Infelizmente, poucos sabem disso. Mas o ar que respiramos está nos adoecendo dia a dia, hora a hora.
O ar tóxico é o maior malefício ambiental da contemporaneidade com repercussões à saúde, perdendo apenas para a Covid-19 durante estes dois anos de pandemia. Ele é responsável por 11% da mortalidade global anual, sendo 51 mil no Brasil, afetando, em especial, os grupos populacionais mais vulneráveis, as crianças, os idosos, as gestantes e as populações de baixa renda. Ele atinge todos os órgãos e sistemas do organismo, até mesmo um feto que se desenvolve protegido dentro do útero. Por essas razões, a Organização Mundial de Saúde elencou a poluição do ar como a frente de combate prioritário na agenda das emergências em saúde.
Segundo a organização, 95% da população em todo o planeta está exposta ao ar contaminado. Ainda essa semana, o relatório do Índice de Qualidade do Ar (IQAr) revelou que apenas 3,4% das mais de 6 mil cidades pesquisadas em todo o mundo atendeu aos critérios adequados de qualidade do ar.
Em 2005, a OMS anunciava uma das publicações mais relevantes na interconexão entre o ar e a saúde: o guia de poluição do ar, que demarcou os níveis de concentração de poluentes na atmosfera mais seguros para garantir a salvaguarda da saúde humana. Ao final de 2021, o órgão lançou, a partir de inúmeros estudos nos últimos 16 anos, níveis muito mais restritivos que os anteriores.
Os padrões de qualidade do ar – níveis máximos de concentrações de poluentes admitidos na atmosfera – são adotados por nações em todo o globo como uma ferramenta de gestão ambiental. Nada mais óbvio, portanto, imaginarmos que a determinação dos governos seja por assegurar a proteção da população com base nos conhecimentos técnicos mais avançados de saúde.
Mas, no Brasil, não é isso que ocorre. Aqui, os padrões atuais regidos legalmente são elevadíssimos. A depender do poluente, chegam ao dobro ou mais do que o preconizado pelo órgão internacional de saúde. Embora haja a previsão de se alcançar, em mais 3 longas etapas, níveis gradativamente mais restritivos e equivalentes aos recomendados pela OMS em 2005, não houve a determinação de nenhum prazo para assim atingi-los.
Tamanha gravidade é o motivo pelo qual será julgada, no Supremo Tribunal Federal no dia 30 de março, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 6148/DF, movida pela Procuradoria-Geral da República. Seu objeto é a Resolução 491/2018, que dispõe sobre os padrões de qualidade do ar definidos no Brasil pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – o Conama.
A motivação da ação reside na ineficiência da norma para a proteção da saúde da população e do meio ambiente segundo a Constituição. O alto nível de poluentes permitido na atmosfera do país produz a perda precoce de vidas, o adoecimento e o sofrimento de milhares de brasileiros. Há o prejuízo da gestão do ar, com impacto concreto em políticas de redução de emissões e concessões de licenças ambientais. Prejudica ainda o controle de emissões de gases de efeito estufa, causadores da mudança do clima. Facilita as queimadas de norte a sul no país, onde os níveis de poluentes chegam aos piores do mundo, como a China e Índia. Procrastina a adoção de tecnologias mais limpas em todos os setores, o progresso e o desenvolvimento limpo e sustentável da nação. E o mais grave de todos, distorce a correta informação à população, que sem conhecimento da real situação, segue enganada e impossibilitada de alcançar os seus direitos.
Por isso, como embaixadora da Iniciativa Médicos Pelo Ar Limpo, convoco os colegas doutores a defender nosso bem mais precioso: o ar que respiramos.
Evangelina Vormittag, PhD em patologia, médica assistente do laboratório de microbiologia do Hospital das Clínicas e diretora executiva do Instituto Saúde e Sustentabilidade. É referência nacional em estudos sobre os impactos da poluição na saúde humana.