O céu de repente volta a brilhar
No dia 24 de maio, Donald Trump anunciou a anulação de seu encontro com Kim Jong-un, marcado para 12 de junho. Para além das artimanhas retóricas destinadas a arrancar concessões da outra parte, os dois divergem a respeito do método para desnuclearizar a península. Já o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, não poupa esforços para fechar um acordo de paz
O mundo inteiro o via como um ditador aterrorizante, fraco e perverso; ele apareceu sorridente, amável e aberto. Em poucos dias, o líder da República Popular Democrática da Coreia, a Coreia do Norte, passou de little rocket man [pequeno homem-foguete], nas palavras pouco delicadas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a chefe de Estado responsável, à altura de seu colega sul-coreano. A ofensiva de charme de Kim Jong-un, cruzando a fronteira num aperto de mão com Moon Jae-in, rindo e brincando, no dia 27 de abril, foi um sucesso. Parte da elite sul-coreana está à beira da “Kim-mania”, e o líder do Norte já não é visto como um pária – o que é sempre melhor quando se quer negociar.
Desde os Jogos Olímpicos de Inverno em Pyeongchang, em fevereiro, teve início um balé diplomático: após o encontro no paralelo 38, em Panmunjeom, uma cúpula histórica, anulada até o fechamento desta edição, deveria ser realizada entre os líderes norte-coreano e norte-americano em Cingapura, no dia 12 de junho.
Para medir a extensão da reviravolta, vale lembrar que há menos de um ano Kim disparava mísseis no Pacífico e fazia testes de armas atômicas, enquanto o presidente dos Estados Unidos o bombardeava com tuítes de vingança, e o Conselho de Segurança da ONU apertava as sanções contra seu país. Como explicar essa virada?
Trump e seus seguidores não estão surpresos, vendo nisso o sucesso de seus métodos robustos (incluindo as tuitadas) e a prova da sensatez de seu slogan favorito: impor “a paz à força”. Sozinhas, as ameaças de um dilúvio de fogo sobre a Coreia do Norte teriam dobrado o senhor de Pyongyang. O caso é divertido, mas, se fosse verdade, a dinastia Kim já teria entrado na linha há muito tempo. A história, porém, mostra o inverso: o primeiro lançamento de um míssil norte-coreano, em 1993, nasceu da recusa por parte dos Estados Unidos em discutir com o avô de Kim Jong-un, Kim Il-sung. A decisão do ex-presidente George W. Bush de tratar a Coreia do Norte como “Estado vilão” e fortalecer o embargo, em 2002-2003, levou o pai de Kim Jong-un, Kim Jong-il, a fortalecer o programa nuclear do país.
O filho aprofundou a disputa, enquanto na Coreia do Sul o governo conservador (Lee Myung-bak, depois Park Geun-hye, atualmente presa por corrupção) fechava todas as portas ao vizinho do Norte, com a bênção do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que considerava o abandono do programa nuclear um pré-requisito – o que foi equivocadamente chamado de “paciência estratégica” da administração dos Estados Unidos. Como explica Jeong Se-hyun, ex-ministro sul-coreano da Unificação: “Isso não era uma política. Ninguém poderia esperar que a Coreia do Norte abandonasse voluntariamente a arma atômica sem nenhuma compensação”. E acrescenta: “Ironicamente, a demora deu ao país tempo para refinar sua tecnologia nuclear”.1
Mais do que as ameaças, foi a ruptura com essa estratégia de “tudo ou nada” que levou o líder norte-coreano à mesa de negociações. Embora habituado à hostilidade, Trump, felicíssimo em poder dar as costas à política de seu antecessor, não desdenha a política dos pequenos passos. “Cada etapa é importante”, garante seu secretário de Estado, Mike Pompeo. “O objetivo continua o mesmo: desarmamento completo, verificável, irreversível. Esse é o propósito desta administração”2 – propósito, não condição prévia. Ele esclarece, com um toque de ênfase, que se trata de uma “oportunidade sem precedentes de mudar o curso da história”. Obviamente, e mesmo que possamos lamentar o fato, essa reviravolta (esperada) não seria iniciada sem o arsenal nuclear da Coreia do Norte.
Seja como for, a ideia de inscrever seu nome na história, destacando-se de Obama, certamente contou muito para a mudança de Trump, sobretudo porque ele espera obter rapidamente a destruição dos mísseis balísticos capazes de atingir o território dos Estados Unidos: “Temos a obrigação de abrir discussões para tentar encontrar uma solução pacífica para garantir que os norte-americanos não corram mais perigo”, explicou Pompeo.3
Sem subestimar a importância do encontro entre os líderes da Coreia do Norte e dos Estados Unidos – o primeiro desde 1953 –, a mudança de atitude dos dois lados do Pacífico deve-se principalmente à tenacidade do presidente da Coreia do Sul, que levou bronca, no verão passado, em um tuíte de Trump: “A estratégia de apaziguamento não leva a nada” (3 set. 2017).4 Já na primavera anterior, durante a campanha para a eleição presidencial após a Revolução das Velas – enormes manifestações que terminaram com a destituição de Park5 –, Moon comprometeu-se a apoiar a retomada do diálogo entre as Coreias. Dizer que ele teve de enfrentar muitos obstáculos é pouco.
Apenas um mês após assumir o cargo, Moon anunciou claramente: “Estamos determinados a entrar em um diálogo incondicional se a Coreia do Norte suspender as provocações”.6 Em vão. Ele tentou novamente, e por mais tempo, em 6 de julho, durante uma conferência em Berlim. A capital alemã, dividida durante a Guerra Fria, não foi escolhida ao acaso: dezessete anos antes, Kim Dae-jung – presidente da Coreia do Sul entre 1998 e 2003 – definiu ali a Doutrina de Berlim, que levou a um aperto de mão histórico com o então dirigente do Norte, Kim Jong-il, em junho de 2000, dando início a quase uma década de diálogo e intercâmbio. Essa “política do raio de sol” (sunshine policy), contudo, chocou-se contra a intransigência dos Estados Unidos, naufragando, em seguida, com o retorno dos conservadores ao poder na Coreia do Sul, em 2008.7
Colaborador próximo de dois ex-presidentes democratas – Kim Dae-jung e Roh Moo-hyun –, Moon retomou a tocha, portanto, em Berlim, dois dias após o lançamento de um novo míssil balístico norte-coreano. Ele disse querer “embarcar em uma jornada audaciosa para estabelecer um regime de paz na Península da Coreia, com um papel proeminente do governo coreano”. Palavras cuidadosamente escolhidas: a “jornada” pressupõe várias etapas e uma autonomia em relação aos Estados Unidos. E esclareceu: “Não desejamos a ruína da Coreia do Norte e não trabalharemos por uma reunificação para que o Sul absorva o Norte”.8 Isso tranquiliza simultaneamente o governo norte-coreano e a população sul-coreana, pouco favorável a uma fusão, que seria bastante cara.
Por trás da guerra dos botões
Claro que o presidente sul-coreano não ignora o peso decisivo dos Estados Unidos, aos quais acaba de conceder a instalação do sistema antimísseis Terminal High Altitude Area Defense (Thaad), suspensa um mês antes. No entanto, ele teme intervenções intempestivas, como as que derrubaram a abertura dos anos 2000. Moon se lembra muito bem disso, pois ocupou vários cargos no gabinete do presidente Kim Dae-jung e participou das negociações com o Norte. Sem esperar sinal verde, convidou a Coreia do Norte para participar das Olimpíadas de Inverno.
No entanto, ele destacou em Berlim que “são precisos dois para dançar o tango”. Nada teria sido possível, de fato, sem a mudança de Kim Jong-un. É verdade que, em seus votos para 2018, este último lançou-se em um discurso clássico contra os Estados Unidos, lembrando: “O botão nuclear está à mão, na minha mesa, permanentemente” – declaração que provocou um tuíte antológico de Trump: “Eu também tenho um botão nuclear, e ele é muito maior e muito mais poderoso que o dele” (3 jan. 2018).
No entanto, por trás da guerra dos botões se organizava a mudança. Kim Jong-un não chama mais a Coreia do Sul de “fantoche” de Washington e anunciou: “2017 foi um ano de grande vitória, um ano em que estabelecemos um marco indestrutível”,9 remetendo ao fato de que seu país tem armas nucleares e agora pode brincar junto com os grandes. Depois aceitou o convite para as Olimpíadas, enviando uma delegação liderada por sua irmã mais velha, Kim Sul-song. Em 27 de abril, cruzou a linha de fronteira, também ciente de seu lugar no mundo: “Uma nova história começa hoje, um período de paz”, escreveu ele no Livro de Ouro da Casa da Paz. Um mês depois, anunciou com grande pompa a destruição do sítio de Punggye-ri, onde seis testes nucleares foram realizados desde 2006 e o qual desapareceu, sob o olhar atento de jornalistas estrangeiros, entre os dias 23 e 25 de maio. Especialistas internacionais não foram convidados, o que impede de verificar a real atividade abrigada nesses túneis.
Está claro que a Coreia do Norte não precisa mais de testes subterrâneos e domina a tecnologia.10 O senhor de Pyongyang pode, portanto, esperar uma relação de igual para igual com os Estados Unidos – o grande sonho da dinastia Kim – e passar para o segundo pilar de sua política, o desenvolvimento econômico, para que “o povo nunca mais precise apertar o cinto”, como prometeu quando chegou ao poder. Por enquanto, todo mundo está com ele, inclusive o Exército, que Kim “mandou de volta para o quartel”, nas palavras de um dos grandes especialistas franceses sobre a Península da Coreia, Patrick Maurus – sob o regime de Kim Jong-il, as Forças Armadas eram onipotentes. Já a nova classe abastada, que se beneficiou da flexibilização da política econômica,11 sem dúvida impulsionou essa virada estratégica, vendo com muito maus olhos a perspectiva de um recuo em função do fortalecimento das medidas de embargo.
O caminho rumo à paz não parece menos cheio de armadilhas. Todos querem a “desnuclearização” da península, mas nenhum dos protagonistas concorda sobre o que isso significa, a começar pelos Estados Unidos. Pompeo acredita na possível assinatura de um tratado de paz no lugar do armistício em vigor desde 1953 e em uma “real chance de desnuclearização” graças a “ações concretas da Coreia do Norte” que poderiam permitir considerar uma suspensão parcial do embargo.12 Já o conselheiro da Segurança Nacional, John Bolton, que também é ouvido pelo presidente, imagina mais um “cenário líbio” – em referência ao ex-presidente Muamar Kadafi, que em 2003 abriu mão de todo o arsenal nuclear e químico. Seu destino, morto pelos ocidentais dez anos depois, não anima Kim a seguir o mesmo caminho, embora este, ao contrário do líder líbio, possua a tecnologia que lhe permitiria, se necessário, retornar à corrida atômica. Claro que ambos os negociadores norte-americanos concordam com o objetivo final: uma Coreia do Norte completamente livre de bombas atômicas, mísseis e armas químicas.
Trata-se de desarmar somente a Coreia do Norte, quando esta, assim como a Coreia do Sul, fala sobre a desnuclearização de toda a península. A declaração conjunta adotada em 27 de abril em Panmunjeom afirma inequivocamente: “O Sul e o Norte confirmam seu objetivo comum de chegar a uma península sem armas nucleares” – portanto, sem o guarda-chuva norte-americano. O caso não está ganho, porque não se vê como a Coreia do Norte poderia abrir mão das armas atômicas. O país as considera um seguro de vida contra uma Coreia do Sul que possui o sexto maior Exército do mundo e pode contar com 28 mil soldados norte-americanos instalados no país, com suas armas de última geração.13
A visão norte-coreana baseia-se em uma série de “etapas progressivas e sincronizadas”. As concessões do Norte – desmantelamento de instalações, aceitação de controle internacional etc. – seriam seguidas de concessões norte-americanas e sul-coreanas: assinatura de um tratado de paz formal, normalização das relações com os Estados Unidos, suspensão das sanções, redução e depois fim dos exercícios militares conjuntos entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos. É quase a mesma posição sul-coreana.
Sem desejar romper sua aliança histórica com os Estados Unidos, o presidente da Coreia do Sul espera ser capaz de conter o ardor autoritário dos negociadores norte-americanos, com o apoio chinês. “O papel da China é vital para estabelecer a paz na península”, considerou adequado reafirmar um membro do gabinete presidencial sul-coreano.14 Esclarecimento ainda mais útil quando se sabe que o comunicado de Panmunjeom indicou que as negociações para alcançar o tratado de paz seriam feitas “a três – as duas Coreias e os Estados Unidos – ou quatro – com a China”. Em Seul, dizem que essa ambiguidade foi mantida pelos “pró-norte-americanos de Pyongyang”, que esperam emancipar-se (um pouco) da tutela econômica chinesa apostando em Washington, como seus antepassados jogaram com a Rússia e a China, então irmãos inimigos, para manter sua independência. Esse é pelo menos um ponto de acordo com os líderes de Washington, que tentam conter o poder chinês na região. Alarmados, os chineses lembraram, em um editorial contundente do oficial Global Times: “A China é indispensável para a desnuclearização da península”.15 Kim foi pessoalmente tranquilizar Xi Jinping alguns dias depois.
Já o presidente Moon não espera apenas o apoio político da China, mas também sua ajuda em espécie. Os dois países já concordaram em desenvolver a linha férrea ligando Seul ao porto chinês de Dandong, passando por Pyongyang e Sinuiju, cidade portuária norte-coreana no Rio Yalu. Em busca de novos motores de crescimento para gerar emprego (o desemprego entre os jovens é superior a 11,5%), o presidente sul-coreano aposta no que chama de “novo cinturão econômico da península”. Ele inclui tanto a pesquisa energética no Mar do Leste (onde haveria petróleo) como projetos de grandes infraestruturas e desenvolvimento de vastas áreas turísticas em ambos os lados da fronteira.
Internamente, Moon reforçou sua posição. Na véspera das Olimpíadas, 70% dos sul-coreanos entrevistados expressaram sua insatisfação após a montagem de uma equipe unificada de hóquei no gelo, imposta pelo presidente. Após a cúpula de Panmunjeom, 82% aprovavam sua ação e 65% declararam confiar na Coreia do Norte para manter a paz, contra apenas 14,7% antes de sua abertura.16
Seriam eles otimistas demais, como julgam alguns especialistas sul-coreanos? Para além das declarações de boas intenções, não é certo que um hipotético encontro entre Trump e Kim abra o caminho para verdadeiras negociações a fim de estabelecer um roteiro, cuja elaboração será, de qualquer forma, muito difícil, deixando espaço para possíveis provocações em ambos os lados do Pacífico…
*Sung Il-kwon é responsável pela edição sul-coreana do Le Monde Diplomatique; Martine Bulard é jornalista do Le Monde Diplomatique.