O discurso que ameaça os direitos indígenas e a Amazônia
A Amazônia mato-grossense se tornou destaque nacional por causa da suposta descoberta de uma cidade antiga, chamada Ratanabá. A existência da cidade perdida seria a razão pela qual o mundo inteiro está interessado na Amazônia brasileira. São discursos e desinformações deste tipo que acabam por atrair a atenção de milhares de pessoas. Eles têm a capacidade, quando aliados a interesses econômicos de exploração de recursos naturais, de causar destruição de territórios e modos de vida que, no contexto em que o fenômeno é criado, são considerados menos importantes
A Amazônia mato-grossense se tornou destaque nacional recentemente, em decorrência de um anúncio sobre a descoberta de uma cidade antiga, Ratanabá. As formações visíveis do alto da floresta, no município de Apiacás, no extremo norte do estado de Mato Grosso, seriam os seus resquícios, incluindo suas grandes pirâmides. Teria sido a “capital do mundo”, segundo o título de um vídeo que viralizou nas redes sociais. A descoberta da suposta cidade foi atribuída a Urandir Fernandes Oliveira, pessoa próxima ao ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro, Mário Frias. Urandir é fundador da Dakila Pesquisas e se tornou conhecido recentemente como o interlocutor do lendário ET Bilu. Ratanabá foi anunciada como a solução dos problemas da humanidade, e o crédito foi atribuído a Dakila Pesquisas. Nas palavras de um de seus divulgadores, o instituto “será reconhecido mundialmente por tudo aquilo que trará de inovação tecnológica para o bem da população”.
A pérola da cidade submersa na Amazônia ressoou nas redes sociais desde o início do mês de junho. Ela mexeu com o imaginário popular. Que tesouros estariam escondidos debaixo da copa das árvores? O que seriam as linhas cruzadas observadas na floresta, cujas imagens foram amplamente divulgadas? De acordo com os formuladores da teoria, trata-se de um grande império, que acumula conhecimentos e riquezas jamais vistos. Um verdadeiro Eldorado, onde seria possível encontrar mais ouro e prata do que os espanhóis e portugueses saquearam durante a colonização das Américas.
Não demorou para teorias da conspiração serem apresentadas. A existência da cidade perdida seria a razão pela qual o mundo inteiro está interessado na Amazônia brasileira. Tal informação ainda não teria sido revelada devido ao sigilo estabelecido por órgãos governamentais e estrangeiros, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Trataria-se de uma espécie de articulação com Organizações não Governamentais (ONGs) estrangeiras que atuam para “tomar a Amazônia de nós”. Um desvirtuamento que, enquanto se mostra absurdo, é útil aos interesses do grupo que o cria. No tempo em que a Ciência é chamada para explicar absurdos como os 450 milhões de anos de história da tal cidade perdida (os registros científicos dos primeiros hominídeos na África datam de cerca de 7 milhões de anos), os desdobramentos da invenção geram preocupações para as instituições de proteção socioambiental e representativas de povos indígenas.
São discursos e desinformações deste tipo que, mesmo sendo desmentidos por arqueólogos, acabam por atrair a atenção de milhares de pessoas. Eles têm a capacidade, quando aliados a interesses econômicos de exploração de recursos naturais, de causar destruição aos territórios e modos de vida que, no contexto em que o fenômeno é criado, são considerados menos importantes.
Conquistadores cronistas
O imaginário sobre a Amazônia ser uma terra fantástica não é novo, remete ao período da colonização das Américas. Ana Pizzarro, especialista em literatura e cultura na América Latina, defende a tese de que a Amazônia é uma construção discursiva e não se teria chegado a ela sem essa construção. Mas, por qual motivo, em pleno século XXI, ainda encontramos ressonância deste imaginário fantasioso no cenário brasileiro?
Para entender, vamos recuperar algo crucial da historiografia brasileira sobre a primeira metade do século XVI: a construção discursiva a partir dos registros dos chamados “conquistadores-cronistas”, como Diogo Nunes, sobre as possíveis riquezas da Amazônia. Em carta endereçada a D.João III (rei de Portugal), em 1553/54, Nunes descreve ter visto riquezas como ouro e prata disponíveis em abundância para serem “conquistadas” no imenso território, até então desconhecido pelos portugueses e espanhóis, da floresta amazônica. Sua narrativa é construída 15 anos após ter integrado a expedição de Alonso Mercadillo, em 1538, financiada pela colonização espanhola.
Embora a expedição liderada por Mercadillo não tenha logrado o sucesso esperado, nem Diogo Nunes tenha sido atendido por D. João III em seu intento expedicionário, o “conquistador-cronista” esteve na região chamada de “Província de Manchifaro”, que corresponde atualmente a região situada entre os rios Tefé e Coari, no Amazonas. Foi a partir desta experiência que Nunes relatou ter visto ouro e prata nos adornos usados pelos indígenas Chupacho e Iscaicinga, alvos da expedição fracassada e habitantes da região. Entretanto, as análises historiográficas demonstram que tais relatos eram, via de regra, exagerados em suas descrições, considerando os objetivos dos “conquistadores-cronistas”. No caso de Nunes, o objetivo era o de convencer o rei de Portugal a financiar uma expedição sob seu comando, para a região “próspera”, para que, quiçá, ele viesse a ser empossado governador daquele território, que poderia ser incorporado ao domínio português.
Auxiliomar Silva Ugarte, historiador que analisou as cartas escritas pelos “conquistadores-cronistas” sobre a Amazônia nos séculos XVI e XVII, em obra que trata da visão dos cronistas ibéricos a respeito dos povos indígenas da Amazônia, destaca que tais cartas e relatos contribuíram, sobremaneira, com a criação do imaginário sobre a Amazônia ser uma terra de maravilhas. O autor estuda as especificidades estilísticas dos textos e aponta que há o uso constante de superlativos bem como é recorrente o caráter testemunhal, reforçando a ideia de que tais narradores, pelo fato de terem estado na Amazônia, descreveriam somente a verdade sem quaisquer intencionalidades.
Sabemos que muitas histórias circularam no “velho mundo” a respeito de uma terra fantástica de maravilhas e riquezas no “novo mundo”, denominada ora Eldorado, País das Canelas, ora terra das Amazonas (mulheres guerreiras). Presentes no imaginário europeu, naquele contexto colonizador, contribuíram para atrair aventureiros dispostos a encarar uma nova vida em outro continente, distante, sonhando com ganhos pessoais e materiais, além de status e fama.
O imaginário fantasioso sobre a Amazônia compôs um discurso bastante eficiente no sentido de contribuir para estimular os processos de colonização do “novo mundo” entre os séculos XVI a XIX, período de definição das atuais fronteiras dos países que conhecemos na América do Sul. Processos que, fundamentalmente, estiveram indissociáveis de práticas violentas nas disputas pelo domínio de territórios habitados por milhares de pessoas, que foram genericamente chamadas de “índios” e “selvagens”, dentre outras denominações pejorativas. Foram pensados como empecilhos a serem vencidos pela empreitada colonizadora. Sabemos as consequências dessas ações para os povos originários das Américas, pois foram escravizados, deslocados compulsoriamente de seus territórios, violentados fisicamente e também culturalmente, por meio das missões religiosas, como vastamente demonstrado pela história, pela antropologia e denunciado pelos povos indígenas.
Discurso “ocupar para não entregar”
Uma história que se repete no século XX. A historiadora Regina Beatriz Guimarães Neto estudou as táticas usadas pelo governo militar, durante a década de 1970, para atrair agricultores da região sul do país para a Amazônia, no norte do estado de Mato Grosso. Sua pesquisa se concentra nos motivos que fizeram com que pequenos agricultores, colonos que vieram para o município de Alta Floresta, no norte de Mato Grosso, saíssem de suas terras (no estado do Paraná, predominantemente) em busca da terra prometida. O que a autora nos revela são mecanismos discursivos, aliados a práticas autoritárias e controladoras das terras e das pessoas, operados por meio de um aparato ideológico empresarial da Integração Desenvolvimento e Colonização (Indeco), empresa colonizadora de propriedade de Ariosto da Riva, responsável pelos “espaços da colonização” dos municípios de Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás. A colonizadora divulgava a Amazônia como a terra “onde tudo cresce, onde tudo dá”, inclusive o café. Ariosto da Riva sabia que a cultura do grão era de domínio dos agricultores do Paraná e usou a cultivar para atraí-los, tendo como ponto quente da propaganda a suposta riqueza do solo e do clima da Amazônia, em contraste com as geadas do sul, que de tempos em tempos destruía as lavouras cafeeiras. O grão se tornou conhecido como o “ouro verde”. Posteriormente foi tratado como lenda, levando em conta o pouco tempo que demorou para os agricultores descobrirem a fraude em que tinham se metido: a variedade de café “mundo novo” (variedade do grão arábica) não se adaptava às condições edafoclimáticas oferecidas pela região, desmentindo a propaganda da empresa colonizadora.
No sul do país, os colonos vivenciavam a tragédia da incorporação das pequenas propriedades aos latifúndios, viabilizada por uma política nacional de fomento a um modelo de produção agroexportador, cuja estrutura demandava pesados investimentos em mecanização, agroquímicos e sementes melhoradas geneticamente. O mito do Eldorado, indicado como a terra da abundância e da fartura, onde “há um tesouro à sua espera”, como anunciava o governo militar, foi assimilado como única solução aos problemas de desenvolvimento local da agricultura de pequena escala – e estímulo para a venda das propriedades agrícolas, seguida da migração e aquisição de uma área a ser “aberta” na Amazônia e transformada em lavoura. Mais de 100 municípios mato-grossenses, localizados sobretudo no centro e norte do estado, nasceram dessa dinâmica.
Empresas colonizadoras agiam em sintonia com a lógica desenvolvimentista do governo militar, que forneceu as condições (terras a preço de banana, como dizem), incentivos fiscais e financiamentos públicos para a colonização de uma região, considerada pelo Estado “improdutiva” e “vazia demograficamente”. Os impactos por elas produzidos mudaram profundamente a geografia, o ambiente e a vida de povos indígenas da Amazônia mato-grossense e dos agricultores-colonos, que vieram em busca da salvação para os seus problemas.
Os projetos de desenvolvimento estatal refletiam tais ideários desde o 1º Plano Quinquenal de Valorização Econômica da Amazônia (1955-59), ainda no governo Vargas, que se desdobra por todo o período da ditadura militar. Neste contexto, a busca pelo Eldorado aparece associada a uma prática política militarizada, caracterizada pelo aparelhamento dos órgãos estatais com instrumentos de violência contra aqueles considerados “outros” (indígena, posseiro, camponês, assalariado e sem-terra) inimigos a serem capturados e colonizados pelo homem “branco”, como demonstrou José de Souza Martins, sociólogo brasileiro que estudou as frentes pioneiras amazônicas.
O espaço ocupado atualmente pelos municípios de Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás é originalmente território dos povos Kayabi, Apiaká e Munduruku. Três iniciativas nacionais de integração econômica da região, em específico, marcam a violência contra estes povos. A primeira iniciativa que os afronta, na história do século XX, é caracterizada por políticas de exploração da Amazônia colocadas em prática no período anterior à década de 1940, com desdobramentos na migração de exploradores não-indígenas (seringueiros, gateiros, dentre outros), para a região. O segundo ponto de partida para a migração estimulada pelo Estado foi a iniciativa intitulada Marcha para o Oeste, promovida pelo Governo de Getúlio Vargas, a partir de 1941, com o objetivo de promover a integração econômica do interior do país. Atuou neste projeto, mais especificamente em desfavor dos interesses dos povos originários do norte de Mato Grosso, a equipe liderada pelos irmãos Villas-Bôas, que compunha a expedição Roncador-Xingu. A terceira fase, por sua vez, caracteriza a violência empreendida pelas empresas e cooperativas colonizadoras, como a INDECO e a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), entre outras que atuaram, direta ou indiretamente, na atração de colonos e garimpeiros de ouro para a região.
Villas-Bôas
No caso do povo Kayabi do norte de Mato Grosso, o primeiro grande disruptor de sua trajetória, no século XX, foi gerado pela ação dos irmãos Villas-Bôas, que convenceram parte do seu povo da necessidade de migrar para o território do Parque Indígena do Xingu. Resultaram deste movimento, dois agrupamentos Kayabi, dado que uma parte do povo não aceitou a mudança de lugar. O território remanescente, situado na altura do baixo Teles Pires, teve a demarcação concluída em 1994 (Terra Indígena Kayabi), sendo compartilhado com os povos Munduruku e Apiaká. No intervalo entre a mudança para o Parque Indígena e a demarcação do território tradicional do povo Kayabi, as culturas e modos de vida foram violentados pelo estabelecimento da Indeco. Agricultores pioneiros na região contam que as artimanhas da empresa para empreender práticas violentas contra os povos indígenas incluíam a distribuição de roupas envenenadas nas aldeias, com o objetivo de pôr fim às “barreiras” para o desenvolvimento, “esvaziar” as beiras dos rios, principalmente no rio Teles Pires. A historiadora Regina Beatriz relata, com base em uma entrevista realizada com um funcionário da Indeco, como se deu a relação da colonizadora com os indígenas: “Nós aqui domamos os índios e fizemos a limpeza da área”.
Leia o especial A morte anunciada do rio Teles Pires
O descortinamento da violência praticada contra o povo Kayabi denuncia, entre outros fatores, o processo de apagamento e/ou naturalização da violência nos discursos oficiais da época. Trata-se de um conjunto de elementos que trazem à luz a construção discursiva de uma Amazônia imaginada ou imaginária, que remonta, como apresentamos, ao período colonizador dos séculos XVI e XVII. Mas, não somente daquela época, pois sua prática tem sido acionada em outros tempos, inclusive, ainda nos dias de hoje. De forma geral, é o próprio Estado que cria e dissemina a violência, como ocorreu recentemente com a edição do Decreto nº 10.966/22, que estimula o desenvolvimento da atividade da mineração artesanal e em pequena escala no território nacional, despertando garimpeiros de todo o país para migrarem para a Amazônia. A consequência é a atividade garimpeira clandestina, que, nos dias de hoje, se expande assustadora e violentamente pela Amazônia, sobretudo em unidades de conservação e terras indígenas, como os graves casos nos territórios dos povos Yanomami e Munduruku.
Em outros contextos, a migração é promovida por invenções que mexem com a curiosidade das pessoas – como a ideia de um Eldorado rico em tesouros – que desencadeiam uma cascata de imaginações e criações individuais que podem resultar, em última instância, em um vertiginoso processo de ocupação ilegal de territórios indígenas. No caso da divulgação da notícia da suposta cidade perdida de Ratanabá, isso se traduz no risco, entre outros, de invasão clandestina da Terra Indígena (TI) Kayabi, do Parque Nacional do Juruena, nas proximidades da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados, onde vivem povos Kayabi, Munduruku e Apiaká. Além da invasão da Terra Indígena Munduruku, localizada no Pará, na fronteira com Mato Grosso.
Todos os discursos sobre a Amazônia como sendo uma terra prometida tem um aspecto em comum, os indígenas nunca são trazidos nas narrativas como povos que ali estão e que devem ser consultados sobre qualquer ação que afete suas vidas e território. Desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal, os povos indígenas e tradicionais têm o direito de manter seus costumes e sua identidade, além de terem garantidos pelo Estado brasileiro a proteção ao território que tradicionalmente ocupam. Em 2003, o Brasil passa a ser signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que reconhece aos povos indígenas e tradicionais o direito de serem consultados e decidirem sobre tudo o que possa vir a lhes afetar. Em 2004 e 2007, a Organização dos Estados Americanos e a Organização das Nações Unidas promulgaram a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, normas internacionais vigentes no Brasil que também tratam do direito à consulta aos povos indígenas, o que deveria ser suficiente para garantir uma vida segura a esses povos. Mas não é o que acontece, como é possível acompanhar pelas mídias do movimento indígena que a luta dos povos indígenas é pelo direito de viver.
Praticamente não se falou que a cidade-fantasia de Ratanabá está localizada dentro da TI Kayabi, na jurisdição do município de Apiacás, criado pelo projeto privado de Ariosto da Riva. A região é terra tradicionalmente ocupada pelos povos Kayabi, Munduruku e Apiaká, que mantêm relações de territorialidade materiais e imateriais que vão além da destinação dada pela acumulação capitalista, desrespeitadas sistematicamente pelos últimos governos com a construção do complexo de usinas no rio Teles Pires que, em despeito às manifestações contrárias dos povos Munduruku, Kayabi e Apiaká, destruiu lugares sagrados para os Munduruku como Paribixexe – Cachoeira Sete Quedas (atual hidrelétrica Teles Pires) e Dekoka’a (atual hidrelétrica São Manoel), com vistas a “A morte anunciada de um rio”.
Além disso, outro ponto a ser destacado é que está em curso uma disputa judicial impetrada pelo Estado de Mato Grosso e fazendeiros no Supremo Tribunal Federal para a redução da TI Kayabi, que abarca o perímetro da cidade-inventada, e que tem tido apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai), autarquia cuja finalidade é a defesa dos direitos indígenas, mas que, sob a gestão do atual presidente, tem agido no sentido contrário (fraudulento), como minuciosamente apresentado no dossiê Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro.
Em menos de cinco décadas, Mato Grosso saltou de uma grande extensão de sete léguas de mato alto, espesso, quase impenetrável, que deu origem ao nome do estado, para a posição de maior produtor brasileiro de soja, milho, algodão e carne bovina. Do centro ao norte do estado, em uma área de transição do Cerrado para a Amazônia, as terras ocupadas pelos pequenos agricultores foram, gradativamente, incorporadas pelo agronegócio. Além de ter alçado o ranking de terceiro lugar com a maior área de garimpos – ilegal em alta quantidade – incidindo em áreas proibidas como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Em alguns municípios do norte do estado, como Terra Nova do Norte, resistem apenas 15% da floresta nativa. A vegetação ficou reduzida a pequenos fragmentos de floresta amazônica, geralmente desconectados uns dos outros. O cenário pode se agravar caso seja aprovado o Projeto de Lei 337/22 do deputado Juarez Costa (MDB-MT), que propõe a retirada de Mato Grosso da Amazônia Legal. Em síntese, se aprovado, Mato Grosso passará de 80% para 20% na obrigatoriedade de manter reservas florestais, o que nas palavras do deputado vai poupar “os produtores mato-grossenses das despesas necessárias à manutenção de até 80% de terras sem uso agropecuário”
O que está em jogo quando uma notícia fraudulenta ganha tanta repercussão, como Ratanabá, é a possibilidade de se construir legitimidade para que interessados em explorar uma área protegida como Terra Indígena ou Unidade de Conservação, se concretize. Se até mesmo o ex-secretário de cultura compartilhou a “descoberta” em seu perfil oficial, entendemos que Ratanabá é a expressão da construção discursiva sobre uma Amazônia de riquezas que pode e deve ser explorada independente do que(m) lá exista. Como demonstrou o antropólogo Felipe Sotto Maior Cruz, do povo Tuxá, a letalidade branca é a causa da violência anti-indígena impetrada sistematicamente e agravada com o governo Bolsonaro, que criou condições e estimulou um processo de genocídio contra os povos indígenas no Brasil. Neste país, algumas vidas são menos importantes que outras.
Fernanda Silva é antropóloga, professora do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), Campus Alta Floresta, doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Marla Weihs é bióloga, professora na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus Alta Floresta, doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UNB).