O Acordo de Paris, Mr. T e Bob Marley
Não me surpreendi com o anúncio nem com a encenação de aplausos dos poucos subalternos que faziam parte do teatro montado na Casa Branca para a ocasião. Em se tratando de Mr. T., sabia que a arrogância, a ignorância e o egocentrismo midiático prevaleceriam
Anunciando a saída do governo norte-americano do Acordo de Paris, Mr. T., de uma só vez e em poucos minutos, deu as costas para o mundo, para o multilateralismo, para o planeta, para os mais vulneráveis e para 70% dos norte-americanos que na última pesquisa de opinião disseram que não queriam que os Estados Unidos saíssem do tratado climático global.
Mr. T abriu mão de fazer parte de um acordo que reúne 194 países determinados a enfrentar juntos um dos maiores desafios da humanidade para isolar-se completamente. Somente dois países, Nicarágua e Síria, não assinaram o Acordo de Paris, e tiveram motivos mais nobres que os de Trump para tal: a Nicarágua, porque entende que compromissos voluntários não são suficientes, e a Síria de Assad, por não poder enviar representantes a Paris estando sujeita a sanções norte-americanas e europeias.
Não me surpreendi com o anúncio nem com a encenação de aplausos dos poucos subalternos que faziam parte do teatro montado na Casa Branca para a ocasião. Em se tratando de Mr. T., sabia que a arrogância, a ignorância e o egocentrismo midiático prevaleceriam. Na fala de Mr. T. transpareceu sua aversão ao multilateralismo, seu desprezo pelos mais vulneráveis, seu autoritarismo populista e sua idolatria pela supremacia norte-americana acima de tudo e todos.
Foi sem dúvida um dia triste para a humanidade, pois muitos trabalharam décadas para construir um acordo de tamanha complexidade e envergadura que compatibiliza ações soberanas alinhadas a interesses comuns sob um único objetivo: assegurar que a temperatura do planeta não suba mais que 2 graus centígrados acima dos níveis pré-industriais e evitar, pelo menos em parte, as prováveis e terríveis consequências do aquecimento global à humanidade. Consequências estas que, apesar de afetarem mais diretamente os países e populações mais vulneráveis, não pouparão os Estados Unidos e os norte-americanos que Mr. T. diz querer proteger.
Entretanto, não devemos perder tempo ou energia nos lamentando ou chorando com esta novela de mau gosto feita com atores amadores. Afinal estamos ganhando esta partida de lavada: são 194 países a 3, que preferem o multilateralismo e a diplomacia ao unilateralismo e ao isolacionismo. São bilhões de pessoas no mundo todo, incluindo milhões de norte-americanos, sírios e nicaraguenses, determinados a continuar juntos no caminho da descarbonização do planeta. São setores econômicos de grande e pequeno porte que já entenderam que só sobreviverão se seus negócios internalizarem custos ambientais. São trabalhadores, mulheres, ambientalistas, consumidores e jovens do mundo inteiro preparados para sair às ruas sempre que for preciso para defender o planeta e os mais vulneráveis. São lideranças religiosas de todas as denominações que diariamente pregam a união e o cuidado com a natureza. E, como não mencionar, os maravilhosos poetas e músicos que nos inspiram a enfrentar nossos maiores desafios nos momentos mais tristes.
Por isto, ao ouvir Mr. T. anunciar a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, celebro Bob Marley e sua convocação get up, stand up; don’t give up the fight. Mr.T., com ou sem seu governo, não daremos as costas para o futuro que queremos.
*Ana Toni é diretora do Instituto Clima e Sociedade