O Atlas 2000 dos conflitos
Ao contrario do que se pensa, eles estão todos bem próximos do mesmo ponto: a fome está presente em todo lugar, num mundo onde a produção agrícola é cada vez mais densa por hectareJean-Christophe Servant
É possível, num relance, em um livro, em poucas horas captar o mundo tal como ele se passa diante de nossos olhos, diante de nossos relógios, diante de nossa indiferença, ou diante de nossa revolta? O Atlas 2000 dos conflitos [1] tenta responder afirmativamente.
Ele reúne, em um volume de edição muito atraente, uma série de artigos a respeito das tensões no mundo, tendo sua maioria sido publicada no Le Monde Diplomatique durante o ano de 1999. Tem-se então uma dupla garantia. Em primeiro lugar o jornal oferece mensalmente um quadro-resumo da situação mundial. Ele apresenta a vantagem de escolher e agrupar uma vez por ano aquilo que parece esboçar as tendências mais fortes. Além disto, não tendo esta publicação mensal por principal preocupação aderir ao pensamento único, econômico e estratégico, tem-se a certeza de encontrar análises, e muita vezes visões, que têm o mérito de nos fazer refletir.
O volume é organizado em grandes capítulos continentais: Europa, Ásia, África, América Latina e Oriente Próximo. Um capítulo introdutório dá em três artigos algumas indicações para reflexão sobre a nova era na qual o mundo está entrando desde a passagem do ano 2000, e principalmente desde que ele não é mais bipolar. Um artigo conclusivo analisa as vantagens e desvantagens do direito de ingerência.
Encontra-se no fim de cada artigo a bibliografia, composta de livros, artigos ou sites da rede mundial de computadores. Ao fim do volume, um glossário dos termos mais usados pode auxiliar os estudantes. Sobretudo, ilustrando cada capítulo, um competente conjunto de mapas que procuram localizar no espaço as questões abordadas, bem como ressaltar que a geografia exerce restrições relativas, nos dois sentidos da palavra.
Mais riqueza, e mais pobres
Contrariamente à idéia corrente, sobretudo desde 1989, os conflitos estão todos bem próximos do mesmo ponto: a fome está presente em todo lugar, num mundo onde a produção agrícola é cada vez mais densa por hectare. A miséria – o critério do limite de pobreza do Banco Mundial sendo menos de 360 dólares por pessoa por ano – não é suprimida num mundo que produz mais riqueza, essencialmente pelo aumento das trocas comerciais. Há cada dia mais pessoas ricas, o que não induz necessariamente a cada dia menos pessoas pobres. Os conflitos vão se instalar onde quer que se encontre a pobreza, onde quer que se encontre a ambição estratégica ou econômica, onde quer, enfim, que se encontre esta doença da nação que se chama nacionalismo.
Algumas sugestões para o atlas futuro que procure ajudar a sanar da maneira mais completa os problemas onde quer que eles se desenvolvam, uma vez que os conflitos podem tomar uma outra forma além da estritamente militar, ou mesmo política. Um atlas poderia propor temas transversais, isto é, não continentais: penso em particular nos desafios ao meio ambiente, que não são tratados nesta publicação, apesar de serem tão estruturadores e portadores de conflito quanto pode ser o papel da OTAN, abordado aqui na introdução de maneira profunda, mas redutora. Penso no conflito discreto, porém agudo, existente na China, entre províncias e o poder central, entre as província elas mesmas, causadores, no futuro, de enfrentamentos mais graves, e que extravasarão as fronteiras do país.
Penso por fim, mas não são mais que indicações para análise, no conflito que se estabelece no seio da União Européia, indicado pela paralisia que atinge o papel e a soberania dos Estados membros. O problema está relacionado a esta nova invenção geopolítica que é a União, mas também às estruturas dos Estados que virão, e não sobre desajeitados deslocamentos da soberania “da nação para o indivíduo”.
Por que afinal, como escreveu Ignacio Ramonet, a soberania passaria “do Estado para o indivíduo, com cada indivíduo reconhecendo em si os atributos e as prerrogativas que até o momento presente eram dos Estados”? A resposta dada, misturando globalização, direitos individuais e tecnologia da informação não é convincente ou, em todo caso, não é bem argumentada. É também necessário contestar a afirmação de que “a globalização atinge hoje os mais remotos pontos do planeta”. Para além deste maniqueísmo não rigor
Jean-Christophe Servant é jornalista.