O amor nos afastará: Sonho violeta, de Íris Ladislau
Com temáticas que abordam a adicção, o universo editorial, o urbano e a sexualidade, a autora articulam essas pluralidades em torno da representação do feminino
A revisora e poeta mineira Íris Ladislau acaba de lançar o romance Sonho violeta, uma autopublicação que, neste ano, se torna a sexta em sua produção, (re)inventando novas formas de se colocar no papel, mas ainda mantendo o tom poético na narrativa de Sil, personagem principal da obra. Com temáticas que abordam a adicção, o universo editorial, o urbano e a sexualidade, a autora articula essas pluralidades em torno da representação do feminino, construindo, assim, pontos de contato que delineiam o trajeto vertiginoso de colapso e transfiguração da narradora.
Uma jovem editora em uma cidade. Esse é o ponto de partida para visualizarmos as inquietações que permeiam a história, contada a partir do fazer introspectivo da personagem, que também se revelará ao leitor como uma artista ao longo das páginas do romance — em meio a exposições, prateleiras de remédios (“vai ficar tudo bem”), músicas do Joy Division e pinturas feitas por suas pequeninas e esqueléticas mãos. Tudo isso se constrói em torno de memórias longínquas de seus familiares e da frustração com seu atual emprego, que, aos poucos, se externaliza para as demais personagens da trama: Augusto, professor de cabelos grisalhos; Vitória, amiga, com suas falas sobre a dissertação e um mundo aparentemente saído de um conto de fadas, mas com um lado oculto de sua personalidade e ambições de vida — para não dizer trágico. Tal como Sil.
Mas, ao mesmo tempo em que esta crítica é escrita, a mesma jovem editora encontra-se no limiar entre alguém à beira do abismo e um espírito de alteridade que a psicanálise poderia chamar de “pulsão de morte”. Ao mesclar, na obra, elementos do gênero da poesia com o da prosa, a autora se inclina para diálogos com Sylvia Plath e Marcelino Freire, esse último em técnicas utilizadas na estruturação do livro.
Se temos em Plath, figura conhecida, carimbada na literatura de autoria feminina, um olhar que revela a interioridade do eu lírico em angústia, centralizado em um recorte de gênero, ou seja, a condição da mulher, é possível lembrar do poema Daddy, no qual a raiva é um dos elementos característicos. Alguém teve que morrer, mas o medo e suas reminiscências não se esvaem tão fácil assim na vida real, em especial entre um pai e sua filha.
Freire, por sua vez, conjura a narrativa poética em Nossos Ossos. Há autor, narrador, protagonista, enredo, espaço e tempo, mas também há o mito, a estrutura e seus estilos próprios do fazer da poiesis. Na obra de Marcelino Freire, a condição humana e seus tormentos também são espaços de interseções com Ladislau. Narradores-personagens que se apresentam por suas visões, suas morais, resultando, às vezes, em experiências passadas.

Se na autora mineira há esse signo não unificado, para não dizer quase que impossível de ser ter um consenso sobre o que é ser mulher, também temos o sentimento de despertencimento de Sil nos espaços públicos e privados. Com tantas emoções, o que a jovem editora fará?
Não é incomum a temática sobre o feminino, afinal, é uma questão que vem sendo cada vez mais debatida nos últimos anos pela literatura brasileira, com suas especificidades, claro. Ouso dizer que em Sonho violeta temos o fenômeno do female rage (raiva feminina) como motor inicial para o leitor. Um soluço, um grito, uma voz intrépida cortando o espaço afora. É um sonho, uma violência, o que nos recorda que essa última é elemento mediador entre uma e mais pessoas, sendo nesse caso todas as personagens do romance em questão, não poupando nenhum indivíduo e entrando no inóspito ambiente das drogas, criando um “caos orgânico. Sil pode ter suas inconsequências, mas há um fio metódico ainda assim em seus atos, sem que, contudo, seja previsível ao longo do livro.
A autora se equilibra, com coragem, ao se lançar nas tessituras dos transtornos psicológicos e do imaginário feminino na literatura, algo que requer muito cuidado, pois é um tópico passível de ser uma “faca de dois gumes”. Nesse sentido, em sua estreia na prosa, a obra de Íris Ladislau impressiona na condução de um tema que vem sendo abordado cada vez mais, seja por mulheres ou homens.
Lorraine Ramos Assis é socióloga e crítica literária. Foi publicada em diversas revistas/jornais nacionais e estrangeiros, tais como Jornal Cândido, Cult revista, Relevo, Granuja (México) e Incomunidade (Portugal). Colabora para São Paulo Review e Revista Caliban, além de integrar o corpo de poetas do portal Faziapoesia. Pesquisa sociologia da literatura e gênero, em particular violência contra a mulher.