‘Meu nome é Laura’, de Alex Andrade: entre a delicadeza e a brutalidade do cotidiano
Resenha crítica do novo romance, do autor Alex Andrade explora os desafios que uma mulher trans enfrenta na sociedade atual
Um garoto faz descobertas sobre si. A mãe reage com crueldade. Os colegas da escola partem para a agressão. Os avós recorrem ao moralismo religioso. O pai tenta proteger a criança e ajudá-la a enfrentar um mundo bastante hostil. Essa dinâmica repleta de movimento, trauma e violência norteia Meu nome é Laura, novo romance de Alex Andrade, publicado pela Confraria do Vento.

A narrativa é dividida em três partes e aborda, num primeiro momento, a infância de Pedrinho, um menino que enfrenta sérios problemas quando reconhece a própria homossexualidade. Antes mesmo de encarar a descoberta, lida com os abusos da mãe, uma mulher que enxerga os papéis de gênero de forma bastante limitada e se irrita toda vez que encontra no filho algum traço feminino.
O avô e a avó adotam discurso parecido. Explicam o mundo a partir da lógica católica e condenam tudo aquilo que se afasta de seus dogmas. O pai, por outro lado, é o único que o acolhe. Sabe o que está acontecendo e entende o quanto o mundo será cruel com Pedrinho.
O pai, aliás, é um personagem não só bem construído, mas muito relevante para discussões sobre masculinidades. Seu apoio ao filho exemplifica bem isso, por não se tratar de algo demagógico, mas sim de uma compreensão genuína, carinhosa e livre de preconceitos.
A mãe, em contraposição, repudia cada gesto do garoto e o enxerga como uma aberração. Exige, por diversas vezes, que “seja homem”, assim como fazem os truculentos colegas de Pedrinho na escola, em meio a agressões físicas e verbais.
Pedrinho se sente deslocado por bastante tempo, até que encontra em uma amiga a possibilidade de ser quem realmente é. Passa a desenhar roupas femininas, a experimentar (às escondidas) maquiagens e vestidos e a vivenciar uma nova versão de si.
Na terceira e última parte, transiciona. Agora é Laura, uma mulher que segue à procura do seu lugar num mundo que ainda não a aceita, não a respeita e ainda impõe a prostituição como única possibilidade de sustento. Pouco a pouco, no entanto, Laura encontra diferentes perspectivas e meios para ser feliz – ainda que boa parte do país odeie pessoas trans.
O que Alex Andrade faz em Meu nome é Laura é surpreendente. Constrói uma narrativa sobre angústia e sofrimento, mas também sobre descoberta e aceitação. Suas personagens são profundas, inteiras, complexas e vêm acompanhadas por uma linguagem capaz de evidenciar a delicadeza e a brutalidade que coexistem no cotidiano.
O autor – que foi semifinalista do Prêmio Oceanos em 2023 pelo também excelente Para os que ficam (Confraria do Vento) – demonstra ter estilo próprio bem definido, um olhar atento às múltiplas camadas do preconceito e a técnica necessária para construir um texto que leva leitores e leitoras a experimentar sensações como o desamparo e a solidão. Em Meu nome é Laura, Alex Andrade demonstra mais uma vez porque está entre os escritores mais talentosos da nova geração da literatura brasileira.
Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá), Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e De repente nenhum som (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.