Miscelânea
A CRISE DO VALOR DE TROCA
Robert Kurz, Consequência
O público brasileiro ganha tradução inédita de um texto fundador da crítica do valor (wertkritik), assinado por aquele que foi seu principal expoente, Robert Kurz. O ensaio A crise do valor de troca foi publicado originalmente em 1986 no primeiro número da revista Marxistische Kritik – o editorial do número acompanha o volume como anexo. Vemos nesse texto como o pensamento de Kurz ganhou impulso por meio da observação das transformações históricas do capitalismo, que o autor tinha sob seus olhos: “o objetivo deste texto consiste em apresentar […] o limite lógico absoluto e o limite histórico do capital como consequência do mais recente e qualitativamente novo estágio de socialização capitalista” (grifo meu).
As crises advindas ao longo da década de 1970 anunciavam o fim da concertação econômico-estatal que parecia ter estabilizado as contradições da sociedade capitalista. Entre essas crises, destacava-se a do trabalho, o desemprego em massa como consequência do processo de automatização das tarefas produtivas, agora alçado a novo patamar qualitativo com a invenção da microeletrônica. Enquanto muitos se limitavam a discutir essas transformações sob o limitado prisma da política, Kurz debruçou-se sobre a cientificização do trabalho para entender suas contradições mais profundas. Percebeu, então, que as transformações em curso traziam o aparecimento de uma forma de trabalho materialmente produtivo, porém improdutivo quanto à criação de valor. Essa modificação histórica tornava mais visível aquela que seria a contradição essencial da história do capital: “a contradição entre produtividade material, por um lado, e o caráter do valor ou de mercadoria, por outro”.
Nascia assim uma teoria crítica que percebia na discrepância entre a forma-valor e a produtividade material o limite objetivo do capitalismo. Assente na redução do trabalho vivo, a expansão da produção significaria inversamente uma redução constante da massa de mais-valia, razão pela qual a teoria de Kurz se tornaria cada vez mais uma teoria da crise – bastante distinta das antigas teorias do colapso – e que vemos se desenvolver no segundo texto que compõe esse volume: “Tudo sob controle no navio a pique: superacumulação, crise da dívida e política” (1989). O livro é o primeiro de uma série de novas traduções de Robert Kurz que sairão pela editora.
[Gabriel Ferreira Zacarias] Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
POLÍTICAS TERRITORIAIS, EMPRESAS E COMUNIDADE – O NEOEXTRATIVISMO E A GESTÃO EMPRESARIAL DO “SOCIAL”
Henri Acselrad (org.), Garamond
A ruptura da barragem da mina Córrego do Feijão, da empresa Vale, colocou em discussão toda a estrutura de regulação dos impactos de grandes empreendimentos. Esse desastre político revelou, mais uma vez, o descaso com que empresas mineradoras tratam as populações locais, ignorando os alertas de defensores de direitos socioambientais e deixando ao abandono as próprias vítimas dos desastres, como já sabido no caso da Samarco. O que o livro pretende discutir são as políticas empresariais adotadas para lidar com as comunidades atingidas por seus projetos extrativos. Se essas comunidades são desconsideradas em seus direitos após os desastres, o que dizer das políticas “sociais” das empresas adotadas antes deles? Em que medida as políticas empresariais com relação às comunidades não estariam comprometendo a capacidade da sociedade de debater livremente as condições de implantação de tais negócios e de prevenir seus riscos? Em que medida as atividades empresariais destinadas a antecipar e pretensamente “resolver” os conflitos desencadeados por seus empreendimentos não estariam neutralizando, em seu nascedouro, as condições democráticas de ocupação dos territórios, no respeito aos direitos básicos das populações atingidas por tais projetos e na prevenção de desastres?
Os trabalhos reunidos nessa coletânea discutem tanto a expansão dos projetos extrativos no mundo como o poder excepcional assumido pelas empresas multinacionais da mineração na esfera política, ao ponto de elas interferirem nas atribuições próprias aos Estados-nação e nos modos de vida das comunidades atingidas. As interferências nas máquinas estatais são aquelas que têm resultado na facilitação imprevidente da concessão de licenças de instalação e operação, em adequações casuísticas da legislação ambiental, na diminuição do valor de multas, na precarização das ações de fiscalização etc. A gestão empresarial do “social”, associada a discursos de “governança”, “responsabilidade social” e “investimento social privado”, tem, por sua vez, configurado formas de “governo indireto” que tendem a enfraquecer a disposição do Estado e da sociedade civil de discutir e influir na concepção dos projetos de mineração, assim como no tipo de desenvolvimento que eles encarnam. Essas questões de grande atualidade são, nesse livro, discutidas tendo por base estudos de caso da empresa Vale e de outras empresas mineradoras no México, na Argentina, no Peru e na República Democrática do Congo.
[Gustavo Schiavinatto Vitti] Geógrafo e doutorando em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ).
<INTERNET>
Novas narrativas da web
Sites e projetos que merecem seu tempo
Sem açúcar
Antonio Rodríguez Estrada é um fotógrafo madrilenho entusiasta da alimentação saudável. A forma que encontrou para juntar suas paixões foi um projeto em que tira fotos de alimentos ao lado do que seria a quantidade de açúcar em cada um deles, empilhada em torrões. A indústria de alimentos, sem dúvida, é uma das responsáveis pela epidemia de obesidade nos países ocidentais. Um alerta antes de entrar no site: talvez você pense duas vezes antes de comprar um refrigerante, um achocolatado ou um iogurte.
<www.sinazucar.org>
Detox digital
Em meia hora, ou menos, por dia, você estará a caminho de uma vida digital mais saudável e sob controle. Essa é a proposta do Data Detox Kit, feito pelo Glass Room London em 2017, com a curadoria do Tactical Technology Collective e apresentado pela fundação Mozilla – essa mesma, do navegador Firefox. A ideia é que você perceba a intersecção entre tecnologia, direitos humanos e liberdades civis, e como tudo isso faz parte do seu dia a dia na rede. Segurança digital, privacidade e ética dos dados não são levados muito a sério em nenhuma parte do mundo, e talvez menos ainda no Brasil. Um bom começo é você saber quais são suas pegadas digitais.
<https://datadetox.myshadow.org>
Treepedia
Restam poucos governantes no mundo que ainda duvidam do aquecimento global. Assim, cidades no mundo todo têm buscado aumentar suas áreas verdes, com diferentes estratégias – não apenas para salvar a espécie humana, mas porque trazem incontáveis benefícios e qualidade de vida aos habitantes. O Massachusetts Institute of Technology (MIT) criou um índice capaz de comparar o verde visto nas cidades do mundo. Ele mede a área verde no nível nas ruas, e não parques e grandes bosques urbanos. Por enquanto, apenas algumas cidades do mundo estão mapeadas. São Paulo é uma delas, com 11,7% no Green View Index. A título de comparação, Nova York tem 13,5%; Amsterdã, 20,6%; e Paris, 8,8%.
<http://senseable.mit.edu/treepedia>
[Andre Deak] Diretor do Liquid Media Lab, professor de Jornalismo da ESPM, mestre em Teoria da Comunicaçã