O discurso anticapitalista do papa
Após trabalhar pela reaproximação dos países, o chefe da Igreja Católica visita Cuba e Estados Unidos em setembro. Nos últimos dois anos, Francisco, primeiro papa não europeu em treze séculos, descentralizou o olhar da Igreja no mundo. Defensor de uma ecologia “integral” socialmente responsável, desafia as consciênciasJean-Michel Dumay
Diante de uma multidão reunida na Praça do Cristo Redentor, em Santa Cruz, a capital econômica da Bolívia, um homem vestido de branco repreende “a economia que mata”, o “capital transformado em ídolo”, “a ambição sem limites do dinheiro que comanda”. No dia 9 de julho, o chefe da Igreja Católica não se dirigia apenas à América Latina, que o viu nascer, mas ao mundo todo, que ele procura mobilizar para colocar um fim na “ditadura sutil” que exala o mau cheiro do “esterco do diabo”.1
“Precisamos de uma mudança”, proclama o papa Francisco três dias antes de incitar os jovens paraguaios a “desafiar a ordem”. Em 2013 no Brasil, pediu às pessoas que atuassem como “revolucionárias” e se posicionassem “contra a corrente”. Em suas viagens, o bispo de Roma profere um discurso cada vez mais virulento sobre o estado do mundo, sua degradação ambiental e social, e usa expressões fortes contra o neoliberalismo, o tecnocentrismo e um sistema econômico de efeitos nefastos: uniformização de culturas e “globalização da indiferença”.
Em junho, nessa mesma linha, Francisco dirigiu à comunidade internacional um “convite urgente para um novo diálogo, o diálogo pelo qual construiremos o futuro do planeta”. Nessa encíclica sobre a ecologia, chamada Laudato si’ (“Louvado seja”), chama cada um, fiel ou não, para uma revolução de comportamentos e denuncia um “sistema de relações comerciais e de propriedade estruturalmente perverso”.
O pontífice assegura que outro mundo é possível, não no Juízo Final, mas aqui embaixo e agora. O papa celebridade, na linha midiática de João Paulo II (1978-2005), fragmenta e divide: por um lado é canonizado por figuras da ecologia e altermundialistas (Naomi Klein, Nicolas Hulot, Edgar Morin) por “sacralizar o desafio ecológico” em um “deserto do pensamento”;2 por outro, demonizado pelos ultraliberais e pelos céticos em relação à questão climática, capazes de descrevê-lo como “a pessoa mais perigosa do mundo” – como o caricaturou um polemista do canal ultraconservador norte-americano Fox News.
As direitas cristãs se inquietam ao ver um papa de discurso esquerdista e reticente sobre o aborto. E os editorialistas da esquerda laica se perguntam sobre a profundidade revolucionária desse homem do Sul, primeiro papa não europeu desde o sírio Gregório III (731-741), que se escandaliza diante do tráfico de imigrantes, pede apoio aos gregos e rejeita o plano de austeridade, nomeia um genocídio (dos armênios) de “genocídio”, assina um quase acordo com o Estado palestino, apoia sua testa em oração no Muro das Lamentações contra a separação que os israelenses impõem aos palestinos e se aproxima de Vladimir Putin sobre a questão síria quando a tendência, entre os ocidentais, é sancionar a Rússia pelo conflito ucraniano.
“Ele colocou a Igreja novamente no cenário internacional”, analisa Pierre de Charentenay, especialista em Relações Internacionais na revista jesuíta romana Civiltà Cattolica. “E mudou a aparência da instituição. Ele é o campeão do altermundialismo e questiona o conjunto do sistema.”
Precisamente, o que diz o primeiro papa jesuíta e sul-americano é o seguinte: a humanidade carrega a responsabilidade pela degradação planetária e deixa o sistema capitalista neoliberal destruir o planeta, “nossa casa comum”, semeando desigualdade. A humanidade precisa romper com uma economia – como diz o economista, e também jesuíta, Gaël Giraud – “que desde Adam Smith e David Ricardo exclui a questão ética, impondo a ficção da mão invisível” que deveria regular o mercado. Essa mão precisa, atualmente, de uma “autoridade mundial”, de normas restritivas e, sobretudo, da inteligência dos povos a serviço de quem é urgente redirecionar a economia. Porque a solução, política, está em suas mãos, e não nas mãos das elites, acometidas pela “miopia das lógicas de poder”.
Para o papa, a crise ambiental é, antes, moral, fruto de uma economia desligada do ser humano, na qual as dívidas se acumulam: entre ricos e pobres, Norte e Sul, jovens e velhos. E na qual “tudo está conectado”: pobreza-exclusão e cultura do desperdício, ditadura do curto prazo e alienação consumista, aquecimento global e congelamento de corações. Dessa forma, “uma abordagem ecológica verdadeira sempre se transformará em abordagem social”. Convocada a se repensar, a humanidade precisa buscar uma “nova ética nas relações internacionais” e uma “solidariedade universal” – é o que pedirá Francisco na Assembleia Geral da ONU no dia 25 de setembro, no lançamento dos Objetivos do Milênio para o Desenvolvimento.
Sem dúvida, nada disso é novo. “Francisco se insere como uma bonita continuidade na linha do Concílio do Vaticano II [aquele ocorrido entre 1962 e 1965, cujo objetivo era abrir a Igreja ao mundo moderno]”, constata Michel Roy, secretário-geral da rede humanitária Caritas Internacional. Assim, o pontífice revisita a doutrina social da Igreja elaborada na era industrial e alinha suas convicções às de Paulo VI (1963-1978), primeiro papa das grandes viagens intercontinentais. Depois da reforma de João XXIII (1958-1963), foi ele quem fisicamente saiu primeiro do papado da Itália, internacionalizou o colégio dos cardeais, multiplicou as nunciaturas (embaixadas da Santa Sé) e as relações bilaterais com os Estados.3 Também foi Paulo VI quem levou a Igreja para além de suas competências restritas de guardiã das liberdades religiosas e tornou-a “solidária com as angústias e penas de toda a humanidade”.4 Para ele, desenvolvimento era o novo nome da paz; uma paz entendida não como um estado, mas como o processo dinâmico de uma sociedade mais humana pelo compartilhamento da riqueza.
Contudo, se por um lado existe essa continuidade – para alguns, inclusive, ela representa o ápice da aposta católica empreendida nos anos 1960 –, por outro é difícil ignorar que o pontífice argentino vai além de seus predecessores. Apesar de o polonês João Paulo II e o alemão Bento XVI não economizarem no discurso antiliberal, eles ficaram marcados pelo rigor doutrinal. O último foi acometido também por alguns “contratempos” que a administração do Vaticano teve certa dificuldade em contornar, como o caso VatiLeaks: a difusão de documentos confidenciais que acusavam a Santa Sé de corrupção e favorecimento ilícito, notadamente em contratos assinados com empresas italianas.
Há duas opiniões sobre as razões da renovação atual: uma delas defende que se trata do contexto, e a outra, de que se devem a características inerentes ao homem. “No plano ético-político, Francisco preenche um vazio em nível internacional”, constata François Mabille, professor de Ciência Política na Federação Universitária e Politécnica de Lille e especialista em diplomacia pontifical. Ele é o papa pós-crise financeira de 2008, como João Paulo II foi o do fim do comunismo. “Ao realizar um aggiornamento da doutrina social, Francisco introduz o pensamento sistêmico na Igreja, segundo o qual todos os fatores sociais estão relacionados. Além disso, ocupa com sucesso o lugar da reivindicação de protesto”, analisa Mabille. E acrescenta: “Ele tem senso de urgência. O tempo da Igreja já não era o tempo do mundo. Tudo ia muito rápido para Bento XVI. Francisco sentiu a necessidade de a Igreja estar no passo da emancipação, e não mais da reação”.
Antes de ganhar o mundo, contudo, Francisco estremeceu a própria casa. Adepto de uma sobriedade que compartilha com Francisco de Assis, de quem emprestou o nome, instaurou um papado preocupado com o exemplo. Renunciou a atributos de vestimentas e hábitos honoríficos e foi viver em um quarto e sala de 70 m², em vez dos luxuosos apartamentos pontificais. O papa deseja atingir o campo simbólico e, para isso, não se restringe à palavra: empreende gestos concretos – o que tem seu peso em uma sociedade pautada pela imagem.
Dessa forma, como um bom samaritano, aparece sempre direto, espontâneo, cara a cara. Designado por seus pares para reformar em profundidade a Cúria, ou seja, o aparelho estatal da Santa Sé, Francisco fez uma lista de quinze males que acometem a instituição, marcada por um clientelismo à moda italiana. Entre os itens, o “Alzheimer espiritual” e, em primeiro lugar, o hábito de “acreditar-se indispensável”.5
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NÃO MARXISTA
Para governar, o papa se cercou de uma guarda próxima com oito cardeais. Criou comissões para reformar as finanças e a comunicação, multiplicou as instalações de especialistas laicos para aconselhar sua administração, criou um tribunal no Vaticano para julgar bispos que acobertaram padres pedófilos, nomeou um primeiro escalão com quinze novos cardeais, que serão os futuros eleitores de seu sucessor. O próximo papa será escolhido com o anterior ainda em vida, como quis Bento XVI para ele mesmo. Francisco repetiu essa premissa antes de partir em visita a Evo Morales na Bolívia e a Rafael Correa no Equador: ele é contra “líderes vitalícios”.
Seus novos conselheiros foram escolhidos entre aqueles que vivem questões sociais na pele, como em Agrigento, diocese de Lampedusa, a ilha de imigrações clandestinas. Francisco tem procurado seus prelados na Ásia, na Oceania, na África e na América Latina, estabelecendo regras sem escrevê-las: chega de arquidioceses que empurram mecanicamente seus titulares para a alta hierarquia romana, aumentando o peso da Europa no conclave e, em seu seio, o da Itália.6
“Esse papa enfrenta tabus e dá pontapés na fórmula estabelecida, sem tomar as devidas precauções”, constata um diplomata francês, analista da ação pontifical. “Ele entendeu que é um chefe de Estado. A função o tomou completamente. Ele é pragmático e muito político”, continua. Tudo isso repercute na Igreja, porque Francisco “é” a Igreja, como ele mesmo lembrou àqueles que se preocupavam se a instituição o seguiria.
“Ele está sendo muito procurado”, declara um conselheiro pontifical. Em dois anos, mais de cem chefes de Estado foram recebidos no Vaticano. Alguns buscavam mediação de conflitos: Estados Unidos e Cuba, aos quais facilitou a reaproximação; Bolívia e Chile, em função da reivindicação boliviana de acesso ao mar (ver artigo nas págs. 22 a 24). Essas abordagens convergem com os desejos do papa, que gostaria de reabrir em Roma um escritório de mediação pontifical, mesmo sem sucesso garantido: em junho de 2014, reuniu, de forma midiática, o primeiro-ministro palestino, Mahmud Abbas, e o presidente israelense, Shimon Peres, nos jardins do Vaticano – o que não impediu os ataques mortíferos de Israel em Gaza um mês depois.
Nascido na Argentina como Jorge Mario Bergoglio, Francisco “é o primeiro papa que compreende verdadeiramente as mudanças Sul-Sul, seja em relação a bens materiais, simbólicos ou religiosos”, observa Sébastien Fath, membro do Grupo Sociedades, Religiões, Laicidades do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla em francês). “Ele sabe que os pregadores africanos estão ligados às Igrejas brasileiras, que os jesuítas indianos partem em missões na África”, completa Fath. “É um latino perfeito… que não fala inglês”, completa Roy, da Caritas. Bergoglio foi garoto nos subúrbios de Buenos Aires e possui sua própria geografia do espaço: menos a do Sul oposto ao Norte que a de um centro antagonista das “periferias”, sejam elas espaciais (países pobres, periferias, favelas) ou existenciais (populações precarizadas, excluídas). Nessa visão, as periferias existem também no Norte, e olhares colonialistas estão espalhados por circuitos globalizados. É isso que Francisco quer que a Igreja trabalhe.
Bergoglio escolheu seu campo de batalha: o da “opção preferencial pelos pobres” e pelos “pequenos”, a quem nomeia claramente em seus discursos, como em Santa Cruz: “catadores de lixo”, “vendedores ambulantes”, “camponeses ameaçados”, “trabalhadores excluídos”, “indígenas oprimidos”, “imigrantes perseguidos”, “pecadores que não resistem às propagandas das grandes corporações”. Francisco é pastor com vínculos missionários fortes, poderia se dizer. Não um diplomata. Isso é um problema? Não, pois para isso existem os diplomatas da Santa Sé, coordenados pelo experiente secretário de estado do Vaticano, Pietro Parolin, antes responsável por missões delicadas na Venezuela, Coreia do Norte, Vietnã e Israel.
O SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA
“O papa está convencido de que o futuro repousa sobre aqueles que estão nos territórios, atuando”, reconhece Roy. Ele desconfia de organizações (a começar pela sua!) cujas distorções levam, segundo ele, à esterilidade dos discursos autorreferenciais distantes da realidade. Isso o torna um dirigente de abordagem humana e gerencial em ascendência, constatam os diplomatas, enquanto seus predecessores atuavam de forma vetorial, do topo em direção à base, pela transcendência. “Abençoem-me”, disse Francisco aos fiéis na Praça São Pedro no dia de sua eleição, invertendo os papéis.
Essa proximidade com as populações, que lhe confere traços populistas (na juventude, esteve próximo a um grupo da Juventude Peronista), está fundamentada conceitualmente na teologia do povo, um braço argentino não marxista da teologia da libertação.7 “Uma teologia para o povo, e não pelo povo”, resume Pierre de Charentenay, para marcar a diferença. “O papa opera um tipo de retomada popular e cultural da teologia da libertação.” Trata-se também de uma reabilitação. Oriunda da apropriação latino-americana do Vaticano II nos anos 1970, a teologia da libertação foi desprezada por Bento XVI e João Paulo II por sua abordagem marxista. Em setembro de 2013, Francisco recebeu, em audiência privada em Roma, um de seus ilustres fundadores, o padre peruano Gustavo Gutierrez. Em maio de 2015, beatificou Oscar Romero, o arcebispo de San Salvador assassinado em 1980 por militantes de extrema direita. Seus predecessores nem sequer se deram ao trabalho de abrir uma investigação. De acordo com Leonardo Boff, um dos líderes brasileiros do movimento, a visão de Francisco se inscreve “na grande herança da teologia da libertação”. Seu papado poderia até abrir uma “dinastia de papas do Terceiro Mundo”.8
Bergoglio encarna também o papa administrador: o primeiro a exercer concretamente suas responsabilidades territoriais, extradiocese, em nível regional. De 2005 a 2011, foi presidente da Conferência Episcopal argentina.9 De repente, “as tropas [no Vaticano] estão mais bem organizadas, e sua personalidade e seu envolvimento pessoal dinamizaram a diplomacia da Santa Sé”, constata um observador romano.
Como dirigente, definiu um caminho para sua multinacional. Habilmente, articula o ataque em função de seu alvo. Mundo afora, faz seu projeto ser conhecido como “internacionalismo católico”,10 com objetivos como participar da pacificação das relações entre Estados, promover a democracia, insistir nas estruturas de diálogo internacional, zelar pela justiça entre os povos, estimular o desarmamento, o bem comum internacional – entre outros temas que às vezes conferem à Igreja um ar de ONG. Internamente, aos seus colegas cardeais, o jesuíta enfatizou o essencial: evangelizar. Mas também incentivar que a Igreja saia de si mesma, de seu “narcisismo teológico”, para se dirigir às “periferias”.11
Para evangelizar, porém, Francisco não levanta a cruz como João Paulo II, que, desde seu primeiro sermão, atuou na ofensiva: “Não tenham medo! Abram as portas ao Cristo, abram as fronteiras dos Estados, dos sistemas políticos e econômicos…”.12 O papa argentino tem outro senso político. Não hesita em fazer a Igreja trabalhar junto aos movimentos populares, que estão longe de compartilhar de sua fé. Ele compreendeu que se por um lado a Igreja permanece universal, por outro não é o centro do mundo.
Essas novas inclinações, entretanto, não escondem as dificuldades. Um exemplo é o caso do Oriente Médio. Em 2013, Francisco lançou as atenções da diplomacia do Vaticano sobre a Síria, pedindo paz, enquanto França e Estados Unidos queriam derrubar o regime de Bashar al-Assad. Um ano depois, a Santa Sé precisou recuar e pediu à ONU que “fizesse de tudo” para conter as violências da Organização do Estado Islâmico (OEI), responsável por “uma espécie de genocídio” que obrigava os cristãos ao êxodo.
Da mesma forma, na Ásia, região entendida como uma fonte de desenvolvimento, a diplomacia do Vaticano patina. Se as relações com o Vietnã estão esfriando, na China uma corrente católica controlada pela Associação Patriótica dos Católicos Chineses – cuja estrutura é estatal – continua a escapar do bispado de Roma. Sem dúvida, Francisco se desdobrou para apaziguar o presidente Xi Jinping – notadamente evitando um encontro com o Dalai Lama – e reconheceu um bispado em julho em Anyang (província de Henan), o que não acontecia havia três anos. Mas a realidade está longe dos sonhos missionários: desde o início deste ano, de acordo com os relatórios da agência Igrejas da Ásia, as autoridades chinesas destroem dezenas de cruzes nas igrejas, consideradas muito ostensivas, principalmente na província de Zhejiang. Finalmente, na Índia, a ínfima minoria católica (2,3% da população) é regularmente submetida a atentados.
Para Francisco, contudo, os obstáculos não estão apenas em terras longínquas não cristianizadas. Nos Estados Unidos, onde se apresentará no dia 24 de setembro diante do Congresso, sua popularidade caiu consideravelmente. Em fevereiro, 76% da população tinha opinião favorável em relação ao papa. Em julho, após a publicação da encíclica e do discurso de Santa Cruz, o índice caiu para 59%. A queda foi ainda mais acentuada entre os republicanos (45%).13 O tom é ácido. Francisco é acusado de tropismo latino-americano, de ter pouca consideração com o que capitalismo trouxe aos países mais pobres e de proferir discursos que não propõem soluções.14
À esquerda, suspeita-se de uma ofensiva sedutora para abrir caminhos a pílulas mais amargas – observando, por exemplo, a manutenção da oposição doutrinal à contracepção e a ausência de estímulo ao uso do preservativo como forma de combater a transmissão do vírus HIV. Os conservadores, por sua vez, não aprovam suas atribuições teológicas e morais. “Não sigo a política econômica dos meus bispos, cardeal ou papa”, declarou Jeb Bush, candidato republicano à Casa Branca convertido ao catolicismo há 20 anos.15 O papa não se intimidou: “Não espere deste papa uma receita. A Igreja não tem a pretensão de substituir a política”.
De forma geral, Francisco concentra esforços em questões sociais, pelas quais os órgãos do Vaticano trabalham há dois anos na surdina. Em 2014, abriu uma caixa de Pandora ao pedir aos bispos, reunidos no sínodo, que se dedicassem a uma pesquisa sobre a família. Os trabalhos serão finalizados em outubro deste ano. Em diversas ocasiões, ele mencionou a necessidade de evolução no tema dos divorciados que se casaram novamente e foram privados da comunhão, ou ainda na questão da homossexualidade.
Internamente, Francisco quer romper com o centralismo romano, desenvolver o colegiado, levar às conferências episcopais sua parte de autoridade doutrinal, promover a enculturação da liturgia. Tais ações podem abalar a unidade de sua Igreja. Ora, ele já está com 78 anos. E a Cúria, universo que lhe era desconhecido, opõe grandes resistências. “Ele enfrenta obstáculos. O arado está preso em uma terra difícil”, observa Pierre de Charentenay. Em relação à família, Francisco pede “um milagre”. Quanto ao resto, por enquanto ninguém aposta que esse papa impertinente terá sucesso.
*Jean-Michel Dumay é jornalista.