Mineração e taxonomia: é possível considerar o setor sustentável?
O setor de mineração, depois do agronegócio, é o que mais impacta a biodiversidade terrestre, que é fonte de captura de gás carbônico, mitigando assim as mudanças climáticas
O governo brasileiro está elaborando uma classificação de atividades econômicas que devem ser consideradas sustentáveis, começando por aspectos climáticos e de redução da desigualdade. Há uma consulta pública aberta desde 16 de novembro, que se encerra em 31 de março, e que inclui o setor de Mineração, para a chamada “Taxonomia Sustentável Brasileira”.

Crédito: José Cruz/Agência Brasil
Ao saber disso, é natural que uma das primeiras coisas que venham à mente sejam os desafios de tornar o setor, com altíssimos riscos e impactos negativos, sustentável. Pensamos em mitigação de riscos, como o rompimento de barragens, rejeitos e escorregamento de pilhas, em formas alternativas de destinação de rejeitos (que não sejam as barragens ou pilhas), no descomissionamento (esvaziamento) de barragens inativas (para eliminar o risco de seu rompimento), na recuperação de áreas exauridas, na compensação de desmatamento e uso de água, na descontaminação do solo e da água, e nos riscos relacionados ao rebaixamento de lençóis freáticos (que está sendo autorizado em Minas Gerais).
Podemos pensar, à luz das mudanças climáticas, na necessidade de reforçar as estruturas das barragens e seus taludes, pois elas foram projetadas para um volume de chuvas muito inferior às máximas pluviométricas atuais, a fim de evitar o risco de rompimentos. Isso vale também para o novo método de destinação de rejeitos que vem se expandindo, as pilhas de rejeitos, que podem facilmente deslizar, dependendo do volume de chuvas (e isso já aconteceu no episódio da Vallourec em Minas Gerais, em janeiro de 2022, que levou ao transbordamento de um dique).
Entretanto, não é essa a lógica que permeia a proposta de Taxonomia para o setor de Mineração que está submetida à consulta pública. Na realidade, a proposta busca considerar a extração de determinados minerais como sustentável, nomeadamente minerais críticos para a transição energética e que existem no Brasil. A lista inclui lítio, nióbio, níquel, cobre, terras raras, grafite, alumínio e ferro. Todavia, no caso dos dois últimos, além de não serem minérios raros, são substituíveis, e as possibilidades de seu uso são múltiplas e muito mais amplas do que a fabricação de equipamentos para a transição energética, de modo que não se justifica a inclusão.
Ao mesmo tempo, embora a proposta traga requisitos de não causar dano a outros objetivos ambientais para que a extração desses oito minerais seja considerada sustentável, o fato é que, para a extração de qualquer mineral, é preciso incluir na Taxonomia atividades capazes de “esverdear” o setor, mitigando riscos e reduzindo impactos negativos evitáveis.
Um dos riscos mais relevantes diz respeito aos eventos extremos relacionados às chuvas. Sobre esse tema, a Resolução ANM 095/22, no seu artigo 24, regulamenta o dimensionamento dos sistemas extravasores de água das barragens e o baseia em chuvas decamilenares (ocorridas nos últimos 10 mil anos) ou PMP (Precipitação Máxima Provável). Ocorre que, de acordo com a FEAM (órgão ambiental de Minas Gerais)[1], as barragens de mineração no Estado resistem a um máximo de 350 mm/dia quando calculados pelo critério de chuvas decamilenares, ou 400 mm/dia quando calculados pela PMP. Isso significa que são estruturas insuficientes para resistir ao volume de chuvas que temos visto recentemente, como, por exemplo, 534,4 mm em 24 horas, em Petrópolis, em fevereiro de 2022; 683 mm em 24 horas em São Sebastião/Bertioga, em fevereiro de 2023; 417 mm em 12 horas, em Santa Cruz de Cabrália, em abril do mesmo ano.
Além disso, é injustificável que barragens de rejeitos inativas (ou seja, que já não recebem mais rejeitos da operação) permaneçam oferecendo um risco permanente de rompimento. É importante que as despesas feitas pelas mineradoras para a redução de riscos sejam enquadradas como sustentáveis, tais como: a) descomissionamento de barragens de rejeitos inativas; b) medidas que aumentem a frequência ou a qualidade do monitoramento da segurança de barragens e pilhas de rejeitos e estéreis; c) obras de reforço da segurança das estruturas de destinação de rejeitos, sejam barragens e seus taludes frontais e laterais, ou pilhas de rejeitos e estéreis. Para essas obras, deve-se utilizar o cálculo atualizado dos sistemas de extravasamento de águas pluviais, considerando os cenários climáticos plausíveis para o período previsto para a vida ativa da barragem ou permanência da pilha de rejeitos, e também as erosividades decorrentes das chuvas.
Vale lembrar que o setor de mineração, depois do agronegócio, é o que mais impacta a biodiversidade terrestre, que é fonte de captura de gás carbônico, mitigando assim as mudanças climáticas. Além disso, também tem um alto consumo de água, sendo que a escassez hídrica é o principal resultado do aumento médio da temperatura. Portanto, é importante que a Taxonomia inclua atividades que mitiguem essas consequências negativas na biodiversidade terrestre e hídrica, tais como a reciclagem e a recuperação de metais das águas residuais, e o deságue dos rejeitos antes do depósito em barragens ou pilhas.Para eliminar os riscos associados às barragens e, em menor grau, às pilhas de rejeitos, devem ser adotadas destinações alternativas dos rejeitos de minérios, em substituição às barragens, como o seu reaproveitamento na construção civil (tijolos, areia bruta, base e sub-base de pavimentação asfáltica), o aproveitamento energético de resíduos (incineração, desde que adotados os limites legais para evitar poluição atmosférica e emissões de gases de efeito estufa) e o depósito de rejeitos em cavas exauridas previamente impermeabilizadas.
Da mesma forma, é preciso exigir que não sejam admitidos na extração mineral rebaixamentos dos lençóis freáticos que não se comprovem tecnicamente reversíveis, dados os danos que isso ocasiona às águas superficiais e subterrâneas, tanto no presente quanto no futuro. Por fim, é necessário incluir também a reabilitação ambiental de áreas de minas encerradas, viabilizando outros usos para o espaço, o que já é exigido pela legislação brasileira, mas raramente é cumprido.
Luciane Moessa é Diretora Executiva e Técnica da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS).
Júlio Grillo é Vice-Presidente do Fórum Permanente do São Francisco.
[1] Vide Anexo 4 – página 130 da NT-06-2023 do FPSF. Disponível em: https://www.forumsaofrancisco.eco.br/biblioteca/notas-tecnicas/1