O Lugar das Tribos
Ali Chibani
Na noite de 15 de fevereiro de 2011, os cidadãos de Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia, se reuniram para exigir a libertação do dr. Fethi Tarbel. Representando as famílias dos prisioneiros mortos em 1996, fuzilados na prisão de Abu Salim, em Trípoli, esse advogado foi detido sob acusação de “disseminar o boato de que a prisão estava em chamas”. Sua libertação não acalmou os ânimos e a população começou a planejar um “dia de cólera” em 17 de fevereiro. Nessa data, a exemplo do que acontecia em outras cidades do mundo árabe, milhares de manifestantes se reuniram nas ruas. Daí por diante, não houve prisão, tiros ou bombardeiros que trouxessem a tranquilidade de volta.
Em 20 de fevereiro, o pronunciamento na televisão de Sayf Al-Islam, filho de Muammar Kadhafi, e as ameaças de guerra civil, caso a calma não voltasse a reinar, aumentaram a determinação dos manifestantes. A desobediência crescente das Forças Armadas, instadas a participar da repressão, fortaleceu o movimento.
Na Líbia, como em todos os países da África do Norte, o sistema tribal teve um papel determinante na manutenção das culturas locais e na luta pela independência. “Mas sob o reinado de IdrissI [1951-1969]”, recorda Abd Al Moncif Al Buri, escritor líbio e militante dos direitos humanos1, “as tribos já não tinham nenhum papel político. A sociedade havia se organizado na forma de sindicatos ou associações para expressar suas reivindicações frente a um rei que recusava o tribalismo. Foi Kadhafi que as integrou ao mundo político.”
Após o golpe de Estado de 1º de setembro de 1969, que o alçou à posição de “Guia da Revolução”, Muammar Kadhafi fez alianças tribais que garantiriam seu poder. “Ele nomeava para os cargos nos comitês revolucionários os elementos mais fiéis ao seu regime, que podiam ser os administradores menos competentes”,acrescenta Al-Buri. Dividindo para melhor reinar, o Guia pôs certas tribos contra outras e usou a diversidade linguística (árabe, berbere e tubu) para punir as tribos rebeldes, como os tubus, cuja presença se estende por vários países – Egito, Chade e Níger. O líder da Frente dos Tubus pela Libertação da Líbia, Issa Attubawi, denuncia: “Nossas crianças não têm o direito de frequentar a escola, nem entrar em um hospital.”.
Kadhafi pagou determinadas tribos para melhor neutralizar os partidos políticos, os sindicatos e toda e qualquer forma de oposição com a finalidade de realizar sua utopia de Jamahiriya, uma forma de democracia de massas sem Estado, governo ou partidos políticos. Da mesma forma, ele as encarregou de desfazer as contestações estudantis dos anos 1970. Al Buri considera que “a censura de todos os canais de expressão reforçou o papel político das tribos, pois elas serviam de intermediárias entre as autoridades e a população, que faziam delas depositárias das reivindicações”.
Na última semana de fevereiro, elas intervieram conclamando os militares a apoiar o povo. O Conselho de Sábios da tribo de Al Zuaya, que vive no eixo petrolífero do leste líbio, ameaçou interromper o encaminhamento do ouro negro à Europa se a repressão continuasse. Já a tribo de Al Warfalla, uma das mais importantes aliada tradicional do regime, instou Muammar Kadahfi a deixar o país. E os tuaregues se juntaram rapidamente às manifestações.
Uma fonte que pediu anonimato afirma que a obediência à tribo levou os militares a se unirem à população, pois “eles estavam vendo seus irmãos e filhos morrerem”. E acrescenta: “O sentimento de pertencer a uma nação também. Quando os comandantes dos batalhões viram mercenários estrangeiros atirando contra líbios, eles decidiram defender os manifestantes”.
Ali Chibani é jornalista.