de março de 1954, data de nascimento do Comitê Revolucionário pela Unidade e Ação (CRUA). Antes disso, em fevereiro, Messali tinha sido procurado por Moustapha Ben Boulaid, um dos nove fundadores do CRUA, mas desdenhou aquilo que classificou de planos de “amadores”. Todavia, hoje sabe-se que ele próprio planejava uma insurreição – mas com qual grau de convicção ? –, por volta de 15 de novembro de 1954.
Começou então uma corrida entre as duas facções, que apesar de compartilharem o mesmo ideal e terem estratégias semelhantes, não entravam num acordo sobre a data. Evidentemente, essa não era uma questão instransponível, mas dois fatores foram determinantes para o desacordo. Na França, o então ministro do Interior, François Mitterrand, aparentemente bem informado, decidiu em setembro transferir Messali para uma nova prisão domiciliar, em Sables-d’Olonne, aumentando ainda mais seu isolamento. No Egito, onde o CRUA havia instalado uma base de operações, Gamal Abdel Nasser, no poder desde 23 de julho de 1952, forçou a expulsão de Messali, considerado menos maleável do que os jovens nacionalistas, dentre os quais Ahmed Ben Bella – quem em 1962 se transformaria no primeiro presidente da Argélia independente.
A revolta explodiu no dia 1º de novembro. Um novo nome marcava a ruptura com o passado : Frente de Libertação Nacional (FLN). Quanto a Messali, ele fundou um partido que rapidamente se tornou concorrente da FLN : o Movimento Nacional Argelino (MNA). Tinha então início um dos episódios mais dolorosos dessa revolta. Em alguns meses, a partir de 1956, a confrontação entre nacionalistas ganhou proporções inéditas de violência. Todas as fontes históricas são unânimes em afirmar que a FLN é que provocou os primeiros enfrentamentos, com o objetivo de conquistar a supremacia detida havia décadas pelo messalismo. Na Argélia, a FLN destruiu supostas bases do MNA, como por exemplo a aldeia de Melouza, onde trezentas e quinze pessoas foram assassinadas só no mês de maio de 1957 – massacre evidentemente utilizado pela propaganda francesa.
Na metrópole, apesar do desgaste e do isolamento do velho dirigente, o trabalho de quatro décadas tinha conquistado para o messalismo a simpatia da imensa maioria da comunidade imigrante. Em 1957, para impor sua concepção de revolução, a FLN decidiu assassinar os dirigentes do MNA. Depois de um período de hesitação, marcado por um apelo solene de Messali (“Esses assassinatos e crimes multiplicam-se diariamente, apesar de todos os nossos compatriotas lutarem pelo mesmo objetivo”, 1º de setembro de 1957 ), ele revidou.
Naquela guerra civil desencadeada no interior da Argélia – por vezes atiçada pela França colonial –, o historiador Gilbert Meynier estima em quatro mil o número de vítimas na metrópole , divididas em três grupos mais ou menos equivalentes : um terço de vítimas do MNA, feitas pela FLN, um terço de vítimas da FLN, feitas pelo MNA, e um terço de argelinos que se recusavam a aceitar as injunções de uma e outra facção .
Os messalistas foram derrotados em 1957 na Argélia, e a partir de 1959-1960 na metrópole. Do lado do MNA, a luta cessou por falta de combatentes : a FLN tinha conseguido impor sua hegemonia. Em 1959, quando o regime de De Gaulle decidiu pôr fim ao exílio de Messali, quem se refugiou numa pequena casa em Chantilly, na região parisiense, foi um homem derrotado e abatido, que deveu sua sobrevivência – vergonha suprema – à proteção discreta da qual beneficiou, por parte do Estado que naquela mesma época promovia uma guerra contra seu povo.
Quais tinham sido os dois eixos da linha política de Messali, durante toda a vida? A conquista da independência e a manutenção da solidariedade entre os três povos do Maghreb, na luta e na posterior liberdade recuperada. Em 1962, ele tinha bons motivos para se sentir amargurado. A independência havia sido alcançada, era verdade, mas à custa de seu afastamento. A Argélia com a qual ele sonhava, assentada sobre um movimento operário forte, respaldada na experiência política acumulada no período de imigração e das lutas políticas nunca chegou a nascer. O que ele tinha sem dúvida pressentido, a rápida tomada de assalto do poder por uma casta militar-burocrática, aconteceu bem diante de seus olhos, reforçada inclusive pelo golpe de Estado de Houari Boumediene, em 19 de junho de 1965. E a historiografia oficial exaltava os novos donos do poder, negando a contribuição fundamental do messalismo para o movimento nacional argelino.
Messali Hadj sonhou com a unidade dos três países do Maghreb, o que também não aconteceu. Depois de se tornarem independentes, a Tunísia de Bourguiba, o Marrocos de Mohammed Ben Youssef e a Argélia de Ben Bella tomaram cada um seu próprio caminho, chegando inclusive a lutar um contra o outro. Messali Hadj morreu em 3 de junho de 1974, sem jamais regressar à Argélia.
*Alain Ruscio é historiador. Sua obra mais recente é Histoire de la colonisation: réhabilitations, ralsifications et instrumentalisations, co-dirigida por Sébastien Jahan, Paris Les Indes Savantes, 2007.