Em novo livro, Alex Andrade explora a rejeição familiar e a identidade de gênero
‘Meu nome é Laura’ conta a história da vida de Laura, uma mulher trans que enfrenta diversos desafios ao longo de sua jornada, desde a infância até a vida adulta
A família tem um papel essencial na formação do indivíduo, mas isso nem sempre quer dizer que se deve aceitar um lugar onde o preconceito e o abuso estão presentes. Em seu novo romance, Meu nome é Laura, Alex Andrade explora a descoberta de Pedrinho como uma mulher transsexual e a rejeição de sua família.

O início da história é narrada por Pedro, pai de Laura, e filho de Pedro Pacheco, que fala sobre as dificuldades que sofreu na infância por ter um pai alcoólatra, abusivo e que foi pouco presente em sua vida: “ele não teve muito tempo para criar a gente como a minha mãe esperava, às vezes sumia no mar por quinze ou vinte dias, e na escola ninguém sabia quem era meu pai”. Mesmo ausente, Pedro Pacheco aconselhava os filhos a serem corajosos e não terem medo do mundo – “Antes de embarcar, reunia os três filhos e dizia: Se acontecer alguma coisa do mar me levar, sigam os seus caminhos sem temer, olhem para frente de cabeça erguida e não percam a coragem de enfrentar o mundo.”
A leitura do romance prova a semelhança entre pai e filho, pois durante todo o processo de crescimento de Pedrinho, Pedro aconselha o filho a seguir suas vontades e ser quem é. Ele é o único que ajuda durante a transição e respeita as suas decisões. “E Pedro era um pai como outro qualquer, e não havia sinal de culpa ou medo diante do que poderia acontecer, mas havia, como sempre, as outras pessoas e um mundo inteiro para nos acusar, nos remediar, nos limitar, e para nós mandarmos para o inferno com todo o preconceito.”
Para Alex, é importante entender que cada pessoa vem ao mundo para viver a sua história: “quando chega na parte da infância, a maior preocupação que a gente tem que ter com a formação dessa criança é o cuidado, o olhar atento e a atenção em cada palavra que a gente diz para a criança”. O autor vai mais a fundo sobre esse assunto e traz um mergulho nas relações de todos os personagens desde a primeira infância: “todos os personagens dessa história trazem a carga do que foi dito para eles, o que eles vivenciaram, quando eram crianças. Isso foi muito importante para esses personagens e também para o leitor entender essa dinâmica da vida. Praticamente engatinhar, crescer e sobreviver.”
Sendo um livro que analisa questões sociais, o último capítulo é o que mais chama a atenção do leitor: “quando Pedrinho passa pela transição, quando começa o capítulo ‘Laura’, sutilmente há uma abordagem da prostituição, porque é um caminho que ajuda a escapar da miséria, da pobreza e da rua. Quando ela vai para esse processo da prostituição, porque é o único meio que tem ali de sobrevivência. Esse é um pedaço muito duro para mim, me questiono por que só tem esse caminho? E sabemos que é por conta do preconceito”, explicou Alex.
Além disso, assim como visualizamos na sociedade, a religião sempre está presente em debates quando se fala sobre a aceitação da família. Desde o início do livro, a mãe e os avós de Laura estão extremamente vinculados à igreja e, ao descobrir uma filha e neta trans, a consideram como uma aberração para a sociedade cristã – “Esta criança está sendo puxada em duas direções. Esta batalha é sua Senhor. Toma meu filho em Teus braços. Confiamos em Ti porque não há melhor lugar e mais seguro do que as Tuas asas onipotentes. Mostra a ele a verdade da Tua palavra e liberta-o. Pelo Santo Nome de Jesus”

Créditos: arquivo pessoal do autor
Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, Alex Andrade conta sobre o processo de produção do livro e o que espera da sua nova obra:
Alex Andrade, você traz questões que ainda são um tabu para a sociedade. Qual é a importância de escrever sobre esse assunto para uma sociedade em que o machismo está consolidado desde os primórdios?
Para mim é muito importante falar nesse assunto, principalmente, porque nós vivemos num momento político social muito extremista. A gente está vivendo numa sociedade extremista e eu acho que precisamos mostrar para as pessoas que existe o lado de lá e existe o lado de cá. É preciso respeitar os dois lados. Eu acho que não tem que ter enfrentamento, mas sim o entendimento. Enquanto as pessoas não entenderem que as outras pessoas podem fazer o que quiserem com o corpo delas, vamos precisar continuar mostrando e criando histórias para mostrar à essas pessoas que existem vontades diferentes das delas, e isso é muito importante. Isso é importante para que eu possa mexer com a cabeça das pessoas, para causar uma reflexão.
Como foi o processo de criação dos personagens?
Delicado! Foi um processo de muita pesquisa e muito cuidado para tocar no assunto que não é da minha fala, mas eu tentei trazer o assunto com muita delicadeza, com muita poesia. Apesar de que não tem poesia nenhuma na realidade dessas pessoas, é duro. O Brasil é um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+. Então eu acho que esse processo nunca vai ser fácil, e não vai melhorar agora. É um caminho que vai levar muito tempo.
A vida de Laura foi inspirada em algo? Qual foi o sentimento que despertou em você quando fez essa personagem?
A vida de Laura é inspirada na vida das pessoas e do meu olhar. Eu sempre fui uma criança que queria saber o porquê de tudo. Eu era muito observador, então cresci sendo uma pessoa que questionava as coisas, então a vida de Laura é sobre o questionamento da vida e histórias das pessoas. O processo de criação dessa personagem foi inspirado no meu olhar, as pessoas que estão lutando pelos seus direitos, pelo seu espaço no mundo.
Qual é a sua escritora brasileira de referência?
Eu tenho vários escritores brasileiros de referência, mas a minha maior referência ainda hoje, apesar de parecer redundante que todo mundo tem a referência é a Clarice Lispector e a Lygia Fagundes Telles, são duas mulheres que eu sempre li a minha vida inteira. A minha literatura sempre foi calcada nas histórias que as mulheres escreveram, então a minhas referências são essas mulheres.
Ao escrever esse livro, qual é a reação que espera dos leitores?
Eu espero que as pessoas entendam as histórias das pessoas e compreendam. Mesmo em 2024, ainda precisamos aprender e refletir sobre um assunto que não começou ontem. É uma história que já acontece há muitos e muitos anos e a gente ainda não entendeu. Muitos ainda não aceitam, e não queremos trazer isso para nós. Por esse motivo, muitas pessoas transexuais são marginalizadas. A nossa sociedade não abre espaço e não quer que elas estejam no mesmo ambiente.
Como o livro aborda a questão da auto aceitação e da identidade?
Através do seio da família. Porque eu acho que a família é o seio de tudo, é o centro de tudo. Todos os meus livros tem a família, porque eu acho que a família é um assunto que não se esgota. Nessa questão da Laura da autoaceitação e da identidade vai se construindo no seio familiar, então a Laura é um reflexo de tudo aquilo que ela ouviu que ela vivenciou. Nós somos o reflexo de tudo aquilo que a gente ouviu e que vivenciamos. A família pode destruir, como ela pode também engrandecer
***
Através de uma história sensível, Alex traz em Meu nome é Laura uma visão sincera sobre a aceitação da própria identidade, lembrando sempre do grande preconceito que a transexualidade carrega.
Maíra Oliveira Graça é parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.