O agro planta…a crise!
Qual o interesse do agronegócio em apoiar os atos antidemocráticos realizados no dia 7 de setembro?
Acompanhamos as manifestações antidemocráticas organizadas no dia 7 de setembro. Nela, pôde-se ver, além de pessoas alienadas e incoerentes, uma frota de caminhões novos que se diziam representantes dos “caminhoneiros autônomos”. Uma análise mais detalhada mostrou que em sua grande maioria eram todos bancados pelas empresas do agronegócio e os barões dos latifúndios.1 Por sinal, caminhões novos que, muito provavelmente tiveram suas aquisições por meio de empréstimos do BNDES.
O Grupo Jacto de máquinas agrícolas, por exemplo, foi flagrado em um vídeo que circulou nas redes sociais distribuindo camisetas e R$ 100 em dinheiro vivo para todos os “apoiadores” que lotaram seus ônibus.2 Ainda que a mesma tenha negado afirmando que “não apoia candidatos ou partidos políticos de nenhuma corrente doutrinária”, as imagens e áudios falam por si. Um dos acionistas do grupo, Takashi Nishimura, ex-presidente da Jacto e fundador da Brudden, admitiu que financiou a ida de nove ônibus para São Paulo.3
Na capital, onde tivemos a maior concentração, a grande massa de manobra teve apoio não apenas dos fascistas do agro, mas também das igrejas neopentecostais que propagaram o medo do “comunismo”, arrebanhando inocentes úteis.
Pois bem. Mas qual o interesse do agronegócio nisso? Podemos listar alguns aspectos:
a) defender o (des)governo Bolsonaro está diretamente relacionado com a defesa do aparelhamento do Estado e a fragilidade dos órgãos fiscalizadores ambientais, o que favorece o avanço dos latifúndios;
Quem não sem lembra da fala do ex-ministro Ricardo Salles querendo aproveitar toda a atenção dada à pandemia para “passar a boiada”? Ou ainda a fragilidade imposta ao Ibama e ICMBio para as fiscalizações, principalmente nas áreas relacionadas ao garimpo, terras indígenas e quilombolas?
Não à toa, em quase três anos de Bolsonaro, os índices de desmatamento nos principais biomas do Brasil aumentam e batem recordes. No entanto, é preciso lembrar que essa política influenciada pelo agronegócio não é novidade – ainda que esteja escancarada e muito forte no atual momento – basta lembrar que o golpe militar de 1964 também favoreceu a ascensão dos latifúndios, incluindo a repressão contra camponeses e comunidades de povos tradicionais, sob a bandeira de industrialização e “colonização” da Amazônia, ignorando a existência de pessoas e sua relação com a floresta (“homens sem-terra a uma região de terras sem homens”).
E, após o golpe parlamentar de 2016, novamente as conquistas do agronegócio bombaram. Recordes de liberação de agrotóxicos – até agosto de 2021, mais de 1.300 novos venenos foram liberados,4 piorando ainda mais a situação de defesa do ambiente e de comida saudável.
Desmatamento nos biomas da Amazônia, Pantanal e Cerrado nunca foram tão gritantes – e preocupantes – como agora. Levantamento realizado pelo Mapbiomas mostra que, de 1985 até 2020, a agropecuária foi responsável por 98,8% da perda de área do Cerrado.5 Vale lembrar também que as áreas incendiadas, em especial no Pantanal, apresentam relação direta com desmatamento promovida pelos latifúndios, conforme a Polícia Federal constatou. Não à toa, os estados do Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul foram aqueles que mais promoveram a destruição do Cerrado.
b) a bancada ruralista, “fechada com Bolsonaro”, é apoiada pelas empresas do agronegócio, ou seja, muita grana rola nos bastidores para que apresentem e aprovem projetos que favoreçam a grilagem, a anistia de crimes ambientais, isenção de impostos e outras mazelas lesa-pátria;
Ao destruírem os biomas, é bom lembrar, não estão acabando apenas com a diversidade e as comunidades que ali vivem; afetam todo o regime hidrológico, comprometendo a presença de água para o país e alterando todo o regime climático. O Cerrado, por exemplo, é extremamente importante por comportar oito bacias hidrográficas, que atuam como uma “caixa d’água” que abastece os aquíferos. Soma-se a isso o desmatamento amazônico, que reduz não apenas sua capacidade de absorção de dióxido de carbono (CO2) que contribuiria para a redução do efeito estufa, mas altera todo o regime de chuvas justamente porque não há mais a formação dos chamados “rios voadores” – provenientes do processo fisiológico conhecido como evapotranspiração. Consequentemente, sem chuvas suficientes, os reservatórios das hidrelétricas ficam vazios e obrigam o acionamento das termoelétricas para compensar a chamada crise hídrica – promovida e potencializada pelo agro! Além de ser uma fonte energética mais cara – para a tristeza de todos, mas em especial daqueles que diziam que “minha bandeira jamais será vermelha!” –, é altamente poluente, queimando combustíveis fósseis, promovendo a liberação de mais gases que contribuem ainda mais para o aquecimento global.
O desmatamento e os incêndios, por si só, contribuem para a piora climática. O que poucos relacionam, e o agro tenta esconder, é que na grande maioria dessas áreas que serão surrupiadas para pastagens traz também outro agravante: a emissão de metano (CH4) pelo gado.
Censo de 2019 apontou que no Brasil temos mais gado do que gente – são 215 milhões de bovinos contra 210 milhões de pessoas.6 O gado, além de consumir grande quantidade de água para a geração de proteína – seja carne ou leite –, promove a compactação do solo, diminuindo a sua capacidade de absorção. Além disso, a fermentação entérica que realizam – por intermédio de bactérias estomacais – resulta na emissão de metano através da flatulência. Esse gás tem um poder de retenção do calor 28 vezes maior que o próprio dióxido de carbono, ou seja, ao desmatar, o dano vai além da retirada das áreas nativas que sequestrariam o carbono.
O que ignoram, no entanto, é que todo esse distúrbio que estão causando no ambiente, cedo ou tarde, voltará contra o próprio agronegócio, pois as alterações climáticas promoverão secas mais intensas e até chuvas em locais que antes não ocorriam, alterando até mesmo as amplitudes térmicas. A ignorância disso se deve à ânsia pelo lucro imediato, e pode ser demonstrada pelos cifrões em plena pandemia: recordes de produção. Ao mesmo tempo, desmascara a propaganda de que produzem alimento, pois nesse mesmo período de recorde de safras de grãos, eis que a população brasileira volta ao Mapa da Fome da ONU ao colocar 19 milhões de brasileiros em situação de fome, e outros 112 milhões em insegurança alimentar.7,8,9 Resumindo: commodities não geram comida!
Paralelamente, avançam propostas de Projetos de Lei (PL) absurdos e inconstitucionais, como o chamado PL do Veneno (PL6299) que flexibiliza a liberação de novos venenos ao ignorar parecer da Anvisa e outros órgãos competentes e até mesmo prevê a censura do termo “agrotóxico”. Há outros exemplos, como o Marco Temporal (PL390), que quer retirar terras dos povos originários alegando que as demarcações devem ser consideradas a partir da Constituição de 1988 – ressalto aqui que além de afrontoso contra os indígenas e inconstitucional, como bem defendeu o ministro e relator do processo no STF Edson Fachin em seu voto, omitem que as terras indígenas preservam o ambiente e são essenciais para a manutenção das florestas.10 Outro que avança é o PL6024, que pretende legalizar a especulação latifundiária na Reserva Chico Mendes e Parque Nacional da Serra do Divisor, local que abriga mais de 2.000 famílias que trabalham na floresta sustentável, além de legalizar ocupações de terra irregulares e liberar a mineração em terras indígenas.11 E o que falar da “Bolsa Agrotóxico”(o Convênio 100/97), cuja prorrogação ocorreu pela 24ª vez, sendo válida até 2025, e que reduz em pelo menos 60% a alíquota de cobrança do ICMS a todos os agrotóxicos, em clara demonstração de retrocesso ambiental em atendimento ao agronegócio?12 Além de comprometer a própria arrecadação de impostos pelos estados, prioriza quem compra veneno, e seguem virando as costas para a agricultura campesina/familiar que realmente precisa de valorização e incentivo, pois é dela que vem 75% de nosso alimento.
c) por fim, o agronegócio, ao instalar e apoiar a crise institucional – e, reforçando, antidemocrática – mostra que além de não ter compromisso algum com a nação, é de seu interesse que o dólar dispare, aumentando ainda mais o lucro de suas exportações, uma vez que os contratos firmados são em dólar.13
A falaciosa propaganda de que “o agro é pop” segue sendo dispersada. Mas de pop não tem nada a não ser para os barões dos latifúndios que seguem explorando e extraindo toda a riqueza das terras, comprometendo a vida de todos. Mais do que ser tóxico, desmatar, incendiar, poluir, destruir e matar, após esse famigerado Dia da Independência, constatou-se que o agro também é golpe!
Luiz Fernando Leal Padulla é professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências, especialista em Bioecologia e Conservação. Autor do blog “Biólogo Socialista” e do podcast “PadullaCast”. Instagram: @ProfPadulla.
1 Líderes caminhoneiros dizem que agronegócio convocou bloqueios nas estradas. Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/lideres-caminhoneiros-dizem-que-agronegocio-convocou-bloqueios-nas-estradas/
2 Vídeo levanta suspeitas sobre financiamento do 7 de Setembro. Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/v%C3%ADdeo-levanta-suspeitas-sobre-financiamento-do-7-de-setembro-1.686941
3 Acionista da Jacto confirma que bancou manifestantes em ato. Disponível em: https://marilianoticia.com.br/acionista-da-jacto-confirma-que-bancou-manifestantes-para-irem-a-ato/
4 Ministério da Agricultura registra 2 produtos inéditos e mais 46 genéricos usados na formulação de agrotóxicos. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/08/30/ministerio-da-agricultura-registra-2-componentes-ineditos-e-mais-46-genericos-usados-na-formulacao-de-agrotoxicos.ghtml
5 Vegetação nativa perde espaço para a agropecuária nas últimas três décadas. Disponível em: https://mapbiomas.org/
6 Mais boi que gente: Rebanho bovino do Brasil chegou a 214,7 milhões de animais em 2019, diz IBGE. Disponível em: https://6minutos.uol.com.br/economia/rebanho-bovino-alcancou-2147-milhoes-de-animais-em-2019-afirma-ibge/
7 Insegurança alimentar e covid-19 no Brasil. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf
8 Recordes no agronegócio e aumento da fome no Brasil: como isso pode acontecer ao mesmo tempo? Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/08/11/recordes-no-agronegocio-e-aumento-da-fome-no-brasil-como-isso-pode-acontecer-ao-mesmo-tempo.ghtml
9 Brasil terá safra recorde de grãos de 258,5 milhões de toneladas em 2021, diz IBGE. Disponível em: https://www.moneytimes.com.br/brasil-tera-safra-recorde-de-graos-de-2585-milhoes-de-toneladas-em-2021-diz-ibge/
10 Estudo comprova que terras indígenas barram desmatamento e são essenciais para manter a floresta em pé. Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/estudo-comprova-que-terras-indigenas-barram-desmatamento-e-sao-essenciais-para-manter-a-floresta-em-pe
11 Estouro da boiada: governo usa Projetos de Lei para acelerar a destruição na Amazônia. Disponível em: https://amazonialegalurbana.com.br/2021/07/14/estouro-da-boiada-governo-usa-projetos-de-lei-para-acelerar-a-destruicao-na-amazonia/
12 Bolsa agrotóxico, isenção fiscal e pandemia de coronavírus, por Stedile e Tygel. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/bolsa-agrotoxico-isencao-fiscal-e-pandemia-de-coronavirus-por-stedile-e-tygel/
13 Preço da soja bate recorde na Bolsa de Chicago: o que tem acontecido no mercado brasileiro? Disponível em: https://laborrural.com/preco-da-soja-bate-recorde-na-bolsa-de-chicago-o-que-tem-acontecido-no-mercado-brasileiro/