Moeda, a cristalização do político
A partir de 1o de janeiro de 2002, sugere-se um “plebiscito espontâneo, maciço, pluri-diário, até a decisão final”: a eliminação de uma “moeda privatizada pelos eurocratas, os banqueiros centrais e o Banco Central Europeu”. AguardemosBernard Cassen
O livro de Bertrand Renouvin e Sylvie Fernoy1 começa lembrando as violentas altercações, 24 horas antes do desembarque na Normandia (6 de junho de 1944), entre De Gaulle, Churchill e Eisenhower, os dois últimos determinados em implantar na França libertada ? bem como na Itália ? uma administração militar “aliada” (Amgot) e, no lugar do franco, uma “moeda adicional”, impressa em Washington. Ambos os planos foram recusados pelo chefe da França Livre.
Os autores analisam com habilidade a origem sagrada da moeda e sua função simbólica, dissecando a história da construção européia durante 50 anos
Para os autores, o euro, tão desprovido de legitimidade como os “falsos dólares” da época, está sendo levado a ter o mesmo destino: a rejeição popular. Analisando com habilidade a origem sagrada da moeda e sua função simbólica, dissecam a história da construção européia durante quase meio século, para mostrar que o euro, contrariamente ao dólar, e por falta de um poder europeu soberano (aliás, impensável na situação atual), não corresponde a nenhum dos critérios clássicos. Ao contrário, baseando-se em citações de numerosos autores liberais ? que ficam felizes com isso ? mostram que é uma arma poderosa de regressão social e democrática. A partir de 1o de janeiro de 2002, os autores aconselham um “plebiscito espontâneo, maciço, pluri-diário, até a decisão final”: a eliminação de uma “moeda privatizada pelos eurocratas, os banqueiros centrais e o Banco Central Europeu”. Aguarde a resposta em algumas semanas.
Caricaturando a anti-globalização
Henri Bourguinat, grande especialista em finanças internacionais, se reporta para além da implantação do euro fiduciário, ao questionar suas relações com a nota verde que, com recessão e terrorismo ou não, permanece obstinadamente “forte” 2 , pelo menos pelo tempo que Washington tiver decidido. Vêm, em seguida, análises detalhadas da dolarização ? de direito ou de fato ? de muitas economias, que o levam a uma reflexão sobre a idéia de uma moeda universal já prevista por Keynes, com o bancor. Mas essa moeda não seria simplesmente o dólar? É, de fato, um dos três cenários evocados pelo autor ? que se abstém de optar ?, sendo os dois outros a confirmação do atual binômio desigual dólar-euro e o terceiro, altamente improvável, o do surgimento do “um para um”: 1 dólar=1 euro=100 ienes (ou 1 iene “pesado”).
Favorável a uma certa forma de regulamentação global, Henri Bourguinat examina de passagem, não sem uma dose de simpatia, mas também com muito ceticismo, o impacto dos movimentos anti-globalização. Sobre a medida emblemática que é a taxa Tobin, constata que sua viabilidade técnica não apresenta problemas insuperáveis. Mas por que caricaturar aqueles que a preconizam, atribuindo-lhes, sem qualquer prova, a opinião de que seria uma panacéia, quando para eles se trata, antes de tudo, de um procedimento político de redirecionamento da economia e das finanças a serviço do humano? Por fim, é exatamente essa consideração da importância da dimensão política ? demonstrada pelos Estados Unidos depois de 11 de setembro ? que falta num livro evidentemente erudito, mas cuja maior parte permanece acessível a um público não especializado. (Trad.: Regina Salgado Campos)
Bernard Cassen é jornalista, ex-diretor geral de Le Monde Diplomatique e presidente de honra da Atacc França.