‘Moderna pelo Avesso’ reflete passado e presente

PAÍS DE CONTRADIÇÕES

‘Moderna pelo Avesso’ reflete sobre semelhanças entre o passado e o presente

por Carolina Azevedo
13 de setembro de 2022
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Exposição do IMS Paulista investiga as contradições dos processos de modernização das capitais brasileiras através de fotografias e filmes das primeiras décadas do século 20 no Brasil

A exposição “Moderna pelo Avesso”, do Instituto Moreira Salles, investiga as contradições dos processos de modernização das capitais brasileiras por meio de fotografias e filmes das primeiras décadas do século 20 no Brasil. Com curadoria de Heloisa Espada, professora doutora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e curadora do IMS desde 2008, a exposição reúne 311 itens, entre filmes, revistas e fotografias em diversos formatos, de cartões-postais a estereoscopias.

Descrita pela curadora como um “ensaio visual”, a exposição convida o espectador a refletir sobre a sociedade urbana dos dias de hoje em relação ao bicentenário da excludente independência do Brasil e o centenário da controversa Semana de Arte de 22. Resgatando imagens de um período menos presente na historiografia, que raramente chegam ao público, a curadoria propõe um olhar panorâmico sobre as reformas urbanas que, associadas à belle époque e à modernização da Primeira República, deram forma a capitais como Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Belém. 

Castello um aspecto das casas e seus habitantes, Rio de Janeiro, RJ, c. 1920. (Guilherme Santos/Museu da Imagem e do Som Rio de Janeiro)

 

No mundo das artes, o período englobado pela exposição – de 1890 a 1930 – foi marcado pela Semana de Arte de 1922, que ocorreu em São Paulo e reuniu os principais nomes da história da arte e da literatura nacional, de Oswald de Andrade a Anita Malfatti. Em comemoração aos 100 anos de independência, o evento propunha a criação de uma arte essencialmente brasileira, mas acabou por notabilizar uma elite branca do sudoeste de um país cujo sistema excluía, menos de 35 anos após a abolição, pretos, pardos e indígenas.

Praça Antônio Prado durante a estada do presidente Afonso Pena, São Paulo, 1908. (Autoria não identificada. Acervo da Fundação Energia e Saneamento)

Também ficaram de fora do evento as produções fotográficas e audiovisuais que começavam a tomar conta do imaginário popular da sociedade urbanizada através de cartões postais, de revistas ilustradas e da produção amadora. Como explica Heloisa, “a Semana de 22 é muito importante mas é só uma semana. É muito limitado pensar sobre Modernismo no Brasil a partir dela. O erro é ler a arte moderna brasileira pela semana.” A partir dessa análise do mundo da arte pensa-se no processo de modernização do Brasil, que se constrói, no mesmo período, sobre contradições e desigualdades.

Estudado pela equipe de curadoria durante mais de dois anos, o recorte temporal foi escolhido por representar o desenvolvimento formal da fotografia como meio de “traduzir a experiência de vida na cidade” a partir de duas perspectivas, a oficial e a popular, em uma tentativa de “olhar de forma mais panorâmica” para a história da modernização do Brasil.

Demolição do morro do Castelo, Rio de Janeiro,1922 (Augusto Malta. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo IMS)

De um lado, os álbuns oficiais e filmes publicitários registravam cidades como as europeias – como lembra Heloisa, Belém era a Paris dos Trópicos, Recife, a Veneza Americana, e o Rio de Janeiro foi destruído para abrir caminho para as reformas napoleônicas do presidente Rodrigues Alves. Do outro, o cinema de vanguarda, representado por filmes como “Limite” e “Tormenta”, e a fotografia de rua, por fotógrafos como Guilherme Santos e Francisco Rebello, documentavam pessoas sendo despejadas e edifícios históricos demolidos.

Colocadas lado a lado pela primeira vez, produções oficiais e representações marginais da vida nas ruas, feiras e fábricas das grandes cidades, antes dispersas em acervos mal catalogados, possibilitam um novo olhar para o processo de formação do país, que reflete na vida urbana dos dias atuais. “As coisas que reunimos aqui não estavam conectadas, procurei colocar lado a lado o que estava disperso para tentar olhar de forma panorâmica para esse recorte da sociedade. A ideia é mostrar a propaganda do governo, a fotografia da burguesia, as casas de famílias do Rio de Janeiro, ao lado de fotografias de operários, do trabalho infantil, da primeira greve geral de São Paulo”, conta a curadora da exposição.

Homens conversando em banco de praça, São Paulo, 1910. (Vincenzo Pastore/Acervo IMS)

 

No contexto do bicentenário da independência e na véspera de uma eleição marcada por violência e exclusão, a exposição reverbera o questionamento “independência para quem?” ao ver que todo o processo histórico de formação do Brasil desde então se deu “pelo avesso”. Como afirma a curadora, “olhamos para o passado para falar sobre o presente, entender o que a gente vive hoje.” 

​​Em um país cujo Estado não se importa com a preservação de sua arte e história – como exemplificado pelo incêndio que há pouco mais de um ano atingiu a Cinemateca Brasileira, a qual, reaberta, serviu como fonte para todos os filmes que compõem a exposição – “Moderna pelo Avesso” aponta para a “persistência de semelhanças incômodas entre o passado e o presente do país que pensava ter um futuro brilhante”, espelhando imagens que confundem o Brasil de 1922 com o de 2022.

Carnaval, sombra de folião, praça da Independência, Recife, 1928. (Coleção Francisco Rebello)

“Moderna pelo avesso: fotografia e cidade, Brasil, 1890 a 1930” fica em cartaz de 13 de setembro até 26 de fevereiro de 2023, de terça a domingo, no IMS Paulista (Avenida Paulista, 2424) com entrada gratuita.

Carolina Azevedo faz parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.



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