O perigoso vício da indexação no Brasil
Mesmo com a maior recessão de nossa história, taxas de juros reais elevadas na comparação internacional, desemprego em alta e demanda fraca, a inflação apresentou certa resistência em ceder para níveis compatíveis com a conjuntura de uma depressão econômica, que, muitas vezes, é caracterizada por deflação
A primeira Lei de Newton (lei da inércia), grosso modo, afirma que, caso nenhuma força seja exercida sobre os corpos, estes possuem a tendência de permanecer em seu estado natural, ou seja, repouso ou movimento retilíneo uniforme. Os economistas se basearam nesta ideia para explicar aquela inflação que sobe hoje simplesmente porque subiu ontem, sem “causas” aparentes, tais como pressões de demanda, aumento no preço de insumos e choques cambiais.
Atualmente, com a revisão das metas e do target do regime de metas de inflação (RMI), os economistas discutem quais são os meios mais eficientes para fazer com que a inflação brasileira mantenha-se baixa e, preferencialmente, ao redor dos 4,25%, novo centro da meta. A despeito deste debate válido, que possui considerações importantes de ambas as partes, tanto dos que defendem o atual RMI como dos que apontam ineficiências, o demasiado nível de indexação dos preços da economia brasileira ainda pode ser um problema no ambiente macroeconômico. Mesmo com a maior recessão de nossa história, taxas de juros reais elevadas na comparação internacional, desemprego em alta e demanda fraca, a inflação apresentou certa resistência em ceder para níveis compatíveis com a conjuntura de uma depressão econômica, que, muitas vezes, é caracterizada por deflação.
Uma das possíveis explicações para essa “demora” da inflação em ceder é o excessivo nível de indexação. Ou seja, contratos, instrumentos financeiros e leis, entre outros, possuem um mecanismo de reajuste de acordo com a inflação passada, e assim geram um peso inercial para os preços. As recentes medidas que estão sendo discutidas e algumas, diga-se de passagem, tomadas no âmbito do Congresso Nacional, caminham justamente na direção de indexar ainda mais a economia.
Mesmo após o Plano Real, ainda persistem vários mecanismos de indexação no Brasil. Alguns exemplos são: os reajustes de aluguéis, as tarifas de energia elétrica e de telefonia, títulos públicos e instrumentos financeiros, a política de reajuste de salário mínimo e a nova Taxa de juros de Longo Prazo (TLP). Também relevante é a chamada “PEC dos gastos”, Proposta de Emenda à Constituição 55/2016, que foi aprovada em 2016, cuja ideia consiste em aumentar o teto dos gastos públicos, em um prazo de 20 anos, de acordo com a inflação do ano anterior. Ou seja, a referência de gasto de um dos principais agentes de uma economia capitalista, que é o governo, está indexada à inflação passada.
Estas são variáveis importantes do funcionamento econômico brasileiro, insumos, preços e componentes basilares; por isso, caso ocorra um choque inflacionário, podem provocar um “efeito cascata” nos preços e acabar por ampliar a indexação, e, por conseguinte, o componente inercial da inflação. Deste modo, pode ocorrer uma maior dificuldade (taxa de sacrifício elevada da política monetária em termos de queda do PIB e aumento do desemprego num processo de desinflação) para o Banco Central controlar a alta dos preços, inclusive exigindo taxas de juros mais elevadas comparadas com uma economia com menor indexação.
Várias propostas para enfrentar este problema vêm sendo debatidas por diversos economistas. Umas defendem uma taxa média de longo prazo para esses reajustes, minimizando efeitos temporários. Outros apontam para a necessidade de um controle muito rígido da inflação por um período bastante prolongado para assim incentivar os agentes a diminuir essa prática. De todo modo, seria importante que ao menos o governo desse o exemplo e evitasse a demasiada utilização da indexação em vários preços basilares.
É muito importante salientar que este texto não pretende entrar no mérito da necessidade ou não de nenhuma medida adotada, tampouco adentrar em questões acadêmicas mais complexas. Seu propósito é apenas alertar sobre o perigoso caminho de indexação da economia brasileira que tem se intensificado no período recente. Nosso passado de inflação elevada deixou várias lições e certamente o cuidado com a indexação é uma das mais importantes.
Mateus Boldrine Abrita é professor efetivo na UEMS. Graduado em economia pela UFMS, mestre em economia pela UEM e doutorando em economia pela UFRGS. Possui trabalhos científicos publicados no Brasil e no Exterior.