O futebol no sertão Baiano não é muito diferente
De um certo modo, o futebol é o mesmo, o que muda, são as histórias que precisam ser contadas. E o mais interessante, é que tudo faz parte do jogo, todo o entorno, os contos e o folclore que o envolve, esse é o nosso futebol.
Às quatro e pouquinho da manhã, já é possível ver que o céu vai ficando claro, o galo canta, e os pássaros começam a assobiar, é o prenúncio do nascer do dia. Quando o sol bate na terra, a impressão é de que a cidade se levanta em conjunto, tudo começa a funcionar quase que ao mesmo tempo, como se fosse algo vivo.
Os sons dos utensílios do campo, ecoam pela paisagem da terra forte e bem vermelha, vazia de prédios, carros e pessoas. O que se ouve, são algumas motocicletas passando por ali, acontece algumas vezes por dia. Aliás, as motos são o meio de transporte mais utilizado em Queimada de Claro, povoado com cerca de 330 habitantes localizado no semiárido baiano, há 510 km da capital Salvador.
O nome da comunidade dá-se por conta de um dos seus primeiros moradores, o comerciante Claro Izidoro da Silva, que mesmo morando na região, ateou fogo sobre a mata, para abrir caminho para plantações e a criação de gado. A partir daí, o povoado, ficou conhecido como a Queimada de Claro.
A comunidade, pertence ao município de Barro Alto desde 1985 e a estrada asfaltada mais próxima da região, é a BA 432 que liga Várzea do Cerco, até Irecê, maior cidade da região com mais de 60 mil habitantes. Para chegar em Queimada, é necessário entrar em uma estrada de chão, com um panorama de vegetação rasteira e terra bem vermelha, são mais ou menos vinte minutos até entrar no começo do povoado.
Logo de cara, aparece uma quadra poliesportiva enorme, bem no centro de Queimada, ao seu lado, uma árvore bem grande com alguns galhos retorcidos além de um mercadinho logo acima, um bar, algumas casas e uma escola, recém reformada.

A quadra, uma conquista da população local, foi levantada em 2008, como promessa de campanha de um antigo prefeito de Barro Alto, que depois de ser eleito ordenou a construção de várias quadras pelos povoados próximos. Antigamente, como não havia estrutura para jogar bola, os gols eram improvisados com chinelos em meio a terra e praticavam por ali mesmo, na terra e debaixo do sol.
“A gente ficou com muito mais vontade de jogar futebol, as crianças também né.
Eu mesmo, treinava as crianças de 4 a 10 anos, mas por causa de bola, rede, uniforme e infelizmente eu tive que parar com isso porque eu sozinho não tava aguentando manter comprar bola comprar tudo”.
Quem fala é Túlio Alves dos Anjos, corintiano de 28 anos, morador do povoado que trabalha na roça e é o responsável por tentar deixar tudo em ordem.
“É o seguinte, a quadra é pública da prefeitura, mas não tem assim um responsável, quem mais administra sou eu, eu organizo o time, levo o time para campeonato fora mas na verdade mesmo não tem assim, um cara (uma pessoa) pra tomar conta. A prefeitura ajuda assim, só na rede e na manutenção da quadra, agora uniforme e bola é tudo nós que arrecada um pouco de cada e compra algumas coisas”.
Pivô clássico e bom de proteger a bola, Túlio acaba tendo que jogar de goleiro algumas vezes quando está treinando com as crianças ou jogando com pessoal. Isso porque, eles pedem que ele vá para o gol, para conseguir ter um ‘’baba’’ mais equilibrado. Baba na Bahia significa o mesmo que pelada.
Além de ser um incentivo ao esporte, a quadra também virou um centro de encontro, para reunir todo o pessoal, que fica por ali em volta, tomando uma cerveja, conversando com os amigos, enquanto assistem o baba. A quadra é dividida em dias específicos para os treinos, nas segundas e quartas é para o futebol feminino e nas terças e sextas o masculino entra em campo. As meninas, agora tem até um treinador, que as ajuda para futuras competições.
Já os Escovados FC time de Túlio, participa tanto de campeonatos internos como viaja até outros povoados e municípios para jogar. ‘’Já ganhei uns três campeonatos. Um municipal que foi disputado aqui no município de barro alto e também fui vencedor em outros povoados locais.
Perguntado sobre ter algum clássico ou o “derby” da região, Túlio afirma que não tem um rival específico, mas também deixa escapar que existem alguns jogos diferentes, como por exemplo contra o time de Lagoa do Boi (povoado vizinho). “Tem jogo com eles assim é algo mais diferenciado, mas não tem tanta rivalidade”.
Outro ponto interessante é que muitas das pessoas de Queimada de Claro não torcem para os times baianos, nem da capital e nem do interior. É comum, ver bastante gente com a camisa do Corinthians como Túlio, e de outros times do sudeste como Vasco, São Paulo, Flamengo e Santos.

Isso se dá porque antes dos anos 2000, era muito difícil de acompanhar os jogos dos times de Salvador, já que todos os jogos eram transmitidos pelo rádio apenas para as cidades maiores com foco no litoral baiano. Então, muitos dos jogos que chegavam, até pela televisão, eram transmissões de times cariocas, ou paulistas e tudo redirecionado pelas filiais da TV Globo, então não existe uma identificação entre os torcedores com os clubes do próprio estado.
Também é comum encontrar pessoas com camisas de clubes europeus, tudo isso por conta da internet, que possibilitou o pessoal do povoado a acompanhar os jogos dos seus times de maneiras muito mais fáceis, até os estrangeiros, por isso é comum ver as crianças com uniformes de Real Madrid, Barcelona e PSG por exemplo.
De um certo modo, o futebol é o mesmo, o que muda, são as histórias que precisam ser contadas. E o mais interessante, é que tudo faz parte do jogo, todo o entorno, os contos e o folclore que o envolve, esse é o nosso futebol.