“Não temos tempo de temer a morte”: missão Covid-19
A morte da confiança nos mercados oferece oportunidade única para um Estado empreendedor
A forma como os governos respondem à crise provocada pela pandemia da Covid-19 irá diferenciá-los em distintas trajetórias de desenvolvimento institucional. A falha épica dos mercados em gerenciar uma crise de proporções globais como essa expõe as “veias abertas” daqueles que, por incompetência ou por escolha, não investiram na construção de instituições sociais e econômicas resilientes.
No Brasil, o recrudescimento da fé dogmática nos mercados levou à redução da habilidade do Estado em gerir eficazmente situações de crise, como a que vivemos hoje. Essa perda de eficácia é resultado das escolhas nacionais feitas em anos recentes, sobretudo àquelas relacionadas à austeridade fiscal e ao desfinanciamento em áreas essenciais como saúde, educação, ciência e tecnologia.
No que se refere mais especificamente à ausência de políticas industriais e tecnológicas, a falta de clareza, de orçamento bem definido e estável e de visão estratégica de longo prazo joga contra o combate da Covid-19. Nunca foi tão importante desenvolver pesquisa de ponta e ter empresas nacionais com capacidade de reconversão produtiva em bens de alta complexidade. Na era das cadeias globais de valor, o que está fazendo diferença são as capacidades nacionais acumuladas.
Globalização
Mas, esse não é um problema exclusivamente nosso e sim, de todos que apostaram na globalização. O que irá diferenciar o sucesso de cada economia em reagir à crise será a capacidade de coordenação e de articulação nacional para o enfrentamento concomitante em todas as linhas de batalha: (i) contenção da transmissão, (ii) expansão da linha de atendimento (infraestrutura, recursos humanos e insumos) e (iii) mitigação econômica e social. Não por acaso, a maior parte dos estados está montando uma verdadeira operação de guerra: aprovação de regras de excepcionalidade, aumento extraordinário do orçamento, recrutamento de mão de obra, intervenção no mercado e restrição de mobilidade.
E qual a contribuição do setor privado e da sociedade civil nessa batalha? Na ausência de um plano estruturado, observamos uma corrida desorganizada de diversos atores para atender demandas e necessidades diversas. Os custos econômicos e sociais crescem a cada dia e essa conta impõe forte pressão sobre as ações do Ministério da Saúde, governadores e prefeitos que estão na linha de frente da contenção da transmissão. Enquanto o governo Federal insistir no falso dilema entre saúde e economia, nenhuma solução economicamente sustentável virá.
Por isso, é preciso pensar fora da caixa. O vírus já nos fez mudar nossa forma de trabalhar, de conviver, de viver. Por que não mudar também a nossa forma de fazer política? A economista Mariana Mazzucato, tem revolucionado a atuação dos estados na Europa retomando a concepção de “políticas orientadas por missões”. A principal vantagem dessa escolha é oferecer uma visão sistêmica, baseada no conhecimento científico e tecnológico de fronteira, para resolver problemas socialmente desafiadores. Diferente da visão tradicional de política pública, em que o estado é o principal protagonista da ação, em uma missão todos são chamados a responder ao desafio: governos, empresários, universidades e cidadãos. Cabe ao governo, não apenas coordenar o diálogo, distribuir tarefas, criar os incentivos necessários, mitigar consequências adversas e solucionar conflitos, mas também ser cocriador de riqueza. Os atores existem no cenário brasileiro e estão dando o show em várias frentes, mas é preciso regras claras que favoreçam que suas atuações sejam na direção necessária.
O governo Bolsonaro, porém, está longe de atuar como um “Estado empreendedor”. Um líder que não consegue coordenação dentro dos seus ministérios, não tem a menor capacidade de coordenar uma missão nacional. Um governo que não consegue superar a obsessão por um medicamento milagroso, dificilmente vislumbrará a oportunidade para geração de tecnologias e de inovação que a Covid-19 oferece. Como bem lembra Eliane Brum “o poder de devastação do vírus é determinado pelas escolhas dos governos e da população que elegeu seus governantes”. Enquanto o mundo se articula em missões para superar a Covid-19, os brasileiros precisam de uma missão para superar Bolsonaro.
Tulio Chiarini é analista em C&T do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e doutor em teoria econômica. Márcia Rapini é professora de Economia da C&T no Cedeplar da UFMG e doutora em economia industrial. Fernanda Cimini é professora de Economia Política Internacional no Cedeplar da UFMG e doutora em Sociologia.