O napalm ainda mata
As operações de guerra química, com a utilização do napalm, começaram em 1961 com a aprovação do presidente John Kennedy, e foram progressivamente intensificadas até atingirem seu ponto culminante em 1965Shofield Coryell
“As conseqüências da guerra química empreendida pelos Estados Unidos ainda são visíveis por toda parte” explica Nguyen Xuan Phuong, uma vietnamita de uns cinqüenta anos de idade, responsável, na França, por um projeto de ajuda às crianças vítimas dos produtos tóxicos despejados sobre florestas e campos do Vietnã. Trinta anos depois da guerra, vê-se ainda nas ruas das cidades e nos campos gente mutilada – sem pernas, sem braços, cegas, com os corpos disformes. Esses problemas estão, em grande parte, ligados ao uso de desfolhantes nas operações militares freqüentemente classificadas de “maior guerra ecológica da história da humanidade”.
O objetivo estratégico das operações de “desfolhamento” era privar os guerrilheiros vietnamitas de suas fontes de alimento e proteger os invasores norte-americanos de seus ataques. É por isso que enormes descargas desses venenos se concentraram nas zonas em torno das bases norte-americanas e dos campos de pouso de aviões, assim como nas proximidades das rotas terrestres e fluviais. Um dos principais alvos foi a famosa trilha Ho Chi Minh, pela qual munições e armas eram regularmente encaminhadas do norte para o sul do Vietnã.
Dez anos de guerra química
A legislação norte-americana proíbe formalmente processos contra o governo por atos cometidos durante operações militares
Em outubro de 1980, uma comissão oficiali foi criada na cidade de Ho Chi Minh (ex-Saigon) para avaliar as conseqüências dessas ações. A comissão identificou toda uma série de doenças e sintomas provocados por esses herbicidas que destroem as plantas, mas também a vida e a saúde dos habitantes, provocando câncer dos pulmões e da próstata, doenças da pele, do cérebro e dos sistemas nervoso, respiratório e circulatório, cegueira, diversas anomalias no parto… Segundo a Cruz Vermelha vietnamita, muitos desses males decorrem da ação química do napalm – chamado “agente laranja” porque o exército norte-americano o havia armazenado em tonéis pintados em cor de laranjaii. Seus efeitos destruidores devem-se, em grande parte, ao seu componente principal, a dioxina, um dos produtos tóxicos mais potentes, que perturba as funções hormonais, imunizantes e reprodutivas do organismo.
Estas operações de guerra química, que começaram em 1961 com a aprovação do presidente John Kennedy, foram progressivamente intensificadas até atingirem seu ponto culminante em 1965, antes de diminuírem, e finalmente terminarem, em 1971, após inúmeros protestos no mundo inteiro, e nos próprios Estados Unidos, de cientistas, de um certo número de parlamentares e, principalmente, de ex-combatentes norte-americanos.
Ações de indenização
Ao contrário dos soldados estadunidenses, nenhuma das centenas de milhares de vítimas vietnamitas recebeu um centavo de indenização
Os estragos são consideráveis. O serviço secreto interaliado para o Vietnã (Combined Intelligence Center for Vietnam – CICViii) avalia que, após cinco anos de descargas constantes, as colheitas destruídas pelo agente laranja, despejado por aviões e helicópteros, poderiam ter alimentado 245 mil pessoas durante um ano inteiro. Segundo a Unesco (Correio da Unesco, maio de 2000), um quinto das florestas sul-vietnamitas foi destruído quimicamente .
Os herbicidas utilizados nessas ofensivas foram fornecidos ao exército norte-americano basicamente por algumas grandes empresas: em primeiro lugar, a Dow Chemical – uma das mais poderosas empresas norte-americanas nesse setor -, seguida, entre outras, pela Thompson, Diamond, Monsanto, Hercules e Uniroyal. Seria contra essas firmas – e não contra o governo norte-americano – que mais tarde, em 1984, organizações de veteranos norte-americanos decidiram entrar com ações judiciais para reclamar e obter reparações financeiras pelas doenças contraídas depois de sua exposição ao agente laranja. Na realidade, a legislação norte-americana proíbe formalmente processos contra o governo por atos cometidos durante operações militares.
EUA reconhecem efeito do napalm
Os herbicidas usados pelo exército norte-americano foram fornecidos, basicamente, pela Dow Chemical, Thompson, Diamond, Monsanto, Hercules e Uniroyal
Paradoxalmente, as possibilidades de ação jurídica desses veteranos foram reforçadas pela intervenção do almirante Elmo Zumwal – que havia ordenado às forças navais dos Estados Unidos que recorressem a esse herbicida em grande escala. Depois de ter observado a eficácia militar do produto, o almirante foi forçado a constatar seus efeitos sobre as tropas, e mesmo sobre sua própria família. De fato, o bebê de seu filho nasceu com graves deficiências físicas e mentais; o próprio capitão morreu muito jovem, de um câncer, devido a esse veneno.
Os Estados Unidos – após muitas hesitações e adiamentos – acabaram reconhecendo a existência de uma relação entre o agente laranja e os sintomas de que sofriam os veteranos norte-americanos: cegueira, diabetes, câncer da próstata e dos pulmões, deformação de braços e pernas, entre outros.
Trabalho de ajuda e pesquisa
Em maio de 1984, pouco antes do dia do processo, as companhias acusadas decidiram propor um acordo amigável, pagando 180 milhões de dólares a uma conta bancária que se tornaria o fundo de compensação dos veteranos atingidos pela dioxina. Dessa forma, de um total de cerca de 68 mil queixosos, quase 40 mil receberam reparações variando de 256 a 12.800 dólares, de acordo com a gravidade do caso. No entanto, nenhuma das centenas de milhares de vítimas vietnamitas recebeu um centavo de indenização.
Isso mostra a importância do projeto “Vietnã, os filhos da dioxina”, que Nguyen Xuan Phuong criou em Paris, com a cooperação das autoridades vietnamitasiv. Entre as atividades desenvolvidas consta, por exemplo, um sistema de apadrinhamento pelo qual se pode, a título individual, destinar uma certa quantia – de acordo com os recursos e a motivação – para a manutenção física e moral de uma família vietnamita. A entidade também recolhe fundos para a criação de centros médicos destinados ao tratamento das doenças provocadas pelo agente laranja, bem como à pesquisa, com o objetivo de compreender melhor a natureza dessas doenças e estabelecer meios de cura. (Trad.: Maria Elisabete de Almeida)
i A Comissão Nacional de Investigação das Conseqüências da Guerra Química no Vietnã, também chamada “Comitê 10-80”. Essa comissão trabalhou com institutos e universidades vietnamitas, assim como com cientistas estrangeiros.
ii Ler, de Le Cao Dai, L?agent orange dans la guerre du Vietnam: historique et conséquences, traduzido do inglês pelo doutor Jean Meynard, disponível junto à entidade “Vietnam, les Enfants de la Dioxine”, telefone 01 40 56 72 06.
iii O CICV era um serviço de informações norte-americano baseado no Vietnam.
iv Em Correio da Unesco, Paris, maio de 2000.
v “Vietnam, les enfants de la dioxine”, Praça Dunois, 7, ap. 1021, 75