Na interseção da cultura com a democracia o Brasil renascerá
Os impasses que se colocam diante da sociedade são tão complexos e multifacetados que não serão resolvidos por meio de disputas eleitorais, políticas e econômicas imediatas
Iniciamos esta semana o ciclo de Seminários Cultura e Democracia, que se propõe a pensar e apontar caminhos para que o Brasil possa enfrentar a grande tragédia que estamos vivendo em todas as dimensões da vida nacional.
O país está imerso em uma crise política e institucional sem precedentes. Talvez a maior desde a proclamação da República pela abrangência e profundidade dos efeitos deletérios provocados pelo golpe de 2016 e pela eleição de Bolsonaro, movimentos nutridos pelo avanço do ultraneoliberalismo e pela escalada da extrema-direita global.
Os impasses que se colocam diante da sociedade são tão complexos e multifacetados que não serão resolvidos por meio de disputas eleitorais, políticas e econômicas imediatas. Será preciso ir mais fundo para restaurar e consolidar um sistema democrático apto a corrigir nossas mazelas e a barrar o golpismo que nos assola toda vez que o Brasil adota um projeto consistente de redução das desigualdades e de superação de sua herança colonial e escravagista.
Esse processo demanda reflexão, conhecimento e elaboração. Por isso, passa pela cultura entendida como argamassa da coesão nacional, como espaço de coexistência e cooperação de identidades culturais, regionais, étnicas, de gênero e tantas outras; como ambiente de comunicação e como campo que possibilita a ressignificação de valores, de sensibilidades e de visões sobre a vida coletiva.
A partir dessa visão, o Instituto Cultura e Democracia e as fundações Perseu Abramo e Friedrich-Ebert organizaram o ciclo de seminários que está discutindo as alternativas de superação desses impasses para alcançarmos a condição de nação justa e igualitária, com inserção ativa e soberana no século XXI.
Somos uma democracia imperfeita, como lembrou o sociólogo e escritor italiano Domenico De Mais em sua palestra na abertura do evento. E, para aprimorá-la de forma a constituirmos uma cidadania forte, disse a grande filósofa Marilena Chauí, precisaremos lidar com sérios problemas e desafios como as desigualdades sociais, o surgimento do mundo virtual e o ódio ao pensamento. Depois veio Gilberto Gil, com sua lucidez e profundidade, nos chamar para a construção de uma modernidade progressista, na qual as inúmeras tarefas de construção de um Brasil e um mundo mais equilibrados sejam executadas sob a luz das utopias em permanente diálogo com as distopias.

Ao lado de Marilena, De Masi, Gil, já estiveram nas mesas dos Seminários outros grandes nomes como o ex-ministro e ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, o também ex-ministro da educação e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine.
Ainda estarão conosco o filósofo e líder indígena Ailton Krenak; o economista Luiz Gonzaga Belluzzo; a poeta mexicana Irma Pineda Santiago, representante dos povos indígenas na ONU; o presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloízio Mercadante, o professor universitário Muniz Sodré, além de vários outros ativistas, pesquisadores, estudiosos e pensadores brasileiros e estrangeiros.
Aproveito para convidar a todos e todas que quiserem participar e contribuir com suas ideias a acessarem as transmissões on-line e abertas nos sites e redes sociais dos Seminários Cultura e Democracia e de seus organizadores, diariamente das 9h30 às 12h00, até o próximo dia 19/11.
Esse processo de reflexão e elaboração sobre os laços e sincronicidades entre cultura e democracia como chave e porta para a entrada do Brasil no século XXI terá continuidade por meio de outros eventos e de conteúdos que seguiremos produzindo, reunindo e compartilhando nos próximos meses e anos.
Precisamos entender e incorporar o direito à cultura e a consolidação da democracia como centrais no projeto de emancipação do país. Essa compreensão não deve ficar restrita a aspectos institucionais do aparato político e estatal. Precisamos discutir as relações humanas e os valores que as determinam; as desigualdades sociais e as dificuldades de superá-las; a violência, o racismo, as questões ambientais; a educação; a ciência e tecnologia e todos os aspectos que envolvem a vida social e a realização individual dos brasileiros e brasileiras.
A importância da cultura para o desenvolvimento do Brasil deve ser profundamente compreendida pela sociedade. Ano que vem, estaremos celebrando os cem anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Será uma oportunidade de dimensionarmos a grandeza e os limites desse movimento de enorme repercussão na cultura e na vida brasileira durante todo o século XX. Cabe a nós, nestas comemorações, darmos consequência às experiências do passado e projetar caminhos de revitalização da cultura brasileira depois da pandemia e desse governo de extrema-direita que vamos derrotar nas urnas.
Nosso propósito, ao longo dos ciclos de Seminários Cultura e Democracia, é acolher colaborações de todo o universo intelectual, político e cultural da sociedade brasileira. Estamos buscando um diálogo com enfrentamento de ideias que, ao mesmo tempo, reconheça territórios comuns que nos ajudem a sedimentar uma base coesa em torno da democracia. Assim, teremos mais clareza e força para ajudar o Brasil a se reencontrar e a superar a distopia.
Juca Ferreira é sociólogo, presidente do Instituto Cultura e Cidadania, foi ministro da Cultura, secretário de Cultura de São Paulo e de Belo Horizonte e embaixador da Secretaria-Geral Ibero-Americana (Segib).