Não nos renderemos
Seis meses após a queda do presidente Ben Ali, a Tunísia borbulha. À espera das eleições da Assembleia Constituinte, em 23 de outubro, as forças sociais mantêm a pressão sobre o governo provisório. Entretanto, em Gafsa, no coração do país, os traços do antigo regime permanecemSerge Quadruppani
Gafsa, 13 de maio. O homem estava claramente superexcitado. Ao passar pela calçada, na altura do posto de polícia, fez um gesto brusco. Mais tarde, soube-se que ele havia quebrado o retrovisor de um dos enormes veículos quatro por quatro novos das forças da ordem. Naquele momento, tentava atravessar a rua correndo. Alcançado no canteiro central, ele foi logo atacado por quatro, depois por seis homens que o jogaram no chão e o espancaram. Arrastaram-no até a calçada e o empurraram para o interior do posto de polícia. Fathi Titay, da Liga dos Direitos Humanos de Gafsa, saltou do táxi em que nos encontrávamos e se precipitou para o interior do edifício a fim de se certificar de que o homem não sofreria mais maus-tratos.
Alguns dias depois, em Tala, no coração do Oeste da Tunísia, cidade abandonada desde sempre pela classe política e de onde partiu a revolta do final de 2010, o pai de um dos seis mortos a tiros da cidade nos mostrou uma lista: era um papel que a multidão obteve quando do saque das delegacias e que, segundo os advogados e as famílias das vítimas, revelava a identidade dos assassinos e de seus chefes. A despeito de manifestações, marchas em Túnis, um acampamento de quinze dias diante do Palácio de Justiça e promessas governamentais, nada ainda foi feito. O mesmo pessoal, as mesmas práticas do antigo regime: a mesmice não se encontra apenas na repressão, mas também na economia.
Os habitantes de Borj Lakhder, próximo à cidade de Mdhila, sentiram isso na pele. Vivem em plena zona de exploração dos fosfatos de Gafsa e, desde 2002, lutam para denunciar os danos que a atividade de uma das maiores empresas do país inflige ao meio ambiente. Novos métodos de exploração recorrendo ao uso de explosivos e do bombeamento para o rebaixamento do lençol freático tiveram, de fato, consequências sobre toda a região. Enquanto na medina de Gafsa esplêndidas piscinas romanas onde os meninos sempre se banharam secaram de uma hora para outra, nos arredores de Borj Lakhder apareceram enormes buracos lamacentos e as paredes das casas trincaram. Com as fontes secas, qualquer tipo de cultura se tornou impossível. Uma criança foi morta por uma pedra lançada por uma explosão; duas outras se afogaram em um lago de lama. Uma comissão avaliou os estragos causados nas casas; mas, entre o momento em que fixaram um valor e o pagamento, “um zero havia desaparecido”.
Conter a agitação
Os oito filhos da família Boubaker nasceram sob o regime de Zine el-Abidine ben Ali. “São essas crianças que o caçaram”, diz a mãe. A partir de 2002, eles multiplicaram suas idas e vindas à prisão, totalizando várias dezenas de anos de condenações. Entretanto, garantem, cada vez que organizam uma manifestação, eles advertem as autoridades e fazem de tudo para que não haja estragos. Sua principal reivindicação: obter trabalho na Companhia dos Fosfatos, a mesma que lhes impede de praticar a atividade agrícola tradicional. Mas lá, como em outros lugares, o sistema benalista reservava os empregos a seus aliados.
Em 2008, em Redeyef, uma cidade vizinha, um grupo de jovens desempregados decidiu ocupar o gerador elétrico que alimenta as fábricas da Companhia dos Fosfatos para protestar contra o resultado do concurso de recrutamento. A intervenção da polícia, que teria deliberadamente recolocado os cabos e ligado a energia, levou à eletrocussão de um deles. A greve, que não teve o apoio da União Geral Tunisiana do Trabalho (UGTT), o único sindicato do país, durou vários meses. Sindicalistas foram presos, torturados e condenados a pesadas penas de prisão.1Borj Lakhder “parecia Gaza”, nos diziam. A polícia cercou o local e o Exército revistou casa por casa. Os jovens Boubaker se refugiaram nas montanhas. Quando três deles foram presos, sua mãe teve de pedir ajuda aos vizinhos para financiar sua viagem às prisões por onde estavam espalhados.
Greves após a revolução
Na primavera (no hemisfério Norte) de 2011, a população de Borj Lakhder bloqueou por semanas a atividade da oitava companhia mundial de fosfatos. O movimento acabou em junho em troca de promessas de empregos. Os compromissos serão mantidos? Na mesma noite, um quadro superior da Companhia garantia que, se “essas pessoas” não são recrutadas, é por falta de competência, e que eles têm sido manipulados pelos antigos membros do Reagrupamento Constitucional Democrático (RCD, ex-partido de Ben Ali) a fim de semear a desordem.
O argumento de manipulação foi reiterado por muitas pessoas pertencentes às classes médias superiores que se beneficiavam com um emprego estável e corretamente pago sob Ben Ali, mas que acabaram se revoltando contra sua influência sobre a economia e contra a falta de liberdade de expressão. Muitos donos de empresas temem sofrer a mesma sorte do diretor geral da JAL (fabricante de calçados de segurança, 4.500 empregados), sequestrado em 24 de março durante seis horas por membros de um sindicato armados com facas e bastões quando de uma greve que ele acreditou vencer por meio de umlocaute. No seio das administrações, não é raro que os empregados peçam a saída de seu diretor-geral, como foi também o caso em 13 de junho da greve dos alfandegários. Nessas condições, os dirigentes econômicos se mostram discretos e aguardam as eleições. A polícia, desacreditada, não se afasta desses locais, exceto em Túnis, pronta para reprimir as manifestações de rua. É o Exército que desempenha um papel principal para conter a agitação, evocando a cada movimento social o imperativo da coesão nacional.
Mas nos muros de Borj Lakhder grafites em árabe proclamam: “O trabalho é nossa prioridade”, “Os jovens antes da Companhia de Fosfatos”, e enfim: “Não nos renderemos”.
Serge Quadruppani é escritor. Sua última obra publicada: La politique de la peur , Seuil, Paris, 2011.