Nas cidades rebeldes da Espanha
Na Espanha, o jovem partido Podemos pretendia “tomar o céu de assalto”: derrubar o sistema político por meio de eleições gerais. Sem sucesso. De Barcelona a Madri, passando por Valência e Zaragoza, as forças progressistas críticas da austeridade tiveram seus principais sucessos em nível municipal. Mas trocar o prefeito permitirá mudar o mundo?
Uma montanha de flores e crucifixos eleva-se na Plaza del Pilar, em meados de outubro, por ocasião da festa anual de Zaragoza. As ruas borbulham de turistas, as lojas estão lotadas: nada de soviete, nenhuma tomada do Palácio de Inverno ibérico. Aqui, como em Madri, Cádiz, Santiago de Compostela, Barcelona, Valência, Ferrol, La Coruña ou Badalona, uma “coalizão de unidade popular” formada por militantes de movimentos sociais e de vários partidos de esquerda ganhou as eleições municipais de maio de 2015. Mas, apesar dos gritos de indignação dos conservadores, alarmados por essas vitórias, a revolução é discreta.
“Não se muda uma cidade em um ano e meio”, argumenta Guillermo Lázaro, coordenador do grupo municipal da coalizão Zaragoza em Común (ZeC).1 Em seguida, acrescenta que, apesar das promessas de progresso social contidas nos programas eleitorais, a mudança que a população almeja tem menos a ver com abolir a propriedade privada e mais com dar fim à “casta”: “As pessoas não esperavam tanto uma mudança real de suas condições de vida, e sim que chegassem ao governo pessoas normais, que fossem como elas”.
Em Santiago de Compostela, a plataforma vitoriosa Compostela Aberta nasceu de “uma decepção”, explicam Marilar Jiménez Aleixandre e Antonio Pérez Casas, respectivamente porta-voz e militante da coalizão. “Apenas um ano depois de sua eleição, o prefeito anterior, o conservador Gerardo Conde Roa, foi condenado por fraude fiscal.” Dois outros se sucederam, ao longo de um período pontuado por processos judiciais, o que valeu à cidade o apelido de “Santiago de Corruptela”.
Essa crise da representação política, motor do Movimento 15-M (nascido em 15 de maio de 2011, em Madri), favoreceu a criação de coalizões heteróclitas, renovando o perfil tradicional dos poderes executivos: “A coalizão Compostela Aberta tem entre seus componentes ex-militantes de grandes partidos, mas não apenas”, indicam Marilar e Antonio. “Muitos dos membros nunca tinham feito política antes, ou vieram de associações de vizinhos,2 dos movimentos feminista ou sindical, de coletivos de luta contra a especulação imobiliária etc. Também há personalidades, escritores, representantes do mundo da cultura, assim como gente do 15-M.” E nem todo mundo se define como “de esquerda”.
Utilizado por adversários e por parte da imprensa, o termo “prefeituras Podemos” (em referência ao nome do partido fundado em outubro de 2014) oblitera as relações delicadas, e até mesmo conflituosas, que essas equipes mantêm com o jovem partido. Marilar observa que, “apesar de nossas diferenças com as outras coalizões municipais, temos um ponto em comum: não nos concebemos como partido. Em sua grande maioria, os partidos de esquerda tradicionais priorizam os interesses de seus núcleos dirigentes: manter o cargo, nem sempre dialogando com os militantes. Observa-se uma evolução semelhante no Podemos. Já nós temos testado diversas formas de organização para priorizar nosso programa”.
Lado a lado ou frente a frente?
E que programa é esse? De uma cidade a outra, os roteiros incluem muitos objetivos comuns: democracia, distribuição da riqueza, redução do peso da Igreja, reapropriação dos serviços públicos, direitos das mulheres etc. Nossa entrevista tinha apenas começado quando o prefeito de Santiago de Compostela, Martiño Noriega Sánchez, levantou e disse: “Vou ao pátio. Nós fazemos um minuto de silêncio cada vez que uma mulher é morta por um homem”. Na cidade de cerca de 100 mil habitantes, essa iniciativa é acompanhada pela revitalização de um centro de acolhimento para mulheres vítimas de agressão e campanhas voltadas a dar visibilidade à sua luta. No dia 25 de novembro, definido pelas Nações Unidas como Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, a cidade se vestiu de preto, com ônibus e vitrines exibindo a frase “Contra a violência”.
Depois de voltar, o prefeito mostrou o plano de benefícios sociais que entrou em vigor em outubro, o qual ele gostaria que servisse de inspiração para outros governos. “‘Compostela Suma’ é o programa mais ambicioso que conduzimos até agora. Assinamos acordos com hotéis e associações, como a Cruz Vermelha, e liberamos recursos para abrigar os sem-teto, utilizando imóveis da prefeitura que nunca haviam sido destinados a isso.” O programa pretende ajudar habitantes pobres a receber a Renda de Inclusão Social da Galícia (Risga). Martiño Noriega Sánchez também não hesitou em mostrar seu apoio aos grevistas, nos principais dias de mobilização dos trabalhadores precários e subcontratados da Telefónica-Movistar, principal operadora de telecomunicações da Espanha.
Entre os alvos das novas equipes municipais, há alguns símbolos. Em Barcelona, o reaparecimento de uma estátua decapitada do general Franco escandalizou os conservadores. Em 6 de janeiro de 2016, Dia de Reis, a prefeitura de Madri chocou ao substituir alguns Reis Magos por Rainhas. Provocações gratuitas? Trata-se mais de perturbar as heranças franquistas e católicas, ecoando a aspiração republicana do Movimento 15-M, que continua a flutuar nas manifestações espanholas por meio da bandeira roxa, amarela e vermelha (as cores da Segunda República Espanhola, 1931-1939).
Definido o programa e vencidas as eleições, é preciso governar. A entrada na instituição de militantes associativos habituados às relações conflituosas com as equipes municipais provocou uma mudança de atitude do novo poder local diante do setor associativo. “Vemos uma vontade de nos incluir no processo de decisão”, celebra Enrique “Quique” Villalobos, presidente da Federação das Associações de Bairro de Madri (FRAVM). “Ficou mais fácil obter informações. Pode não parecer nada, mas é um passo de gigante, porque, uma vez de posse dessas informações, podemos fazer reivindicações. Assim, os conflitos que hoje existem entre nós e a prefeitura foram facilitados pela própria prefeitura!”
Trabalhar lado a lado, mas sem abrir mão de ficar frente a frente: para os coletivos militantes, colaborar com antigos camaradas também implica conservar sua independência, para “manter a pressão”. Isso porque a melhoria das relações entre os atores das esferas pública e política não é garantia de avanços sociais, assim como cordialidade não é sinônimo de colaboração. “Temos uma boa visão dos primeiros tempos do governo de Barcelona en Comú”, declarou Daniel Pardo, membro da Assembleia dos Bairros para o Turismo Sustentável (ABTS). “Espaços de diálogo se abriram, enquanto antes as questões ligadas ao turismo eram reservadas à instituição, em linha com o mercado: este decidia, aquela assinava. Mas estamos bastante surpresos de ver que nossa voz, defensora do interesse público, é colocada no mesmo plano da opinião do empresariado hoteleiro.”
Acompanhado por duas dúzias de militantes reconhecíveis por suas camisetas verdes e slogans divertidos, Carlos Macías, porta-voz da Plataforma dos Afetados pela Hipoteca (PAH), de Barcelona, manifesta-se diante da prefeitura em dia de reunião do conselho municipal, em outubro de 2016. Acaba de ser aprovada uma moção apresentada por eles há meses, a qual trata de uma cláusula prevendo a indexação dos juros de alguns empréstimos imobiliários a um índice cuja metodologia de cálculo foi revista de maneira muito favorável aos bancos por uma lei de setembro de 2013. Mais de 1 milhão de empréstimos seriam afetados, impedindo muitas famílias de pagar as prestações mensais, em razão da grande sobrecarga acarretada pela disposição, frequentemente julgada como abusiva pelos tribunais. Em Barcelona, a municipalidade empenha-se agora em não trabalhar mais com os bancos que utilizam esse dispositivo, e em prestar assistência administrativa às vítimas. Em escala nacional, porém, o papel das prefeituras é limitado: na melhor das hipóteses, elas podem pedir ao governo espanhol que mude a lei, criando um sistema de empréstimos a juros zero e reembolso de todos os juros injustamente recolhidos pelos bancos, o que faz tremer as grandes financeiras. “Sei que é pouco provável que a prefeitura pare de trabalhar com esses estabelecimentos financeiros”, confessa Carlos Macías. “Restariam dois bancos, no máximo, e nenhum que possa emprestar dinheiro, mas estou convencido de que devemos continuar pressionando para que a equipe municipal não desista.”
Não desmobilizar, essa seria a prioridade. “A coalizão Barcelona en Comú e o Podemos têm uma responsabilidade: a do discurso”, continua Macías. “Se você envia para seu próprio campo a mensagem: ‘Está tudo bem, vamos nos acalmar, chegamos ao poder e tudo vai se resolver’, é porque você não aprendeu nada ao longo dos últimos quarenta anos.” As novas equipes se dizem conscientes do risco: “Não queremos de jeito nenhum repetir o erro de 1982, quando a vitória do Psoe [Partido Socialista Operário Espanhol] acabou no desmonte do movimento social”, garante Luisa Capel, membro da equipe de comunicação da Ahora Madrid. “Nessa época, a esquerda escolheu uma lógica de democracia representativa, e nós perdemos o poder na rua. Isso aconteceu durante toda a década de 1990, com efeitos devastadores. Queremos que o movimento social continue fazendo seu papel, para nos ajudar a realizar nossa política. Estamos sempre sendo observados.”
“Técnica de profanação das instituições”
No entanto, esse convite provoca algumas tensões. Em Barcelona, elas se cristalizam em torno da luta contra o turismo de massa, ponto forte do programa da coalizão Barcelona em Comú. No verão de 2015, a prefeita, Ada Colau, aprovou uma moratória de um ano (prorrogada até junho de 2017) sobre as licenças para abertura de novas acomodações turísticas, tempo para desenvolver uma política de longo prazo em uma cidade em que todos os bairros sofrem com o crescimento do turismo de massa. Ao mesmo tempo que a moratória – para desgosto da indústria do turismo – atende à principal exigência da ABTS, ela é acompanhada de um Plano Especial para Acomodações Turísticas (Peuat), que conseguiu acalmar seus críticos.
Ainda em discussão, após uma centena de emendas, essa regulamentação pretende definir quatro áreas urbanas. No centro, chamado área de “decrescimento natural”, nenhuma nova construção hoteleira seria permitida, e os estabelecimentos existentes não poderiam ser ampliados nem substituídos por outros, caso sua atividade venha a ser encerrada. Na segunda área, o status quo seria mantido. Nos bairros periféricos da terceira e da quarta área, as licenças seriam emitidas de maneira “sustentável”, com restrições definidas de acordo com o tamanho da superfície ocupada e o número de leitos dos estabelecimentos. “Sabemos que esse projeto é o que se fez de mais corajoso em Barcelona, mas também sabemos que ele é muito insuficiente”, explica Daniel Pardo. “A prefeitura pediu nosso apoio, mas não podemos assinar um cheque em branco. Falar em ‘decrescimento natural’ é como falar em um passe de mágica. Com a situação atual, alguns dos bairros representados em nossas assembleias estariam imediatamente à mercê da especulação. O que queremos? Uma moratória indiferenciada. Politicamente, pode ser suicídio, mas não podemos pedir menos do que isso.”
Todos os dias, as “prefeituras da mudança” têm de enfrentar as dificuldades que fazem parte da passagem da rua para as instituições. Essa mutação rouba do movimento social uma parte significativa de suas forças. Sentada no terraço de um café, Ana Menéndez, recentemente colocada à frente da Federação das Associações de Vizinhos de Barcelona (FAVB), faz uma lista dos antigos camaradas que agora trabalham para os serviços municipais. O fenômeno faz lembrar a captação realizada pelo Podemos de um grande número de líderes do movimento social. Nas fileiras da coalizão Compostela Aberta, Marilar Jiménez Aleixandre não consegue esconder seu abatimento ao analisar o impacto que um ano e meio de presença nas instituições teve sobre a ação militante: “Nos últimos tempos, o funcionamento da Compostela Aberta, assim como o de outras ‘prefeituras da mudança’, foi muito afetado pelo processo eleitoral. Vencemos uma eleição municipal, duas gerais e uma regional em um ano e meio! Entramos nisso de cabeça, e as eleições absorveram uma parcela enorme da energia que poderíamos dedicar à cidade. Sem contar as tensões internas que o processo provocou, uma vez que as coalizões mudavam de acordo com o tipo de eleição”.
Essas tensões não resultam apenas de visões divergentes. Elas revelam a dificuldade de reproduzir nas instituições políticas as práticas e palavras de ordem do movimento social. Adeptas do conceito de empoderamento, repetido e desenvolvido pelo Podemos, as novas prefeituras pensam o domínio institucional como um campo de experimentação política. Elas investem recursos na concepção de plataformas digitais cidadãs3 – um prolongamento dos métodos em voga durante o Movimento 15-M, no qual todos podiam, no canto de uma sala, em um debate, inscrever suas propostas em um quadro branco. “O objetivo é romper com essa burocratização da participação, fazendo algo mais dinâmico, mais no espírito do 15-M, no qual os acordos são obtidos por meio de consenso e não é necessário pertencer a uma associação registrada para participar”, explica Luisa Capel, em Madri.
Às vezes, porém, essa inventividade digital – que o jornalista Ludovic Lamant chama de “técnica de profanação das instituições”4 – e a boa vontade que a acompanha chocam-se com as práticas dos habitantes. “Muita gente descobriu, finalmente, que as instituições não são o Twitter”, constata o diretor da FRAVM. Em Santiago de Compostela, a votação dos orçamentos participativos mobilizou mil pessoas, pouco menos de um habitante a cada cem. Em Madri, durante a vasta campanha de revitalização da Plaza de España, 31.761 pessoas votaram on-line nos diferentes projetos: cerca de 1% da população da capital. Já a distribuição dos 60 milhões de euros do orçamento participativo atraiu o interesse de 45.522 habitantes. Gadgets virtuais ou “democracia real”? Para o prefeito de Santiago de Compostela, essas ferramentas demonstrarão sua eficácia de maneira retroativa, “quando as pessoas puderem constatar que suas propostas foram adotadas e colocadas em prática”.
Meros executores locais
Isso somente caso se consiga de fato apresentar essas medidas e fazê-las serem aprovadas pelo conselho municipal. Nenhuma das coalizões de esquerda que chegaram ao poder em maio de 2015 tem maioria absoluta. “Governamos a cidade, mas não temos o poder”, resume Pablo Hijar, conselheiro municipal de habitação da ZeC. Assim, o apoio de outros grupos – muitas vezes o Psoe ou partidos regionais como o Chunta Aragonesista (Junta Aragonesista, CHA), movimento nacionalista e ecossocialista de Aragão – revela-se indispensável. Em Zaragoza, “os socialistas nos impedem de aplicar critérios de progressividade tributária”, reclama o prefeito Pedro Santisteve, “O Psoe sistematicamente trava as grandes decisões, aquelas que questionam o sistema capitalista”, acrescenta Lázaro, da ZeC.
Isso sem falar que uma série de medidas contidas nos programas eleitorais está ligada a prerrogativas regionais ou nacionais. “Se tivesse havido uma mudança simultânea nessas escalas, teria sido mais fácil”, lamenta Quique Villalobos. “A região de Madri administra os hospitais, a educação pública, a lei de ocupação do solo. Muitas decisões da prefeitura são acessórias: ela apenas convida a região a tomar essa ou aquela medida… muitas vezes sem sucesso.” Os recursos disponíveis não são suficientes para aplicar as medidas radicais prometidas contra os despejos, especialmente quando as prefeituras sofrem a pressão orçamentária do país: “Do orçamento nacional, somente 12,8% chega até as prefeituras”, insiste Pedro Santisteve. “Mas elas precisam satisfazer as necessidades básicas dos cidadãos em termos de transporte, tratamento de água e resíduos.”
A estratégia de “mudança por dentro” promovida pelos novos executivos municipais tropeça na definição de suas competências, herdada da transição democrática e das leis nacionais. Particularmente, a lei da “racionalização e sustentabilidade da administração local”, chamada Lei Montoro, em homenagem ao ministro das Finanças de Mariano Rajoy, Cristóbal Montoro, que conseguiu sua aprovação em 2013. A primeira frase de seu preâmbulo não deixa dúvidas sobre os objetivos: “A reforma do artigo 135 da Constituição espanhola […] consagra a estabilidade orçamentária como princípio diretor que deve reger as ações de todas as administrações públicas”. Ditada pelo “respeito aos compromissos europeus em matéria de consolidação fiscal” e chegando na esteira das políticas de austeridade, a lei impõe, além da redução do déficit, que qualquer eventual excedente orçamentário seja utilizado para o pagamento da dívida. Além das exigências de sua política, as prefeituras precisam manter uma luta permanente em torno da própria concepção de ação municipal: devem contentar-se em ser executoras locais de políticas do Estado ou tentar se consolidar como entidades políticas em si mesmas, de acordo com a tradição “municipalista” enraizada na história do país desde o século XIX?
A situação obriga as coalizões progressistas a estranhos contorcionismos na comunicação. Embora todas possam se orgulhar de ter saneado as contas públicas e apresentado um confortável excedente orçamentário desde que assumiram o poder,5 elas foram obrigadas, em virtude da Lei Montoro, a verter esse excedente para os bancos (2,3 bilhões de euros, no total).6 Algumas decidiram fazer dos limões limonada: sem poder investir o dinheiro recuperado, escolheram apresentar esses pagamentos como prova de boa gestão.
No entanto, tal estratégia não impediu que as principais figuras do movimento tentassem obter a mudança da lei. Com o apoio dos “prefeitos da mudança”, o grupo parlamentar do Podemos no Congresso apresentou um projeto de lei nesse sentido em outubro de 2016. No final de novembro, cinquenta representantes municipais reuniram-se em Oviedo a fim de lançar um ciclo de encontros para denunciar a dívida ilegítima e os cortes no orçamento. Longe de estar isolada, a reunião de Oviedo vincula-se a uma abordagem conhecida das “prefeituras rebeldes”: “fazer frente”. Nos dias 4 e 5 de setembro de 2015, foi realizada em Barcelona a cúpula “Cidades para o bem comum. Partilhar as experiências da mudança”, continuada em La Coruña um mês depois. Em ambos os casos, a ideia era discutir os assuntos mais controversos: remunicipalização dos serviços públicos, centros de detenção administrativa, refugiados, memória.
Para alguns, doze meses foram suficientes para despertar um sentimento de decepção. Sucessor de Ada Colau no papel de porta-voz da PAH na capital catalã, Carlos Macías lamenta a lentidão da mudança prometida: “Vamos pegar como exemplo a questão da sanção dos bancos proprietários de imóveis vazios: a prefeitura não cumpriu sua missão. Aplicou entre 150 e 600 multas – deveriam ser 2 mil. Ou ela não vai na direção certa, ou vai muito devagar. E, nesse caso, não há dúvida em relação às prerrogativas: é uma questão da competência da prefeitura”.
Amarrados por decisões das gestões passadas
No início de 2016, um conflito agitou a equipe municipal, criticada por sua gestão da greve dos trabalhadores dos transportes públicos. Convocadas durante o Mobile World Congress, vitrine internacional do setor de telefonia, no final de fevereiro de 2016, as mobilizações exigiam o fim dos contratos precários, o descongelamento dos salários e a divulgação das receitas dos executivos. Após a rejeição pelos sindicatos das soluções propostas pela “prefeitura rebelde” para parar a greve, Ada Colau descreveu o movimento como “desproporcional”, e sua conselheira para a mobilidade, Mercedes Vidal, chamou os grevistas à “responsabilidade”. “Essa posição totalmente hostil à greve, talvez mais feroz do que a de outras equipes municipais, foi muito surpreendente”, relata José Ángel Ciércoles, delegado do CGT-Metro, sindicato majoritário no setor de transportes. “É evidente que quem votou em Ada Colau se sentiu traído.”
Presidente da associação Ateus de Cataluña, uma entidade nacional que denuncia o peso da religião católica na sociedade espanhola, Albert Ruba Cañardo pergunta quando vai ser feito o recenseamento das propriedades imobiliárias da Igreja – e de seus privilégios –, que ele solicitou à prefeitura de Barcelona e considera um dado essencial para a questão da habitação. “A concordata, que queremos abolir, isenta de impostos as propriedades da Igreja referenciadas como locais de culto, mas isso é uma hipocrisia. Você pode ter um imóvel gigantesco, com uma fachada de mais de 100 metros, em lugares centrais da cidade, que pertence à Igreja, mas em cujo interior há escritórios de advocacia, lojas, todos alugados. E a Igreja não paga nenhum imposto sobre esse imóvel. Por quê? Porque em algum canto se colocou uma imagem de santo.”
Assumindo a gestão após subsequentes governos da direita dura, como em Madri, aonde Manuela Carmena chegou após 24 anos de governo do Partido Popular (PP), as coalizões às vezes herdam acordos e projetos anteriores. Os recém-chegados sofrem então críticas que deveriam, em grande parte, dirigir-se a seus antecessores. A capital espanhola acaba de endossar a construção do bairro Los Berrocales, concebido pela antiga prefeitura. Mais de 22 mil moradias devem ser edificadas ali até 2018. “O PP deixou para trás um legado de contratos para trinta anos ou mais, com essa ou aquela empresa”, comenta Quique Villalobos. “Quebrar esses contratos implicaria indenizações enormes. Los Berrocales, por exemplo, é uma loucura. A cidade tem hoje um número suficiente de moradia para os próximos trinta ou quarenta anos. Se construirmos o novo bairro, alguns ficarão vazios.” Manuela Carmena tinha prometido não autorizar novos projetos urbanos dessa magnitude, mas não considerou viável revogar o projeto concebido por seus adversários políticos.
Em abril de 1931, a vitória das forças progressistas em diversas grandes cidades do país, entre elas Madri, prenunciava a Segunda República. Alguns veem nas “prefeituras da mudança” um eco desse passado, mas uma espécie de decepção está rondando, proporcional ao entusiasmo provocado pelas vitórias de 2015, em um contexto diferente. Na época, novos partidos políticos, em primeiro lugar o Podemos, tinham uma forte dinâmica. Eles esperavam triunfar nas eleições parlamentares de dezembro. Seus dirigentes teorizavam a ideia de uma “tomada institucional”: a rápida conquista do poder em todos os níveis, por meio de uma estratégia eleitoreira assumida, pouco geradora de divisões (o discurso “nem direita nem esquerda”) e abertamente reivindicada como “populista”.
À espera de uma nova tomada, e para além de suas próprias contradições, as “prefeituras da mudança” precisam enfrentar executivos nacionais e regionais estruturalmente mais poderosos e determinados a mantê-las sob controle.
*Pauline Perrenot e Vladimir Slonska-Malvaud são jornalistas.
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 115 – fevereiro de 2017}