O dreamteam da CIA
Desde a sua criação em julho de 1947, a agência de inteligência americana conheceu altos e baixos. Entretanto, todos que participaram das ações clandestinas de seu “grupo de choque constituído”, em 1954, foram beneficiados por uma constante: a impunidade irrestrita
“Nosso único delito foi termos nossas próprias leis, e nosso crime foi aplicá-las à United Fruit.” Eleito presidente da Guatemala em 1951, Jacobo Arbenz promulgou a reforma agrária, entre outras medidas progressistas. Em 4 de março de 1953, ele desapropriou 84 mil dos 234 mil hectares ocupados pela companhia americana United Fruit Company (UFCo). Em 17 e 18 de junho de 1954, um exército mercenário, proveniente da Nicarágua e de Honduras, entrou na Guatemala e, em 27 de junho, derrubou Arbenz. Na época, o secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles e seu irmão Allen, diretor da Central Intelligence Agency (CIA) eram acionistas da UFCo. A operação contou com a participação ativa da “equipe de choque” da CIA, que se manteve no poder durante várias décadas.
Ocorrida após o golpe no Irã que derrubou o dirigente nacionalista Mohammed Mossadegh, em 19 de agosto de 1953, a movimentação na Guatemala deu uma reputação de invencibilidade à CIA e se tornou modelo para as operações clandestinas no mundo inteiro. Em março de 1960, o presidente Dwight Eisenhower deu sinal verde para uma nova ação, visando, dessa vez, desestabilizar a Cuba revolucionária.
Os agentes que participaram da derrubada de Arbenz foram responsáveis pelo Projeto Cuba. Entre eles, Richard Bissell, número dois da CIA e chefe da operação; Tracy Barnes, que assumiu a formação da força-tarefa cubana; David Atlee Phillips, responsável pela guerra psicológica; e Howard Hunt, encarregado de formar o “governo provisório cubano”. Dois jovens juntaram-se ao grupo: Porter Goss, oficial de contraespionagem do exército, e George H. W. Bushpai. Este último ajudava a recrutar exilados cubanos para o exército de invasão da CIA.Em 17 de abril de 1961, cerca de 1.500 homens desembarcaram na Baía dos Porcos. Após sua derrota, em menos de 70 horas, os números um e dois da CIA, Dulles e Bissell, pediram demissão. Humilhado com a derrota, o presidente John F. Kennedy outorgou um poder exorbitante à Agência.
Ministro da Justiça e irmão do presidente, Robert Kennedy supervisionou uma nova agressão contra Cuba. Miami tornou-se então o epicentro da maior operação paramilitar – JM/WAVE – jamais vista em solo americano, liderada por Theodore “Ted” Shackley e Thomas “Tom” Clines. O grupo contava com o apoio do general Edward Lansdale, recém-chegado da Indochina, onde trabalhou com os serviços secretos franceses envolvidos na guerra colonial, de Richard Secord, oficial da força aérea dos EUA, e de David Sánchez Morales, oficial de contraespionagem do exército.
Quando eclodiu a “crise dos mísseis”, em 14 de outubro de 1962, Washington exigiu que os armamentos balísticos instalados pela União Soviética em Cuba fossem retirados. Moscou cedeu, com a condição de que os Estados Unidos se comprometessem a não invadir a ilha. Kennedy concordou e ordenou o desmantelamento da JM/WAVE.
A revolução cubana levou Washington a modificar radicalmente sua estratégia de segurança nacional. Os EUA deram início à reestruturação dos exércitos latino-americanos e fundaram um centro de treinamento e doutrinação, a Escola das Américas, na zona americana do canal de Panamá. Quando Kennedy foi assassinado, em 22 de novembro de 1963, sua doutrina de segurança nacional já estava implantada. A derrubada do presidente João Goulart, em 31 de março de 1964, marcou o início de uma série de golpes de Estado patrocinados por essa política.
A nova estratégia contou com a experiência dos agentes da JM/WAVE e dos homens que participaram da invasão da Baía dos Porcos. Alguns deles foram enviados para a Escola das Américas para serem formados em contraguerrilha. Eram eles: José Basulto, Jorge Mas Canosa, Francisco “Pepe” Hernández, Luis Posada Carriles e Félix Rodríguez Mendigutía.
Golpes e assassinatos
Em 8 de outubro de 1967, a equipe conheceu seu sucesso mais espetacular: capturou e matou Ernesto Che Guevara, sob a ordem do cubano Rodríguez Mendigutía.
Três anos depois, poém, a CIA não conseguiu evitar a eleição do socialista Salvador Allende à Presidência do Chile. Richard Nixon deu ordem à Agência de impedir que ele fosse empossado. A equipe enviada fracassou, mas conseguiu assassinar o comandante-chefe das forças armadas, general René Schneider, leal a Allende. Seu sucessor foi Augusto Pinochet. A organização da campanha internacional de difamação contra o governo Allende ficou por conta de Bush, embaixador americano junto às Nações Unidas.
Com Allende eliminado e Pinochet no poder, tudo estaria às mil maravilhas não fosse a CIA tornar-se objeto de escândalo e ter suas asas cortadas após uma boa parte de seus crimes ser revelada pela imprensa e pelas comissões parlamentares de inquérito Church e Rockefeller.
O órgão “delegou” então muitas de suas ações à Operação Condor e aos agentes cubanos do Comando de Organizações Revolucionárias Unidas (Coru). Este último fora criado na República Dominicana, em maio de 1976, por instruções da CIA, dirigida na época por Bush. Financiado pelo tráfico de drogas, o Coru tinha como comandantes Orlando Bosch e Posada Carriles. Eles foram os responsáveis por planejar, em 6 de outubro de 1976, a explosão de um avião da companhia Cubana de Aviación, que deixou 73 mortos. O voo havia partido de Caracas, na Venezuela. Entre os cinco homens detidos posteriormente estavam três veteranos do Projeto Cuba. A CIA de Bush fez o possível para impedir a investigação e ocultar as provas. Eleito presidente, o mesmo Bush deu anistia aos culpados, que passaram somente alguns anos na cadeia. Um deles, Guillermo Novo Sampol, foi detido no Panamá, em 17 de novembro de 2000, em companhia de Posada Carriles, quando preparavam um atentado a bomba contra Fidel Castro, em visita àquele país. Condenados a oito anos de prisão em 20 de abril de 2004, eles foram anistiados em 25 de agosto do mesmo ano pela presidente panamenha Mireya Moscoso, grande aliada dos Estados Unidos.
Nesse ínterim, a guerra de baixa intensidade dos americanos contra a Nicarágua reuniu a maioria desses agentes. O vice-presidente Bush supervisionava as operações. Embaixador dos Estados Unidos em Honduras, Negroponte transformou esse país numa plataforma militar de agressão, enquanto os esquadrões da morte do exército hondurenho – o Batalhão 3-16 – rep
rimiam a oposição. Rodríguez Mendigutía, que foi da Bolívia para os arrozais asiáticos, e daí para El Salvador, abastecia os contrarrevolucionários nicaraguenses (os contras), auxiliado por Posada Carriles. Para lhe confiar essa missão, a CIA e os meios anticastristas de Miami organizaram, em agosto de 1985, a fuga de Posada Carriles da prisão venezuelana onde ele havia sido encarcerado após o atentado contra o avião da Cubana de Aviación.
Como todo apoio financeiro aos contras foi proibido pelo Congresso americano, o vice-presidente Bush arrecadou fundos em todo lugar e por todos os meios. A venda ilegal de armas ao Irã, por intermédio de Israel, levou ao escândalo “Irã-contras” em 1986. Quando Bush pai foi eleito presidente, a Comissão do Senado, dirigida por John Kerry, provou a existência de uma aliança entre a CIA e a máfia colombiana.
Desde a sua criação em julho de 1947, a CIA conheceu altos e baixos. Entretanto, todos que participaram das ações clandestinas do grupo de choque constituído em 1954 – e ampliado com o passar dos anos – sempre foram beneficiados por uma constante: a impunidade. Só para citar alguns, Posada Carriles e Bosch vivem em liberdade em Miami. Rodríguez Mendigutía, que mandou executar Che, mora na mesma cidade e dirige uma empresa de consultoria em segurança. Após ter sido o primeiro embaixador dos Estados Unidos no “Iraque libertado”, Negroponte tornou-se o número dois do departamento de Estado, em janeiro de 2007. E, por fim, Porter Goss, presente no Projeto Cuba desde 1960, foi nomeado diretor da CIA entre setembro de 2004 e maio de 2006.
*Hernando Calvo Ospina é jornalista.