Notas para entender os militares brasileiros na atualidade
Ao dar de ombros a formas menos ortodoxas de compor um ministério e ao ignorar em larga medida o funcionamento do “presidencialismo de coalizão” e o mundo da política, o novo governo lançou uma proposta arriscada e suscitou na cabeça de muitos a questão “O que pensam os militares brasileiros hoje?”
Historicamente, a América Latina tem se caracterizado por ser uma região onde as relações civis-militares se desenvolveram de forma bastante atribulada. No caso da experiência brasileira, maior país e economia deste espaço geográfico, isso não foi diferente, particularmente no período republicano, nascido sob o signo da espada ainda no século XIX. Foi a partir da Guerra do Paraguai, também no século XIX, que as Forças Armadas brasileiras passaram a ter crescente importância política e militar. Militar porque as Forças, durante o conflito, verificaram a necessidade de dispor de novas técnicas e processos para que pudessem dar mais eficiência ao desempenho de suas múltiplas tarefas. Passou-se então a perceber a relação entre a organização militar e o grau de desenvolvimento econômico de um país como o nosso, onde eram tão incipientes as bases da industrialização. Até então, as Forças Armadas regulares eram vistas como uma reminiscência da dominação colonial.
A percepção da importância de montar uma máquina bélica moderna passou a estar presente no pensamento militar durante os anos que se seguiram à guerra. A partir de então, a corporação militar assumiu uma progressiva influência política à medida que teve uma noção mais crítica de seu papel como a “mais nacional” das instituições de um país tão marcado pelos regionalismos, sem que a mesma contrapartida e preocupação se desse por parte dos civis.
Passados mais de cem anos, o descaso continua, e uma das mais frequentes imagens no senso comum ao falarmos de Forças Armadas e democracia no Brasil pós-ditadura militar é o negligenciamento da questão militar como um plano resolvido e a quase automática vinculação entre a instituição militar e sua adesão aos ideários democráticos. Dada a histórica escassa produção de estudos sobre os militares brasileiros e o descaso que a sociedade nutre pelo tema, é compreensível a representação e aceitação – embora ambas perigosas, a nosso ver – do ideário da questão militar como um problema que não demandaria maiores considerações no contexto pós-autoritário por amplos segmentos da sociedade brasileira.
Em uma breve digressão histórica, salta aos olhos – seja como “protetora” da sociedade e/ou do Estado – a proeminência militar ao longo de toda a sua existência independente, especialmente no período republicano. Assim, datas fundamentais da vida política nacional, como 1889 (Proclamação da República), 1893 (Revolta da Armada), década de 1920 (Tenentismo), Revolução de 1930 (fim da República Velha), 1937 (instituição do Estado Novo), 1945 (deposição de Getúlio Vargas), 1954/55 (suicídio de Vargas e contragolpe para a garantia de posse a Juscelino Kubitschek), até o assalto direto ao poder em 1964 – apenas para citarmos algumas –, não podem ser pensadas sem referência ao aparelho militar.
É evidente que a nova realidade pós-1985 é substancialmente distinta da anterior, com a instituição militar no centro decisório do poder. Não obstante, cabe salientar que o término do ciclo militar-autoritário brasileiro decorreu, como sabemos, menos das pressões de uma forte e articulada sociedade civil exigindo o retorno à normalidade democrática do que do projeto distensionista elaborado por um setor das Forças Armadas. De outra parte, diferentemente de países como a vizinha Argentina, onde literalmente houve um colapso do sistema, a transição no Brasil foi negociada “pelo alto”, fazendo que isso viesse a se refletir no futuro modelo de relações civis-militares que temos até os dias de hoje. Ora, o que estamos querendo dizer com isso?
As duas últimas décadas do século XX representaram momentos decisivos na trajetória da sociedade brasileira. O término da Guerra Fria, crises internacionais sucessivas e o avanço do processo de globalização/mundialização determinaram pressões que se traduziram numa drástica redefinição da agenda pública, notadamente no que se refere às características políticas e econômicas do país. “Transição” e “democratização”, programas de estabilização econômica, reformas neoliberais orientadas para o mercado e integração na ordem internacional globalizada tornaram-se as novas prioridades, traduzindo-se numa reorientação das políticas públicas que seriam postas em prática pelos governos do período pós-autoritário.
Dadas as peculiaridades e singularidades da profissão militar, ao lado do forte esprit de corps1 que a instituição possui, muitas vezes o controle civil tem sido dificultado em nome de um conhecimento tecnocrático exclusivo que leva os militares a reclamarem autonomia perante qualquer controle externo. Aqui entra um problema fundamental. Por exemplo, mais do que apenas verificar se um dado país possui ou não um Ministério da Defesa (em nosso país, foi criado em 1999, sob Fernando Henrique Cardoso, com a extinção do Estado-Maior das Forças Armadas e a transformação dos antigos ministérios militares em Comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica), há que estar atento aos moldes deste, ou seja, que áreas são por ele efetivamente controladas e com civis à frente. Em outras palavras, quem manda e em quais atividades. Nessa direção, o quadro da nova estrutura institucional brasileira é desolador, mesmo após duas décadas de sua criação.2
Contudo, ao menos desde o governo FHC (1995-2002) temos observado um maior destaque com respeito aos temas da caserna, ora com avanços, ora com recuos e/ou hesitações. Se por um lado sob FHC tivemos a aprovação da Lei dos Desaparecidos (importante passo, mas ainda insuficiente ajuste de contas com o passado), a publicação de uma inédita Política de Defesa Nacional (PDN) em 1996 e a criação do Ministério da Defesa em 1999 – apenas para citar os principais acontecimentos –, por outro assistimos a uma perigosa banalização das missões internas das Forças Armadas (rotineiramente empregadas em missões típicas de polícia)3 e a um acentuado processo de sucateamento de seus meios materiais, entre outros desatinos.
No governo Lula (2003-2010), por seu turno, não foi muito diferente. Ao lado de admiráveis melhorias e iniciativas, como importantes programas de reaparelhamento e fortalecimento das Forças (na casa de alguns bilhões de dólares), recomposição de parcela importante dos soldos, orçamentos crescentes, a revisão da PDN e o lançamento da Estratégia Nacional de Defesa (END), em 2008, bem como o estabelecimento de parcerias estratégicas com outras nações e a iniciativa de criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), tivemos episódios lamentáveis, como a saída do ministro José Viegas Filho (em vez da demissão do saudosista comandante do Exército como seria o correto naquele episódio), um descaso com o fortalecimento da direção política civil sobre os militares que se refletiu na nomeação para a pasta de nomes absolutamente sem nenhuma familiaridade nem – ainda mais grave – desejo de conhecer a temática (José Alencar e Waldir Pires), emprego das tropas em questões de segurança pública em duração muito maior do que a desejável, e assim por diante.
Já o primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014), por sua vez, a despeito de ter tido na maior parte do tempo como ministro da Defesa o notável ex-chanceler Celso Amorim, foi frustrante sob vários aspectos ao não fazer avançar a agenda herdada de seu antecessor e padrinho político e levando-se em conta o histórico de vida pessoal da própria chefe de Estado e o que ela sofreu nos porões da ditadura militar. Do lado da sociedade civil, tampouco assistimos a qualquer tipo de pressão para a publicização e aprofundamento de uma agenda que contemplasse a questão do controle civil democrático sobre os militares, mesmo após a criação em 2011 da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que incomodou profundamente os militares. Antes, pelo contrário, continuamos a assistir a um lamentável crescente emprego das Forças Armadas em questões de segurança pública. Em seu segundo mandato (2015-maio/2016), já de início conflagrado por uma oposição golpista que não aceitava a derrota nas urnas, mais do mesmo. Todavia, apesar do perfil discreto dos militares ao longo do chamado processo de impeachment – o que não deve ser confundido como ausência de consulta a esses atores fardados, seja pela direita, seja pela esquerda –, maio de 2016 assinalaria um ponto de inflexão. Nesse mês, em uma “RESOLUÇÃO SOBRE CONJUNTURA” do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, menos de uma semana após o golpe e apeamento da Presidência da República da primeira mandatária de nossa história, num tardio e extemporâneo mea culpa dos treze anos de governo, líamos que “Fomos igualmente descuidados com a necessidade de […] modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista”.4 Apesar do diagnóstico correto, que muitos especialistas civis da área alertavam fazia tempo, estava dada a senha para o divórcio definitivo entre as Forças Armadas e o PT. A partir de então, com um governo impopular e de legitimidade contestada como o de Michel Temer, veríamos a influência militar crescer significativamente.
Sob o governo Temer (2016-2018), os pontos altos seriam a recriação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – com status ministerial, muito mais fortalecido que a estrutura anterior (em especial na área de inteligência) e sob a direção do prestigiado e influente general Sérgio Etchegoyen –, a revisão dos documentos de alto nível político atinentes à Defesa (Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa e Livro Branco de Defesa Nacional),5 a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro sob liderança militar de fevereiro a dezembro de 2018 e o orçamento e execução orçamentária num contexto de forte restrição fiscal e vigência da “PEC do Teto dos Gastos” na Defesa e nas três Forças de causar inveja aos reles ministérios civis (com seus custeios e investimentos fortemente contingenciados). Ou seja, a fatura estava sendo régia e rigorosamente paga em dia.
Enfim, chegamos a 2018, ano de eleições presidenciais e data que não deixará melhores lembranças aos democratas e às forças progressistas. A preocupação central por parte da corporação militar foi, mais do que qualquer coisa, impedir a vitória de um candidato petista (fosse ele o ex-presidente Lula ou aquele que o acabou sucedendo na chapa presidencial, Fernando Haddad). Dos militares, sempre off the record, era comum ouvir que, em um eventual novo governo do PT, eles voltariam com “sangue nos olhos”, endossando um sentimento manifestado anteriormente pelo então comandante do Exército, o general Villas Bôas, e outros colegas de generalato.6 E assim eles agiram, seja por meio da famosa postagem do Twitter de 3 de abril de 2018, lida ao final do Jornal Nacional, a qual veladamente ameaçava as instituições na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF),7 seja no desembarque maciço na candidatura à Presidência do capitão reformado do Exército Jair Messias Bolsonaro.8
Em um processo eleitoral sui generis, marcado pelas fake news, pelo antipetismo exacerbado e pela ausência de um debate amplo com a sociedade, combinado a um atentado repudiável que blindou e humanizou o “capitão”, gerando-lhe enorme espaço de mídia positiva (em vez dos oito segundos de que dispunha em rádio e TV), Bolsonaro – com seu vice, o general Hamilton Mourão – sairia vencedor em outubro de 2018.
De lá para cá, o anúncio da composição de seu governo, com uma proporção de militares no primeiro escalão considerada inédita mesmo levando em conta o período da ditadura militar e um entorno palaciano cuja única figura civil a ocupar um cargo de primeiro escalão é o cambaleante ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni,9 surpreendeu mesmo os mais céticos. Ao dar de ombros a formas menos ortodoxas de compor um ministério e ao ignorar em larga medida o funcionamento do “presidencialismo de coalizão”10 e o mundo da política, o novo governo lançou uma proposta arriscada e suscitou na cabeça de muitos a questão “O que pensam os militares brasileiros hoje?”.
Quando olhamos retrospectivamente, podemos perceber que, mais de meio século após o golpe que levou os militares diretamente ao centro do poder decisório, esses atores hoje são distintos. Fim da Guerra Fria, intensificação da globalização/mundialização acompanhada de desregulamentação financeira, entre outros atributos da atual era, parecem ter deixado no passado a ideia de “projeto nacional” tradicionalmente tão cara aos militares e/ou à defesa do Estado como indutor do desenvolvimento. Outro ponto a destacar é que, distintamente do que assistimos até o golpe de 1964, em que claramente tínhamos no interior das Forças Armadas brasileiras uma disputa entre “progressistas” versus “conservadores”, ou “nacionalistas” versus “entreguistas”, o expurgo subsequente11 e o controle férreo sobre o processo educativo não deixaram espaços para voltarmos a ter um “Almirante Negro” como João Cândido, um “Cavaleiro da Esperança” como o capitão Luís Carlos Prestes, um marxista da cepa do general Nelson Werneck Sodré, entre outros. Os militares atuais, notadamente do Exército, que têm tomado a liderança desse processo, são oficiais brancos, católicos e de orientação liberal, que veem pouco espaço para um protagonismo internacional maior por parte do país e parecem aquiescer com uma inserção subordinada no sistema internacional, a despeito de juras de amor eterno à nação e frases de efeito como “Brasil acima de tudo”.12
Nessa direção, em um governo com ministros civis extremistas e tresloucados, que carece de direção política, mas tem uma forte âncora no pilar econômico ultraliberal capitaneado pelo Chicago boy Paulo Guedes, os militares parecem jogar um papel de “poder moderador” e ofertar alguma previsibilidade às ações futuras de um chefe do Executivo visto como despreparado, de arroubos autoritários e sob forte influência de um entourage familiar perigoso. Nessa complexa equação e simbiótica relação, na qual Bolsonaro usou o Exército e tem sido usado por ele, os militares estão de volta, agora pela força do voto. A possibilidade de reescrever a história – em que se veem maculados pelo que chamam de “revanchismo”, que insistiria que houve golpe, ditadura, tortura e desaparecidos políticos, em vez de lhes agradecerem por terem impedido o Brasil de transformar-se numa “grande Cuba” –, garantir vultosos recursos aos programas estratégicos das Forças e preservar seus privilégios (como prerrogativas não condizentes com uma democracia madura – por exemplo, grande autonomia na atuação de seus serviços de inteligência –, além de suas precoces e generosas pensões) anima esses atores e está no centro dessa decisão de participar de um governo de extrema direita militarizado, num fenômeno que lembra, mas é distinto do que foi a tutela militar vivida no governo José Sarney (o primeiro civil após 21 anos de ditadura militar).13
A tentativa, por meios indiretos, de acabar com Lei de Acesso à Informação por Mourão quando esteve à frente do exercício da Presidência em janeiro último, permitindo a extensão de uma cultura de sigilo injustificável que ampliaria a funcionários comissionados e de segundo escalão o poder de impor sigilo a documentos públicos, mostra que eles não estão para brincadeira.14 Contudo, as cabeças oriundas da caserna – cartesianas por natureza e muitas vezes voluntaristas – terão dificuldades em moldar-se ao universo da política, um terreno movediço, plural, e de ética e gramática substantivamente distintas da militar. Os primeiros resultados da interação Executivo-Legislativo têm sido prolíficos nesse sentido.
Enfim, toda a participação militar no governo Bolsonaro (além dos ministros já citados, cerca de uma centena de pessoas com boa formação técnica e origem nas Forças Armadas ocupando cargos de direção e assessoramento superior) é uma aposta arriscada, e, ciosos dos riscos que correm e do pensamento estratégico que orienta suas atividades profissionais ao longo de uma vida, esses atores fardados não parecem dispostos a comprometer a alta credibilidade de que goza o aparelho militar junto à opinião pública. A despeito da gratidão explicitada na transmissão de cargo de ministro da Defesa, em 2 de janeiro, quando Bolsonaro afirmou ao general Villas Bôas que “o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, e recebeu como resposta um sorriso e aceno de cabeça do seu hoje subordinado que despacha no GSI (comandado pelo general Augusto Heleno), esse não parece ser um pacto de sangue. Mais ainda: o backup em caso de um eventual impedimento do presidente Jair Bolsonaro, com a posse do general Mourão,15 sairia muito mais ao gosto da alta oficialidade agora tendo um dos seus no comando direto da República.
Ao mesmo tempo, nem o Exército nem as Forças Armadas são instituições monolíticas. Concretamente, ainda é muito cedo e difuso o cenário para definir o papel que caberá aos militares na condução do atual governo, recordando que o Estado é um complexo aparelho burocrático e normativo, com uma não desprezível rigidez e inércia quanto a novos processos e composto de três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) nem tão independentes e tampouco harmônicos como pudemos acompanhar nos últimos tempos. O que é certo é que o núcleo duro do comprometimento do establishment para com a eleição de Bolsonaro e o desmonte do Estado e de políticas públicas inclusivas, acompanhado de uma perversa reforma da Previdência que tolherá direitos dos mais humildes e menos aquinhoados para a manutenção de um insaciável sistema financeiro, seguirá adiante, com o apoio da grande mídia e dos partidos da ordem (obviamente, com os militares em larga medida preservados em seus direitos e sua “missão” de protetores da nação). Em paralelo, a subordinação militar ao poder civil e à direção política sobre os fardados seguirá como uma tarefa pendente em nossa frágil democracia tupiniquim. Tempos nada alvissareiros se avizinham!
*Alexandre Fuccille é doutor em Ciência Política e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed) de 2014 a 2016 e trabalhou no Ministério da Defesa de 2003 a 2005.
1 Espírito de corpo corresponde à visão corporativa, de grupo, que transcende a corporação no sentido administrativo. O termo traduz uma visão de “alma” institucional. Huntington, em sua obra clássica da década de 1950, afirma que a corporatividade faz os militares pensarem em grupo, diferentemente dos profissionais civis, que pensam individualmente. Para mais detalhes, ver Samuel Huntington, O soldado e o Estado: teoria e política das relações entre civis e militares, Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1996, p.28 e seguintes.
2 Para piorar, de forma inédita, desde fevereiro de 2018 temos tidos militares – ainda que da reserva – como ministros da Defesa.
3 A base legal para tal emprego na segurança pública neste e em outros governos é parte do artigo 142 da Constituição Federal, que prevê que elas se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Conceitos fluidos como “lei” e “ordem”, que variam enormemente conforme a perspectiva político-ideológica, podem representar um inapropriado risco à democracia, permitindo que o aparelho militar seja empregado em defesa do governo (vide a greve dos petroleiros de 1995 e os episódios de tentativa de invasão da fazenda dos filhos de FHC por parte do MST), e não do Estado, como deveria ser.
4 Disponível em: <http://bit.ly/DN-PT_17-05-16>.
5 Aqui, em contraste com a orientação anterior de tais documentos, era relativizada a importância da América do Sul como entorno estratégico, e antigas parcerias estratégicas, como com os Estados Unidos e a Europa, eram apontadas como necessárias de serem reavivadas e incrementadas.
6 Vale a pena conferir “Mal-estar na caserna”, a reveladora entrevista de março de 2018 com o comandante do Exército e seus assessores, na Piauí. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/materia/mal-estar-na-caserna/>.
7 O habeas corpus foi negado por seis votos a cinco (cujo voto da ministra Rosa Weber surpreendeu em razão de posicionamentos anteriores). Posteriormente, em entrevista, o então comandante do Exército frisou: “Nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula. Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite”. Todavia, ainda segundo Villas Bôas, o episódio rendeu críticas do “pessoal de sempre, mas a relação custo-benefício foi positiva”. Folha de S.Paulo, 11 nov. 2018.
8 Vale lembrar que o deputado fluminense em suas quase três décadas como parlamentar sempre foi tido como um político do “baixo clero”, com seu mandato basicamente centrado em demandas militares corporativas e reivindicando soldos maiores à sua categoria, com bom trânsito entre praças e graduados, mas sem penetração entre oficiais superiores e oficiais-generais, pelos quais era visto com suspeição dado seu fraco e folclórico desempenho parlamentar e prisão por indisciplina no passado. Efetivamente, essa leitura alterou-se ao longo de 2018.
9 Atualmente, dos 22 ministros de Estado, oito são militares, ou seja, mais de um terço do total. Mesmo à época do presidente general Ernesto Geisel, que chegou a ter dez ministros militares, é preciso recordar que entre estes estavam os quatro ministérios militares (Exército, Marinha, Aeronáutica e Estado-Maior das Forças Armadas), que foram extintos em 1999 com a criação do Ministério da Defesa, além do Serviço Nacional de Informações (SNI), extinto em 1990, que também tinha status ministerial.
10 Grosso modo, a expressão cunhada por Sérgio Abranches em 1988 sugere que o presidente da República forma seu ministério com integrantes dos partidos da coalizão de governo, de modo semelhante ao que ocorre no parlamentarismo. Em contrapartida, os partidos oferecem os votos necessários para que o presidente aprove a agenda governamental no Congresso Nacional.
11 É interessante notar que os militares – e leia-se, os de esquerda – foram a categoria social mais perseguida proporcionalmente durante a vigência do regime autoritário de 1964-1985, com milhares expulsos em todos os níveis da hierarquia nas três Forças. Ver Paulo Ribeiro da Cunha, “A Comissão Nacional da Verdade e os militares perseguidos: desafios de um passado no tempo presente e futuro”, Acervo, v.27, n.1, 2014, p.137-156.
12 Esse brado (que recorda o Deutschland über alles, ou “Alemanha acima de tudo”, muito usado durante o nazismo), ainda comum nos quartéis de hoje, originalmente foi criado após a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, num contexto de perseguição aos “subversivos” e outros episódios de triste lembrança, pelo grupo de oficiais paraquedistas Centelha Nativista. Sua apropriação por Bolsonaro e Mourão, ambos com passagem pela Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército, acabou resultando no bordão de campanha “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
13 “A tutela corresponde a uma manifestação específica do papel militar na preservação da ordem social num momento em que a corporação castrense não se encontra no exercício do poder de Estado, sem no entanto haver perdido a importância orgânica no conjunto dos órgãos do Estado”. Eliézer Rizzo de Oliveira (org.), Militares: pensamento e ação política, Papirus, Campinas, 1987, p.61.
14 A Câmara dos Deputados derrubou o Decreto Presidencial em 19 de fevereiro.
15 Antigo membro do Alto Comando do Exército, colegiado responsável pelas principais decisões da Força Terrestre e que reúne os dezesseis generais de exército/quatro estrelas do Exército brasileiro.