O governo dos juízes: mito e realidades
“Profundamente chocante”, reagiu o ex-ministro do Interior francês Gérald Darmanin à inelegibilidade recentemente solicitada contra Marine Le Pen. “Cada um deve permanecer em seu lugar para evitar um ‘governo dos juízes’”, já declarava ele após o Conselho Constitucional ter censurado parcialmente a Lei de Imigração. Essa retórica hostil aos magistrados é recorrente na política. A que ela remete?
Cinco anos de prisão, sendo três em liberdade condicional, e cinco anos de inelegibilidade com aplicação imediata: no caso conhecido como aquele dos assessores do Front National (FN) no Parlamento Europeu, o Ministério Público francês fez requisições rigorosas contra Marine Le Pen. Essas requisições provocaram reações inflamadas de líderes e analistas políticos que, de forma uníssona e conforme a ocasião, repetem o mantra do “governo dos juízes”.1 É possível, claro, preocupar-se com eventuais abusos de uma autoridade pública sem violar a separação dos poderes. Contudo, nesse caso, as críticas veementes ao Ministério Público visam menos à natureza política do julgamento e à insuficiência de garantias contra o risco de desvio do processo legal do que ao próprio princípio de penalizar atos cometidos no exercício de funções de eleitos; os tribunais estariam substituindo o povo soberano, único juiz da probidade de seus representantes. Essa é uma ladainha conhecida. Mais difícil de…