O paradoxo climático do Brasil
12% das emissões de GEE no planeta, vem da pecuária. Em território nacional, do total de emissões, aproximadamente 28% têm origem nas atividades de agricultura e pecuária
O Brasil está apresentando contradições na governança climática, que refletem situações paradoxais. A indefinição e os conflitos no sistema econômico, bem como seus reflexos governamentais, contrastam fortemente com o anúncio das metas climáticas do país.
O governo brasileiro acaba de anunciar a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2035, prevendo um índice de incerteza superior a 10%. Segundo os governantes, as emissões cairão entre 59% e 67% até 2035, com base em 2005.
Além da alta incerteza numérica, as metas anunciadas são insuficientes, abaixo das recomendadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas e pelo primeiro Balanço Global do Acordo de Paris, que recomendam cortes de 60% até 2035 em relação às emissões de 2019.
Se o cálculo brasileiro tomasse como ano base 2019, a redução atualmente proposta equivaleria de 39% a 50%, portanto a ideia atual do Brasil está consideravelmente abaixo dos valores preconizados pelo IPCC.
Mas a indefinição brasileira é infinitamente maior. Primeiro, porque os planos de investimento federais em combustíveis fósseis, até 2027, atingem a alta cifra de R$18,31 bilhões destinados à exploração de petróleo e gás, segundo informa a Agência Nacional do Petróleo (ANP), ultrapassando em cerca de 15% o investimento previsto para energia limpa.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2025 prevê uma redução de 18% nos recursos destinados à transição energética, de acordo com análise realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O montante, que era de R$ 4,44 bilhões em 2024, caiu para R$3,64 bilhões no próximo ano.
Os pronunciamentos do Ministério de Minas e Energia têm sinalizado a ambição de tornar o Brasil um dos maiores produtores de petróleo do mundo com a exploração das reservas do pré-sal. O convite para participar como observador da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) foi comemorado dentro de setores menos progressistas do governo.
Recentemente, Alexander Silveira, o ministro de Minas e Energia declarou: “A exploração de novos recursos em óleo e gás pode gerar um capital de cerca de R$5 trilhões entre 2031 e 2050. Mas, se interrompermos os investimentos em exploração e produção, poderemos perder até R$4 trilhões em arrecadação nesse horizonte. E não dá para excluir os recursos do petróleo da equação que financia a transição energética”. Silveira defende uso dos recursos do petróleo para reduzir a conta de energia — Ministério de Minas e Energia
Financiar a transição energética com o uso de petróleo é uma contradição simplesmente inaceitável. Para complicar as coisas, o Ministério da Agricultura e Pecuária afirma que o setor agrícola do Brasil deve crescer 15,5% nos próximos 10 anos. A pecuária, uma das maiores responsáveis por GEE no cômputo das emissões brasileiras, cresceu 29,2% no último ano, com o rebanho bovino somando 46,4 milhões de cabeças.
A agropecuária responde por cerca de 12% das emissões de GEE no planeta. No Brasil, do total de emissões, aproximadamente 28% têm origem nas atividades de agricultura e pecuária. “O metano é o principal gás emitido pelos bovinos durante a digestão via eructação, ou seja, o arroto. Pecuária carbono zero: produção à base de pastagens é a raiz da solução – Epagri
Na última semana, o governo anunciou a habilitação de mais 19 frigoríficos para exportação de carne para a África do Sul, sendo oito para carne bovina. Brasil habilita 19 novos frigoríficos para exportação de carnes à África do Sul
As recentes declarações dos setores de petróleo e pecuária, por si só, implodem os planos de redução de emissões brasileiras que, só para lembrar, não incluem em seu cálculo as emissões das queimadas, chamadas “naturais”, que, em 2023 e 2024, devastaram o Brasil.
As emissões por desmatamento na floresta amazônica caíram 37%, de 1,074 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente para 687 milhões de toneladas. Por outro lado, os dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima mostram que, apesar da desaceleração na Amazônia, a devastação dos demais biomas resultou na emissão de 1,04 GtCO2e brutas em 2023.
O levantamento aponta que as emissões por desmatamento e queima de biomassa em 2023 aumentaram 23% no Cerrado, 11% na Caatinga, 4% na Mata Atlântica e 86% no Pantanal. No Pampa, essas emissões caíram 15%, mas o bioma responde por apenas 1% do total. O Brasil reduziu em 12% emissões de gases do efeito estufa em 2023.
Percebe-se, no âmbito do governo, discursos antagônicos. Não há plano de descarbonização que de fato venha a intervir na realidade. A redução não está presente nas intenções declaradas pelos setores mais estratégicos para a redução de emissões, especialmente na área do agronegócio, o maior responsável por alterações negativas no uso do solo e nas emissões de sua atividade, como a pecuária.
O que se vê é literalmente business as usual, os negócios como sempre foram, e de outro lado, a posição formal brasileira com promessas de redução de emissões que não se fundamentam em uma realidade multissetorial.
A lição de casa dos brasileiros para superar os desafios climáticos é conhecida: em primeiro lugar, eliminar imediatamente o desmatamento na Amazônia e nos demais biomas, com fiscalização implacável, o que não vem ocorrendo. Deve-se estimular e contar imediatamente com o apoio do Judiciário na reparação dos danos ambientais, além de promover os necessários projetos de recuperação de áreas degradadas.
O governo deve também sair da ‘ladainha’ de comparar o índice do desmatamento atual com o de anos atrás, quando a situação climática e do ponto de não retorno da Amazônia era diferente. Faz-se necessário considerar a mais valia ecológica dos bens ambientais remanescentes.
O Brasil ainda deve demonstrar capacidade para acelerar as transformações fiscais e alavancar as políticas públicas, apoiando tecnologias amigáveis. Mas, sem sinalizar com a devida materialidade econômica que sua prioridade é a transição ecológica, não conseguirá atrair cooperação e investimentos internacionais – nem movimentar adequadamente a capacidade interna de investimento.
O governo federal do Brasil precisa realinhar sua economia na direção da sustentabilidade. É necessário coordenar e alinhar as ações de suas pastas e setores para sair do pântano das contradições, cumprindo sua promessa de gestão ambiental interministerial, se quiser sinalizar que, de fato, irá protagonizar no cenário climático o que seu DNA de florestas e biodiversidade exige. Se não enfrentar de frente seus desafios, as promessas serão apenas promessas.
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)