O golpe de Bolsonaro
Apesar de sua reduzida margem de manobra, Bolsonaro vai tentar um golpe. Não se trataria de um golpe militar clássico. A expectativa dele é que os militares possam cruzar os braços em caso de uma tentativa de golpe por PMs, milícias, seguranças privadas. Além do “risco Capitólio”, é bom não ignorar o “risco Bolívia”
O presidente Bolsonaro apresentou ao Senado um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Para a maioria dos analistas políticos foi um gesto absurdo, sem nenhuma possibilidade de prosperar. Enfim, um tiro no pé. Mas não creio que se trata de um gesto tresloucado de um psicopata. Vale lembrar aqui a famosa passagem da tragédia Hamlet, de Shakespeare: há um método nessa loucura.
Bolsonaro despencou nas pesquisas de opinião, teme perder a reeleição que ele nunca desejou e sempre buscou sabotar. Ao ser atacado, costuma responder com uma ofensiva, num raciocínio estritamente militar. Essas ofensivas são muitas vezes absurdas, desprovidas de sentido, mas servem para colocar seus adversários na defensiva.
No momento, ele se sente atacado pela CPI da Covid-19 e pelo STF e não hesita em revidar, mesmo com chance zero de êxito. Com isso, agrava o conflito entre seu governo e o Judiciário, e também com o Legislativo. Afinal, o recém nomeado ministro Ciro Nogueira, um dos poderosos líderes do Centrão, fracassou em sua missão de servir de amortecedor de conflitos entre as instituições.
A estratégia de Bolsonaro é um golpe de Estado para implantar uma ditadura militar. Sua tática é gerar conflitos e tumultuar o país, criando condições para uma guerra civil e o caos, que justificariam a intervenção militar e a ditadura. Esse é o roteiro que ele persegue. O pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes é mais um capítulo desse roteiro, visando insuflar sua militância para a manifestação golpista do 7 de setembro. O governador de São Paulo, João Dória (PSDB), afastou o coronel da Polícia Militar que fez uma convocação para essa manifestação, atacando o STF. E o Fórum dos Governadores, reunido em Brasília em 23/8 último, decidiu pedir reunião com o presidente para estancar a crise entre os poderes.
Bolsonaro vem perdendo apoios importantes, principalmente do mercado, como se viu na carta divulgada em 5/8 último por importantes empresários e economistas, bem como na entrevista do ex-presidente do Banco Central, Affonso Pastore, que afirmou ao Estadão, em 19/8, que “a euforia da Faria Lima acabou, o empresariado acordou. O despertador tocou tão forte que não deu para ficar dormindo. Acordou e saiu da casca”. E o apoio do Centrão, garantia da maioria parlamentar do governo, tem seus limites porque não interessa ao Centrão uma ditadura, uma vez que seu poder depende do regime democrático baseado no atual sistema de presidencialismo de coalizão.
Por outro lado, Bolsonaro já perdeu inegáveis apoios no Judiciário. Muitos juízes passaram a temer represálias e punições que lhe seriam impostas se Bolsonaro sair vitorioso em seu projeto golpista, como ocorreu na Polônia e Hungria, segundo relata a jornalista Maria Cristina Fernandes em seu artigo “Bolsonaro Une Toga Contra” (Valor, 19/8/2021). Pode-se dizer que o Poder Judiciário, a partir da iniciativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do próprio STF, saiu da inércia de declarações verbais em defesa da democracia para reagir com ações concretas contra as decisões autoritárias do presidente.
A questão democrática, a pandemia e a inflação ameaçam o atual governo. Sentindo-se acuado, Bolsonaro contra-ataca com as iniciativas oriundas de sua mente insana. Quanto mais fraco se sentir, mais tumulto provocará. Mas seu campo de possibilidades está se restringindo, face à redução de sua base de apoio no mercado – que, finalmente, assumiu que Bolsonaro não governa – e, talvez, no próprio meio militar que oficialmente continua lhe dando apoio formal. Resta saber até que ponto. Alguns generais do governo já sinalizaram apoio ao golpe, usando o eufemismo de “poder moderador” dos militares, inexistente na Constituição.
Apesar de sua reduzida margem de manobra, Bolsonaro vai tentar um golpe, ninguém duvida. Talvez tente ainda este ano. Não se trataria de um golpe militar clássico, de fora para dentro. A expectativa dele é que os militares possam cruzar os braços em caso de uma tentativa de golpe por PMs, milícias, seguranças privadas, praças etc. Seria o modelo boliviano de novembro de 2019. Além do “risco Capitólio”, é bom não ignorar o “risco Bolívia”.
O movimento democrático terá de decifrar e impedir a ameaça de golpe, atuando no plano institucional e nas manifestações de rua, clamando Fora Bolsonaro e pressionando pelo impeachment.
Liszt Vieira é defensor público aposentado. Foi exilado político, deputado estadual no RJ, secretário de Meio Ambiente do RJ, presidente do Jardim Botânico RJ, professor universitário. É advogado com doutorado em Sociologia no IUPERJ.